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Segurança pública, concursos e ampla concorrência

Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *

No último dia 10, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um pacote de ADIś que questionavam a limitação percentual de vagas femininas em concursos públicos na área de Segurança Pública. Em linhas gerais, o julgado – que envolveu Sergipe e já motivou questionamentos sobre concurso desta em andamento –  decidiu, reiterando entendimentos anteriores, que não pode haver restrição de vagas para candidatas femininas. Estamos falando de casos em que se coloca um percentual a menor de vagas para mulheres, em comparação às vagas disponíveis para candidatos masculinos.

Algo como as cotas.

O julgado determina que se deve respeitar a Constituição Federal que estabelece igualdade entre homens e mulheres.

Estamos diante de um tema que se não complexo, ao menos é bastante espinhoso. Mas para tratarmos dele, creio importante evocar uma outra parte do decidido pela corte superior: para o Ministro Relator Alexandre de Moraes, o decidido não alcança os certames já encerrados, uma vez que isso causaria riscos à gestão da Segurança Pública, à Segurança jurídica e ao Interesse Público.

Observemos o interesse público.

Já vi uma série de questões sobre esse tema. Discussões de boteco, discussões administrativas e mesmo demandas jurídicas, em sua maioria, poucas delas respeitavam o interesse público. Infelizmente.

Mas pensemos no citado interesse público. Esse é o que deve prevalecer, desde sempre e depois.

Um dos motes da discussão sobre tal “cota”, advêm do fato de que há uma diferença sensível nas aptidões físicas dos homens e das mulheres. Esse seria um ponto essencial em tal discussão, pois sendo o vigor físico uma característica essencialmente ligada aos agentes públicos a serem designados ao exercício da força como mister.

Especificamente, nesse sentido, está o teste de aptidão física. Uma das possibilidades que se falava, era que para ser justo, as mulheres deveriam submeter-se ao teste tradicionalmente estabelecido, mas que por historicamente fora pensado para candidatos do sexo masculino.

Apesar de estarmos hoje num período de ojeriza ao pensamento e à ciência, já temos estabelecido há algum tempo a diferenciação de testes físicos para mulheres e homens. Nada mais justo. Creio ser essa discussão específica já vencida.

Mas cadê o tal interesse público nesse meio aí, já que eu estou falando em teste masculino e feminino?

Vamos lá.

Temos uma relação entre a aptidão física e o interesse público. Mas antes disso, é essencial afirmar que a igualdade efetivamente precisa ser respeitada, antes de tudo. O detalhe que não pode ser desprezado é que do mesmo jeito que há a necessidade de se respeitar tal direito, há também a necessidade de respeitar e assegurar o tal do interesse público, por ser esse o maior interesse de uma sociedade.

Claro que não há antagonismo de fato, pode até haver um aparente, mas não é de fato. O que se precisa fazer é encontrar o meio de sopesar as situações para assegurar o referido direito sem prejudicar o interesse público.

A partir daqui podemos reflexionar acerca de soluções nesse sentido, o que me leva à uma discussão que fazia por ocasião de um curso profissional em São Paulo, lá em 2011. Na ocasião entendíamos que havia um caminho a ser considerado, aparentemente bem adequado ao caso.

Ainda refletiria sobre nos anos seguintes, trazendo alguns elementos a mais.

Enfim, a ideia era que teríamos que partir do perfil profissiográfico dos profissionais de cada carreira da segurança pública. Perfil profissiográfico trata-se de uma ferramenta capaz de determinar as características esperadas de um profissional, relacionadas a habilidades. Partindo desse ponto, talvez seja possível mapear quais as habilidades físicas que se esperam de cada (considerando a peculiaridade de cada força) profissional desse segmento. Então, devidamente mapeadas as habilidades físicas, tal qual se faz com as intelectuais por ocasião da prova de conhecimentos.

Definidas tais habilidades, ter-se-ia condição de se definir um teste físico capaz de mensurar a capacidade de cada candidato, independente de homem ou mulher, de atender a aptidão física necessária ao mister da segurança pública.

Melhor desenvolvendo, já temos um perfil profissiográfico, conforme estudo publicado em 2012 pelo Ministério da Justiça que pode, desde já, ser tomado como pontapé inicial. Faço tal alegação, devido ao fato de que o citado faz o levantamento de tarefas dos servidores da segurança pública e, daí mapeia as competências necessárias para tal mister.

É preciso observar que o estudo do MJ servindo de base, não esgota o tema, visto que as competências nele mapeadas são as técnicas e comportamentais, ou seja, não abordando as competências físicas, mas já ajudando ao definir parâmetros gerais dos misteres da Segurança Pública.

Assim, restaria fazer o mapeamento das competências físicas essenciais a estes profissionais. Na verdade, isso é ponto chave, pois o desempenho da função da Segurança pública é um dos quais se caracteriza, essencialmente, pelo exercício da força legal, inclusive em seu aspecto físico. Na verdade, ainda mais e desde sempre, tal função historicamente surge do exercício da força física na lide com a sociedade, que a torna mais complexa por ser diferente daquela exercida pelas Forças Armadas federais, que se volta à lide com o inimigo.

Logo, delimitadas as competências físicas, está-se em condições de se chegar tecnicamente (ou mesmo cientificamente) ao tipo de teste físico capaz de mensurar a capacidade de cada indivíduo em exercer a força ante as necessidades das atividades de segurança pública, tal qual o faz, por exemplo, as provas de conhecimentos em relação às capacidades intelectuais – e que o fazem sem desrespeitar questões de gênero, dentro do contexto em objeto.

Assim, teríamos um teste que mensuraria a aptidão física do indivíduo às demandas físicas das atividades de segurança pública, com uma dupla aptidão: estabelece as capacidades físicas necessária de cada indivíduo, ao mesmo tempo que não prejudica o interesse público ao se possibilitar  o recrutamento parametrizando as necessidades de vigor físico que o candidato deve possuir para assegurar a capacidade de que este ofereça à coletividade o que ela de fato necessita, no caso em objeto.

Finalmente, longe de crer ser essa opção posta a solução definitiva, a intenção aqui é apenas suscitar o debate, pois a decisão que tratamos, ao haver preservado os concursos já concluídos, não referiu os que estão em andamento, que certamente já devem estar sendo objeto de questionamentos judiciais.

* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)

 

 

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