Por Antonio Samarone *
Para quem não alcançou, as bodegas eram os atuais mercadinhos. Os Armazéns de Secos e Molhados vendiam no atacado e para os mais ricos; e as bodegas, quase uma por esquina, vendiam ao povo. Quem tinha crédito, comprava fiado. Tudo anotado numa caderneta, que ficava de posse do freguês.
A Caixa Econômica Federal imitou as bodegas de Itabaiana e criou a caderneta de poupança. As nossas cadernetas eram de dívidas.
Quem não sabe os porquês dos mercadinhos Itabaiana dominarem Sergipe, desconhece a nossa tradição de grandes bodegueiros.
Na esquina da Rua da Pedreira, com a Rua de Macambira, tinha a bodega de Seu Floriano. Um sertanejo de bigodes brancos, que fumava um cigarro Astoria, o mais barato da Souza Cruz, até o talo. Ele equilibrava a cinza, até a biana, sem cair. O bigode de Seu Floriano era encardido do sarro do Astoria.
Uma bodega de três portas, pequena, que tinha de tudo. Um das mais sortidas.
Foi na bodega de Seu Floriano que saboreie a minha primeira espécie, um doce árabe, de amendoim e pimenta do Reino. Os dicionários chamam esse doce de paçoca. Esses gramáticos estão enganados, nunca comeram as espécies de Seu Floriano. O cheiro, a consistência e o sabor são outros. A minha memória guarda os segredos dessa delícia: a espécie de Seu Floriano.
As bodegas vendiam de tudo: velas, pavios e querosene. Cravo, canela, sabão, sal e açúcar. Ovilon, pomada Minâncora, guaiacol e sonrisal. Bucha de prato, ralo e candeeiro. Farinha, aipim, pão dormido, bolachão e bolacha fofa. Pichilin e noz-moscada.
Na bodega de Seu Floriano nunca faltava uma manta de jabá, em cima do balcão. Misturada com um rolo de fumo. Quando se bebia uma casca de pau (angico, millone), naqueles copos de fundo grosso, se pedia um tira- gosto de jabá crua.
Entretanto, as bodegas tinhas as suas especializações, que as distinguiam. A bodega de Seu Floriano tinha os melhores charutos da cidade. Do Cohiba cubano aos mata-ratos. Do Suerdieck aos charutos Walkyria, da Estância.
No Beco Novo, o farmacêutico Flodoaldo ensinou usar a cinza do charuto mata-ratos como remédio, para a tinea corporis (as impinges). Era um santo remédio. Era só espalhar a cinza do charuto por cima da lesão.
Em Itabaiana, fumar charuto já foi moda: de Zeca Mesquita a Nilo Base. Hoje, desconheço quem fume charuto. Se alguém fuma é escondido. Por sorte, a indústria farmacêutica já inventou outros remédios para as impinges.
Quando passo pelos Mercadinhos Itabaiana, todos bem sucedidos, me lembro de Seu Floriano.
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.
1 Comment
Grande Samarone!! Que bom lembrar dos velhos tempos, né? Aloisio (sobrinho de Santinho de Nia)