Após acompanhar uma equipe da TV Sergipe pesquisando no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe sobre os antigos carnavais de Aracaju, o professor Samuel Barros de Medeiros Albuquerque, à época presidente do IHGS, decidiu se debruçar sobre um dos mais primorosos textos da memorialística sergipana, o encantador “Roteiro de Aracaju”, obra de Mário Cabral, publicada em 1948.
Veja, abaixo, o resultado da revisita feita à obra do intelectual sergipano pelo professor Samuel Barros.
“Dialogando com autores como Corinto Mendonça, Mário Cabral informa que, em Aracaju, o carnaval surgiu ainda no século XIX, em princípios da década de 1890. Fomentado, sobretudo, pelo tenente Henrique Silva, surgiram os primeiros grupos de foliões, ao som de clarins e zabumbas, usando máscaras e fantasias. Mário trata com riqueza de detalhes dos desfiles dos primeiros clubes: o Mercuriano, o Cordovínico e, depois, o Baco e o Arranca. Segundo ele, “os carros alegóricos formavam grandiosos préstitos, procedidos, majestosamente, pelos clarins dos arautos” (Roteiro de Aracaju. 3ª ed. Aracaju: Banese, 2002, p. 55).
Entre as décadas de 1910 e 1930, o carnaval aracajuano passou por muitas transformações. O corso de automóveis na Rua João Pessoa, o uso generalizado de fantasias, confete e lança-perfume são marcas desse período. Mário também rememorou os concorridos bailes de carnaval. Segundo o poeta, “o povo dançava nos famosos bailes do Cinema Rio Branco. A grã-finagem se divertia no Clube dos Diários. O Recreio Clube, posteriormente, passou a ser o quartel general da folia carnavalesca, sendo o seu baile da terça-feira, um verdadeiro acontecimento social e mundano” (Roteiro de Aracaju. 3ª ed. Aracaju: Banese, 2002, p. 55).
Sob o ritmo do frevo, o nosso carnaval ganhou novo fôlego na década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial. “Durante quatro dias e quatro noites, na Rua João Pessoa, na Praça Fausto Cardoso e na Travessa Benjamim Constant, ao som de grandes e de poderosos amplificadores, o povo aracajuano realiza[va] um carnaval animadíssimo. Os estandartes, como coisas vivas, oscilam sobre o estranho mar de cabeças humanas”, informa Mário (Roteiro de Aracaju. 3ª ed. Aracaju: Banese, 2002, pp. 55-56).
Ele afirma ainda que as ruas eram “decoradas por meio de luzes, cartazes, bandeirolas, figuras e gigantes painéis carnavalescos”. Sem contar com os famosos bailes dos clubes Sergipe, Cotinguiba, Aracaju e Associação. O poeta também caracterizou os antigos carnavais aracajuanos como um “maravilhoso espetáculo de igualdade e democracia”, congregando “velhos e moços, pretos e brancos, ricos e pobres” na festa pagã.
Sem dúvida, os “flagrantes” do “Roteiro de Aracaju” contribuem para o resgate da identidade aracajuana. Ana Maria Fonseca Medina, num belo texto dedicado ao amigo Mário Cabral, escreveu: “Aracaju perdeu o ar provinciano, tudo mudou caro poeta, mas você fez o milagre de deixar para as gerações futuras, a cidade poética intacta, pintada pelo colorido da sua pena de artista da palavra flamante” (Revista do IHGSE, nº 38, 2009, p. 266)
Nesse sentido, o “Rasgadinho”, um dos mais tradicionais blocos no carnaval de rua da cidade, criado na década de 1960, ressurgiu com força em 2003, animando os foliões do Cirurgia e bairros próximos.
Mesmo vivendo em Salvador, Mário Cabral sempre esteve atento aos acontecimentos de sua amada Aracaju. Certamente, antes do seu falecimento, em abril de 2009, o poeta teve notícias do renascimento do tradicional carnaval aracajuano.
É possível que Mário tenha se deixando tomar por um súbito sentimento de satisfação ao constatar que os antigos carnavais inspiraram os foliões do século XXI, promovendo um vibrante encontro do passado com o presente, resignificando uma memória que teima em sobreviver.
* Texto do professor Samuel Barros de Medeiros Albuquerque publicado originalmente em 2011, no site da UFS.