Por Antonio Samarone *
O sucesso musical não depende só do talento. Nas décadas de 1970/80, a centenária filarmônica de Itabaiana hibernava, sob o comando do maestro Antonio Melo: um exímio saxofonista, portador de impaciência crônica.
Vindo de Riachão dos Dantas, chegou em Itabaiana o Camarada João de Matos, operário, marceneiro, uma divindade da música.
Como o mundo não para. A diretora do Colégio Murilo Braga, Maria Pereira, recebeu um estoque de instrumentos musicais, com a tarefa de criar uma banda marcial.
Faltavam os músicos. Dona Maria Pereira contratou o maestro João de Matos para formá-los. O que ninguém sabia: o maestro, um carpinteiro comunista, vindo do Riachão dos Dantas, era um excepcional professor de música.
Com a missão de organizar a banda do Colégio, João de Matos formou uma geração de músicos, uma safra talentosa, que depois, sob o comando de Valtênio, retomaram a velha Filarmônica e outros saíram pelo Brasil fazendo sucesso.
Das aulas do comunista João de Matos, despontaram:
Wellington Mendes (professor de música na Bahia); Zé Aroldo (saxofonista e professor do Conservatório); Valtênio (trompete, maestro da filarmônica); Gustavo de Bobó; Jorge Pi, compositor de sucesso; Roberto Wagner, sobrinho de Dr. Millet (trombone com vara, maestro da sinfônica de Goiás); Hipólito na Tuba; Gene, um virtuose no Pistom e Alexandre Abraham, um gênio no trompete, que morreu cedo.
Uma enxurrada de músicos talentosos, todos alunos do Maestro João de Matos. Devo ter esquecido alguns. Itabaiana é uma terra de músicos, há 280 anos, desde a criação da Filarmônica, pelo Padre Francisco da Silva Lobo.
O clarinetista Luiz Americano foi um nome nacional, nasceu na Rua do Canto Escuro, em Itabaiana, mas como nunca declarou. Ao contrário de Mestrinho e Natanzinho.
Gente, além de Natanzinho (arrocha) e Mestrinho (forró), a produção musical em Itabaiana é profunda. Lembrei-me de Melciades (contrabaixo), Luiz de Mané de Jason (guitarra) e Raimundo (violão), ouvidos absolutos, que honram Itabaiana. Não esquecemos o talento da poetisa e cantora Antônia Amorosa.
Entre os gênios discípulos de João de Matos, destaco Alexandre Abraham, filho de Maria Agda Menezes e do judeus, José Abraham. Um bisneto de Alexandre Fava Pura.
Dedé Cachaça vaticinava: esse menino vai longe, filho de judeus, neto de Josué do Vinagre e sobrinho de Anchieta, será um gênio. E foi!
Para quem não é de Itabaiana: Anchieta foi a maior inteligência da minha geração. Descobria o segredo de qualquer cofre, no escuro. Educado, fala mansa, mas disposto a tudo. Anchieta metia medo e inspirava respeito.
Segundo a jornalista Clara Angélica Porto, Alexandre Abraham era um menino lindo. Pele bem branquinha, olhos verdes azeitona, loirinho.
Sobre o gênio musical de Alexandre, escreveu Clara: “Viveu em staccatos noturnos, dias em semibreves e fermatas; bebia a lua e adormecia o sol na melodia; gorjeava como um pássaro com as cornetas de onde arrancava sons voadores em galopes de língua com maestria.”
O doutor Rômulo, filho do goleiro Lessa, poeta, médico e filosofo, me fez um relato esclarecedor: “Alexandre tornou-se profissional da música, com grande capacidade de improvisação, jazzista e, com Aroldo e Melciades, fundaram a banda “Excalibur”, que tocava nas noites aracajuanas.”
Alexandre morreu em casa, no Pereira Lobo, sozinho, quarenta e poucos anos, vítima da dependência química. Morreu como Chet Baker, o grande trompetista americano. Alexandre está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas, em Itabaiana.
Minhas homenagens a esses itabaianenses, virtuoses da música, que encantaram e encantam a vida.
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.