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Aracaju faz cem anos

Por Maria Rita Soares de Andrade*

(Artigo publicado pela jurista sergipana no Jornal do Brasil, em 17 de março de 1955, em homenagem ao centenário da capital sergipana. Artigo localizado pelo pesquisador, jornalista e escritor Gilfrancisco)

Cristóvão de Barros invadira o reduto do Cacique Serigi, fundara a Cidade a que dera o nome, que se tornou a capital da Província.

Cinco léguas adiante surgiu o Arraial de Santo Antônio do Aracaju. “Tempo dos Cajueiros”,  “Cajueiro dos papagaios”, “Terra dos cajueiro”, o fato é que do acaju-tupi – por cuja sombra  e por cujos frutos as tribos se guerreavam, lhe deram o nome.

  1. Cristóvão, a capital, montanhosa e triste, no Vale do Vaza-Barriz, fez-se a sede do governo. Teve, também, os primeiros engenhos. Os surtos das invasões holandesas fizeram-na construir como uma fortaleza. A posição geográfica começava a entrava-lhe o desenvolvimento. O Vale do Cotinguiba, já em 1832, a superava na produção do açúcar. Tanto que houve um projeto, na Assembleia provincial, mudando a capital para Laranjeiras.

Em 1855, Inácio Barbosa, Governador, em viagem de inspeção, chegou à margem do Rio Sergipe, ao Arraial de Santo Antônio do Aracaju. Viu a baia ampla. Descortinou, da Capelinha, a barra aberta. Lembrou, então, o projeto de 1832. Mudar a capital do Vale do Vaza-Barriz para o estuário do Sergipe, que já produzia mais de 25.000 sacos de açúcar anuais. A planície perdia-se abaixo, por duzentos e sessenta quilômetro quadrados. O porto, profundo, na enseda, com barra franca, Atalaia afora, incentivaria o progresso. Do sonho à ação não durou muito. A 21 de fevereiro, do Engenho “Unha de Gato”, convocava a Assembleia   para uma reunião extraordinária. A Câmara de S. Cristóvão protestou. Mas a vontade férrea do Governador prevaleceu e a 17 de março já sancionava a resolução de mudança da capital. Ficava a Vetusta, senhorial S. Cristóvão, com seus templos imponentes, suas construções coloniais, suas fontes térmicas, como monumentos histórico, e o nervo da política, do governo, do comércio, da indústria, se deslocava para o novo centro, a disputar a sobrevivência aos riachos, aos pântano, às lagoas, com seus exércitos de pernilongos a dizimarem intrusos. Muitos pagaram com a vida a ousadia. O Governador foi um deles. O paludismo o matou.

A civilização invadiu no Arraial do índio João Mulato. E um de seus melhores poetas o lamenta:

Agora,

A cidade não é tão simples como outrora

……………………………………………………….

Não mais cavalos, na segunda-feira,

amarrados à porta do Mercado;

nem tipos de rua; e graça alvissareira

dos “moleques” gritando a venda do queimado.

(Passos Cabral)

Aracaju mudou o traje. É uma cidade moderna. Ruas largas e longas. Jardins. Praças amplas. Sobre a vasta planície, contrastam-lhe a paisagem três morros apenas: Santo Antônio – marco inicial da cidade – Cruzeiro e Urubu. Só o primeiro é habitado. O mais pitoresco recanto da cidade: Belo e Poético. É o Parnaso de Garcia Rosa, o peripatético que o ilustra, verdadeiro imã de inteligências. Tem sio fonte de inspiração. Ali floriram sempre.

Os romances de amor eternos com a dor….

Sobre os cajueiros d as mangueiras de Santo Antônio, Jackson de Figueiredo sonhou, acordou e predicou. Passos Cabral alcantilou o estro. Hermes Fontes cantou poemas. Amando Fontes viveu e delineou “Corumbas” e planejou “Rua de Siriri”. Barreto Filho desenvolveu sua profundeza filosófica. Jordão de Oliveira deixou-se dominar pela natureza, e começou a traduzi-la na tela, a pincel.

A cidade civiliza-se. O morro de areia branca atenção encantadora da gente de antanho, quase desapareceu. As ruas largas, calçadas, deixam deslizar automóveis estilizados. Os bondes de burros foram substituídos, por Graccho Cardoso, pelos elétricos, embora parcos e morosos. Seus veículos básicos são as “marinetes”. Surgiram com o futurismo, de Marinetti, em lhe adotaram o nome.

A cidade possui sua história. Foi teatro de feitos heroicos, Fausto Cardoso, abrindo o peito, em praça pública, tomba a lutar co0ntra a opressão. Maynard Gomes levantou duas vezes o 28 BC. Em 1924, com Eurípedes, Messias e Soarino, depôs o Governador. Constituiu um governo revolucionário. Abriu trincheiras. Combateu as forças federais. Depois em 1926, preso, sublevou mais uma vez o Batalhão. Atacou o Palácio, a Força Pública. Estas as revoluções de nossa época. Outras viveu a cidade. Em 1891, com a deposição do Presidente Vicente Ribeiro. Em 1894, com a do capitão José Calazans, um dos melhores homens de seu tempo e de sua classe. Em 1896, com a deposição e reposição do Padre Dantas. A rebelião é do sangue de nossas vidas. Não houve, ainda, movimento de reformas, de reivindicação, no Brasil, do qual estivesse ausente algum dos nossos. Mesmo dos mais absurdos.

Aracaju é produto hercúleo, exclusivo, dos sergipanos. Seu clima tropical e a pobreza de seu solo jamais atraíram imigrantes. Nem o poder federal tem preocupação de prova-lo. Tudo lá é mão-de-obra do caboclo.

O que lhe deu foros de capital foi o porto. Sua honra. Seu orgulho. A cidade, de praças amplas, ajardinadas, ruas calçadas, com suas retretas às quintas e domingos, inspiradoras de poetas e de romances de amor, perdeu essa razão de sua “pedanterie”. Os Comoros de areia entupiram-lhe a barra. Bastaria, para abri-la, draga-la. O mais é com o Atlântico, que se arrebenta nas praias da Atalaia.

Mas que é e que vale um Estado de apenas 30 mil quilômetros quadrados, com menos de um milhão de habitantes, nesse Brasil intenso, para que uma draga do Departamento de Portos e Canais perca tempo em lhe desobstruir a barra, ainda que, abandonado e só, ele oferece ao centro e sul do País alguns milhões de frutos de seus coqueirais, sal, açúcar e tecidos em profusão? Há mais de uma década isto perdura. Seus cômoros de areias são cemitérios de navios. Usinas de açúcar, da zona do Cotinguiba, foram desmontadas e vendidas para o Sul. Essa exportação era sua riqueza.

Apesar de tudo, a cidade vive. Cresce. Amamo-la pobre como é. As amoras e os crepúsculos não mudaram. O raiar e o morrer do sol, da capelinha de Santo Antônio… Que espetáculo! As noites enluaradas no mar ao longe! Aracaju é uma bonita cidade. Bela e simples. Não sofreu muito o impacto d desintegração atual. Sua pobreza é inteligente. Não lhe faltou nem mesmo um “Mecenas”. O velho Cel. José da Silva Ribeiro transformou seu solar num centro literário. Da “Hora Literária” surgiu a Academia de Letras. Hoje, aquele solar, por iniciativa de Rubens de Figueiredo, é o Convento dos Franciscanos. Sergipe resgatou com a Ordem dos Frades Menores um pouco do débito de que é credora, porquanto tem colaborado na sua formação.

A criação da Diocese de Aracaju, em 1910, constituiu um fato auspicioso. D. José Thomaz Gomes da Silva deixou, como Bispo um nome e uma obra. Basta dizer que formou esses dois ilustres prelados: D. Mário de Miranda Villas-Boas, Arcebispo de Belém, e D. Avelar, Bispo de Garanhuns. Hoje está confiada a D. Fernando Gomes, de cujo apostolado é de destacar-se a obra de recuperação dos mendigos, com na fundação e a manutenção do SAM.

A igreja plantou em Sergipe o embrião de uma humana reforma agracia. Itabaiana e Lagarto são testemunhos disso.

Quando nossa cidade foi elevada, a capital, a velha S. Cristóvão rebelou-se. João Bebe Água, com 400 homens, quis resistir. Ante a impossibilidade, guardou os foguetes da vitória até a morte, invocando sempre:

  1. Cristóvão passageiro,

Santo de fazer milagre,

Pelo amor dos sergipanos,

Fazei voltar a cidade.

Hoje, Aracaju faz cem anos. Centenária, numa cidade é juventude, Florência. No homem, velhice, decrepitude.

A terra do chefe João Mulato (1669) venceu a de João Bebe Água (1855) por causa do porto.

Hoje, João Bebe Água poderia soltar seus foguetes, mesmo sem a cidade voltar, pois, sem o porto, o arraial dos cajueiros sofre no seu orgulho de porta do coração do Brasil – Sergipe. As pragas dos cristovenses pegaram.  Também, eram desse teor:

Quem for para Aracaju

Leve terço pra rezar,

Que Aracaju é a terra

Onde as almas vão penar.

As águas de S. Cristóvão

Só parecem de cristal.

As águas de Aracaju

Só parecem rosargal!

A aniversariante nasceu assim. Improvisada. Combatida. Pantanosa. Palustre. Saneou os pântanos. Venceu o impaludismo. Criou uma mentalidade. Uma cultura. Hoje possui, graças a Diocese, duas Faculdades: Filosofia e Direito. Escolas de química, de comércio e finanças. Seu curso primário é dos melhores do País. Seu índice de alfabetização, dos mais elevados. Seus estabelecimentos industriais sobem a 350. Suas fazendas de coqueiro, a 250. Sua produção de coco é metade d do Estado, que, por sua vez, é a maior, por unidade, do Brasil. Não obstante, todo coco, no Sul, é da Bahia.

Aracaju faz cem anos.

Quando numa família um dos ascendentes completa essa idade, todos os ramos da prole se reúnem para homenageá-lo. Dão-lhe ricos presentes. Qual o presente que a centenária mais estimaria? Sugerimos que todos nós, que emigramos, para subsistir, durante o ano do centenário, não demos tréguas ao Governo da República até que este mande dragar a barra e construir o porto. Por causa do porto, Inácio Barbosa transformou um pântano numa das mais encantadoras cidades do Nordeste. Por falta do porto não podemos deixar, cem anos depois que ela pereça.

Terra de poetas, nela quanto mais se sofre mais se ama e canta:

Areia do Aracaju: Pó aos luares.

Diz Freire Ribeiro, no introito de seu poema – Feira do Aracaju:

Feira do Aracaju Mercado cheio!

Nossos patrícios doutras plagas notam o contraste entre a pobreza de Sergipe, particularmente da zona praieira – que só dava “guaiamuns e melancia” – com a resistência do sergipano. É por desconhecerem nossa maneira de viver.

De manhã, quando almoço,

Cuscuz com leite e café   (P. C.)

Eis o segredo. A vitamina do milho. O fósforo do massunin, do aratu, do sarnambi. O tônico do cafu, disputado, a arco e flecha, pelos indígenas. Mas, aos cem anos de idade, Aracaju, com seus enormes coqueirais – do coqueiro, até quando morre, nada se perde – suas salinas, suas fábricas de tecidos, seu açúcar do Cotinguiba, está trançada para o resto do Brasil. O porto, inacessível. Sua única ferrovia, precária e deficiente. Resta-lhe, exclusivo, o transporte rodoviário, antieconômico, como afirma o Ministro da Fazenda. Mas o único de que dispõe para seu intercâmbio comercial. Com a gasolina mais cara cem por centro e o aumento dos fretes, como poderá competir no mercado? Impossibilitada de disputar na concorrência industrial e comercial, restar-lhe-á, simplesmente, continuar mandando, em paus-de-arara, aquilo que Sergipe tem sempre semeado por todo o País: cabeças e braços para engrandecer o Brasil.

E como engrandeceu!

Que diga o Jornal do Brasil, onde mestre Annibal Freire exerce a cátedra que ilustrou e dignificou em Recife e valorizou no Supremo Tribunal.

Aracaju faz cem anos.

Parabéns, Aracaju!

*Maria Rita Soares de Andrade nasceu em Aracaju, em 3 de abril de 1904, e formou-se pela Faculdade de Direito da Bahia (bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais) em 1926. Militante feminista, dirigiu entre 1931 e 1934 a revista Renovação. Em 1938 mudou-se para o Rio de Janeiro para atuar como consultora jurídica da Federação Brasileira para Progresso Feminino. Destacou-se como professora de Literatura e Direito Processual Civil e abriu escritório de advocacia com duas mulheres, no qual defendem causas políticas de perseguidos pelo regime do Estado Novo. Tornou-se, em 1967, a primeira juíza federal do Brasil. Também foi a primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Maria Rita faleceu no Rio de Janeiro em 5 de abril de 1998, aos 94 anos, deixando um legado de conquistas no mundo jurídico, principalmente na consolidação feminina no Poder Judiciário. O texto em questão encontra-se incluído no livro de Gilfrancisco “Advogados: Bacharéis em Ciências Jurídicas e Sociais de Sergipe”.

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2 Comments

  1. MANOEL MARTINS VIEIRA NETO disse:

    Parabéns pela homenagem a essa cidade que é mais que maravilhosa, é a terra dos sonhos!

  2. José Mário Peixoto Costa Pinto disse:

    Bahia? 15 de março de 2025

    Senhores do meu Seregi,
    Boa noite

    Breve será lançado em Estância, Sergipe, onde morei com minha esposa já 60 anos, como também com ela – Artista Plástica Noelice Nascimento Costa Pinto, da UFBA- em Indiaroba educando jovens, anos em Aracaju e todo o querido Nordeste, por amor á PESQUISAS, o livro TRELIÇAS PEQUENAS E GRANDES EPOPÉIAS, sobre o Nordeste, Sergipe e nossa Estância querida.
    Tem 750 páginas de História . Também, em homenagem a Sergipe, o belíssimo ALBUM DOS 60 ANOS DELA DE XILOGRAVURA. Hoje temos 87 anos e muito trabalho pela vida.
    Abraços
    Jmp.costapinto@hotmail.com
    José Mário Peixoto Costa Pinto- Magistrado aposentado do Tjba- Pesquisador Social- Escritor.
    Waltsapp apenas 71 991882486.
    Saúde e Paz.
    Abraços
    Noelice e JMPCP

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