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20 de abril de 2025
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Dos assédios de todos os dias: eu já sofri e você?

Por Patricia Rosalba Salvador Moura Costa*

Que o patriarcado normaliza os assédios contra as mulheres, todas/os sabem.

Romper a lógica que opera a forma como as mulheres aprendem a lidar com os assédios parece necessitar de novos aprendizados, miradas gentis e urgentes ações.

Já avançamos em alguns pontos, graças às intelectuais e feministas que atuam nos movimentos sociais, na política, em instituições públicas e privadas. Refiro-me aqui,  às mulheres que lutam de fato, que se rasgam e sangram diariamente na defesa de uma sociedade justa e sabem, particularmente, como opera o patriarcado, porque além de estudarem a teoria, sentem no corpo e na alma as dores perpetradas pelas  diversas formas de violências que precisam enfrentar no dia a dia. Repito: mulheres que lutam de fato. Essas mulheres jamais se conciliam ao patriarcado para alcançar e permanecer em espaços de poder. Ao contrário, enfrentam com firmeza o machismo em seus agrupamentos políticos, usando pedagogicamente o debate de ideias para evidenciar que uma sociedade igualitária só será possível com o escancaramento e a derrubada dessa ordem  perversa. A briga, a disputa, o debate e a luta capitaneadas por elas têm bases e lemas fundamentais: é por todas. É contra o sistema que oprime. É necessário evidenciar que o machismo está em todos os lugares, inclusive, nos agrupamentos da esquerda.

Um ponto crucial para enfrentar o patriarcado é, especialmente, entender como o mesmo se entranha no cotidiano. Chamo atenção, nesta pequena reflexão, para o assédio, um componente muito utilizado para dominar, para execrar, para humilhar e subjugar as mulheres. O assédio pode acontecer de formas distintas e recheado de artimanhas sutis. Por exemplo, quando o assediador age de forma manipuladora a ponto de atuar para confundir o assédio com cuidado e gentileza, mas suas ações estão repletas de segundas intenções, com estabelecimento de cercos, insistências e pretensões para alcançar o que deseja, seja o corpo da vítima ou algum outro objetivo. Gestos, mensagens escritas, cantadas, insinuações fazem parte do escrutínio que define o assédio e, infelizmente, é uma cultura presente no cotidiano das mulheres. O assediador age de forma violenta e legitimada por uma sociedade que marca as mulheres como disponíveis, sedutoras e culpadas, e os homens são postos no lugar de racionais, controlados e sensatos. Caso o assediador não almeje o que deseja, ele atuará para destruir a vítima.

O assédio está definido no Código Penal, mas isso parece não ser suficiente. Algo muito importante precisa ser calcificado nas estruturas da sociedade: o assédio nunca é culpa da vítima. O assediador, sim! É um criminoso. Eu já sofri com assédio, e você?

Vamos refletir sobre os ataques? Eles vêm de todos os lados.

Assiste-se, no momento, ao uso de importantes pautas feministas por algumas mulheres e partidos do centro e da direita que, politicamente e individualmente, nunca tiveram nenhuma relação com a busca pela igualdade de gênero. Aliás, em seus discursos, elas não se referem às questões feministas, mas sim às femininas. Esbravejam: “Por mais mulheres na política”; “Contra a violência política de gênero”; “Empoderamento das Mulheres”; “Não à violência doméstica”. Usam o lilás como cor de seus slogans e redes sociais, mas esquecem que, nesse jogo político, estão pintadas com uma maquiagem que se borra com facilidade.

Essas mulheres podem passar por situações de assédio? Sim, mas suas estratégias de sobrevivência ao assédio, embora se utilizem de temas feministas, quando conveniente, estão alinhadas às pautas conservadoras que as colocam em espaços com padrões bem definidos e politicamente limitados ao seu gênero. Tudo pensado e articulado com a permissão dos homens que presidem e definem os caminhos dos partidos ou agrupamentos políticos dos quais fazem parte. Elas são ingênuas? Não, elas compactuam com o jogo. No teatro do poder,  contribuem para  que a estrutura social continue sem mudanças, porque pactuam com o que há de pior para chegar e permanecer em espaços de poder, negociando, inclusive, o que devem e o que podem falar; diligenciam, celebram e barganham com os assediadores. Elas também são violentadas, mas, sobretudo, são violentas e cooperam para a manutenção de uma sociedade machista. Agindo dessa maneira, elas banalizam uma pauta histórica de luta por igualdade. Seria muito importante que essas pessoas repensassem suas práticas, mas a essa altura da vida, não há ilusões.

O problema colocado é complexo e transversal, e requer das mulheres a compreensão de que não é possível nenhum passo para trás, mas, para isso, é necessário que estejam dispostas a se despir dos medos, privilégios e entraves impostos pelo patriarcado. No jogo que determina poderes, não há inocentes, nem de um lado nem de outro, mas há vidas de mulheres que são marcadas pelos assédios e também que se perdem, consequência dessa violência, muitas vezes, compactuada. A luta carece de boas e novas estratégias, e o acolhimento e afetos devem ser percebidos também como  pontos centrais para o enfrentamento.

Sejamos firmes e, cada vez mais, inspiradas por mulheres, como Agontimé, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Berta Lutz, Beatriz Nascimento, dona Leda do bairro América, Danda do bairro Santa Maria, dona Maria da agroecologia de Nossa Senhora da Glória. Que todas estejam representadas – mulheres indígenas, ciganas, negras, mulheres trans e travestis, LGBTIAQPN+, idosas, jovens, professoras, mulheres com deficiência, profissionais do sexo, rurais, urbanas, entre outras, mulheres que conferem as suas vozes à luta constante pela sobrevivência dos nossos corpos cotidianamente ameaçados. É do lado delas que devemos estar, contra os assédios, denunciando os assediadores e as violências que nos acometem.

*Doutora em Ciências Humanas e professora da Universidade Federal de Sergipe.

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