Por Marcos Cardoso *
Dois Chicos, os ex-deputados Chico Passos e Chico de Miguel, fariam 90 anos em 2016, se ainda fossem vivos. Passos era do dia 19 de janeiro e Miguel, de 14 de março. Outra coincidência entre os dois é que foram os últimos coronéis da política em Sergipe.
Buscando-se, encontram-se outras coincidências nas vidas dos dois Franciscos. Pessoalmente ou por intermédio de familiares, ambos dominaram a cena política dos seus municípios, Ribeirópolis e Itabaiana, um por mais de 50 e outro por mais de 40 anos.
Vizinhos do agreste central de Sergipe, os municípios legaram fatos importantes, e também dramáticos, à história política estadual. Os dois velhos políticos praticamente debutaram após os assassinatos dos seus artífices, que os iniciaram na vida pública.
CHICO PASSOS
Aquele que iniciou o comerciante Francisco Modesto dos Passos na política, o irmão mais velho e udenista Josué Modesto dos Passos, era prefeito de Ribeirópolis quando foi assassinado em 20 de junho de 1955. Foi por causa do espancamento pela polícia de um membro da família rival, a dos “Ceará”, que era do PSD, à qual pertencia o ex-deputado Baltasar Santos.
Transcorria o governo de Leandro Maciel, o clima era tenso e até na posse desse membro da família acusada do crime, que ocupava uma vaga de suplente, houve tiroteio em Aracaju. Mas por causa do assassinato, os “Ceará” se dispersaram, alguns fugindo para outros estados, e Chico pôde então apoderar-se e conseguir multiplicar a herança política do irmão.
Chico Passos ingressara na vida pública um ano antes, quando se elegeu para o primeiro dos seus cinco mandatos de deputado estadual. De 1954 a 1990, ele ocupou por 20 anos uma cadeira na Assembleia Legislativa de Sergipe, a qual presidiu por duas vezes, nos biênios 1985/86 e 1988/89.
Nos intervalos entre um mandato estadual e outro, foi prefeito de Ribeirópolis em duas ocasiões, no final dos anos 50 e começo dos anos 70. Posteriormente, dois filhos, Paulo e Antônio, e uma nora, Regina, também dirigiram Ribeirópolis. Mas o seu principal herdeiro político foi mesmo Antônio Passos, ex-deputado estadual e também presidente da Assembleia por duas vezes, pai do jovem e atuante deputado Georgeo Passos.
CHICO DE MIGUEL
O também comerciante Francisco Teles de Mendonça era uma espécie de cabo eleitoral do udenista Euclides Paes Mendonça quando este foi assassinado, juntamente com o filho deputado estadual Antônio de Oliveira Mendonça, no governo de Seixas Dória.
A rixa era com o pessedista Manuel Francisco Teles, com quem Euclides disputava o espaço político e comercial desde 1945. Numa tarde de agosto de 1963, durante uma manifestação na porta da prefeitura, ocupada por um aliado de Euclides, a força policial trocou tiros com a guarda municipal armada, resultando na morte de pai e filho.
O duplo assassinato incomodou durante exatos quatro anos os udenistas de Itabaiana, agora já sob o comando de Chico de Miguel, que havia sido eleito deputado estadual em 1966, derrotando o próprio Manuel Teles. No dia 31 de agosto de 1967, o líder do PSD foi assassinado com um tiro à queima-roupa disparado por um pistoleiro paraibano conhecido como Antônio Letreiro. Manuel Teles foi enterrado numa sexta-feira de agosto, tal qual ocorrera com Euclides e seu filho.
Acusado de ter sido o mandante do crime, Chico de Miguel teve o mandato de deputado cassado pelo AI-5, no início de 1969, e logo depois foi preso pelo Exército, que o entregou à Justiça comum. Levado a júri, depois de mais de três anos de cadeia, foi absolvido, sendo recebido com grande festa em Itabaiana. Mesmo na cadeia, foi influente o suficiente para eleger o prefeito de Itabaiana. Ele mesmo contou esse episódio numa entrevista ao extinto “Jornal de Sergipe”, em outubro de 1980:
“Quando chegou na época das eleições eu apresentei oito nomes para ser candidatos a prefeito, então o governador (Lourival Baptista) e outros dirigentes não aceitaram nem um nome, porque pessoas vinculadas a mim não poderiam ser candidatas a prefeito. Então, faltando três dias para as eleições, chamei José Carlos Teixeira na penitenciária e disse: ‘Vá registrar um candidato lá do MDB’. E ele respondeu: ‘A gente sabe que não elege e coisa…’ ‘Não pergunte quem é, do MDB não pergunto quem é, quem você botar vou mandar o povo votar’. Ele foi, quando chegou aqui registrou um velho com 70 anos, quando ele chegou lá e disse pra quem tinha registrado, eu disse: ‘Virgem Nossa Senhora, esse velho não dá um bom dia a ninguém’. Era um homem de bem e foi o maior homem que eu já botei dentro da prefeitura, um adversário do MDB, mas foi o maior que eu já botei e me agradeceu. Ficou comigo, depois passou para a Arena e até o dia em que morreu, estava comigo. E hoje a família também está comigo, passou até para o PDS. Para você ver, que se eu fosse uma pessoa assim tão ruim, até a família não queria saber de mim, mas me uni com ele o tempo todo.”
Mas Chico de Miguel não era exatamente um exemplo de resignação. No final da campanha eleitoral de 1976, soube que um motorista de táxi, de vulgo “Pernambuco”, ligado ao grupo da Arena II (ele era então da Arena I), o havia xingado. Chico de Miguel se armou, procurou o taxista e o matou a tiros na praça da matriz, em plena luz do dia. Após eleger o filho Antônio prefeito, entregou-se à Justiça. Depois de mais algum tempo preso, foi novamente julgado e pela segunda vez absolvido.
Vencendo uma eleição ou outra, para deputado ou prefeito, pessoalmente ou com os filhos José, Antônio ou Maria, além de um filho adotivo conhecido como João da Véia, Chico foi quase uma unanimidade durante muitos anos. Nos últimos anos de vida, segundo a filha Maria, deputada estadual, ex-prefeita de Itabaiana e sua herdeira política, já não se envolvia com os assuntos eleitorais, mas gostava de saber o que estava acontecendo e era sempre consultado sobre alguma decisão importante para a família.
RELAÇÃO DE RESPEITO
Chico Passos e Chico de Miguel foram correligionários na UDN e em outros partidos. Foram também colegas de parlamento em alguns mandatos, além de ambos terem convivido com os filhos um do outro, principalmente na Assembleia Legislativa. Mas nunca foram verdadeiramente amigos. No entanto, a relação sempre foi respeitosa. Como convém aos políticos à moda antiga, simples e fiéis aos compromissos e à palavra dada.
Chico e Miguel despediu-se desse mundo no dia 23 de dezembro de 2007 e Chico Passos, no dia 31 de julho de 2013.
* Marcos Cardoso é jornalista, autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos”.