* Marcelo Rocha
Parafraseando o Cel Célio Egídio da PMESP, em um comentário no Facebook acerca dos fatos em andamento no Espírito Santo, precisamos lembrar que “vivemos em Estado Neoliberal Capitalista. [onde] Tudo necessita de valores mobiliários.” Mais do que nunca, e aí estão postos inúmeros exemplos, desde a socialaite que afirma publicamente que “Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?” ao sucesso (em comunidades pobres) de ritmos musicais de “ostentação”, que se baseiam exatamente em ostentar “riqueza”, as palavras do Doutor Célio Egídio refletem a mais pura realidade. Pura e dura.
Nesse caldo, com um desemprego real beirando 20 milhões de pessoas (o índice oficial não considera os chamados desalentados, que desistiram de procurar emprego), com uma classe política que hoje no poder sucede escândalos piores que todos os que se viram nos últimos 30 ou 40 anos e com a manutenção de vantagens nababescas à uma minoria de ocupantes de cargos públicos, como a recente aprovação de aposentaria especialíssima em benefício de parlamentares que poderão aposentar-se com até 1 ou 2 anos de mandato. isso tudo após um processo de impeachment vendido como um tipo de salvação nacional, repetido como um mantra sagrado e comparado a uma missão divina (em determinadas situações). Como não esperar que as coisas desandem?
Conectemos.
Vendeu-se que o impeachment resolveria todos os problemas da nação, que a corrupção seria enfim defenestrada do país, de mala e cuia e sem retorno. Mas temos um governo que a cada semana enrola-se ainda mais em escândalos.
Vendeu-se que a crise era culpa da presidente Dilma, que era desonesta, corrupta, irresponsável e incompetente, logo bastava ela sair que tudo iria se normalizar, pois acabariam os escândalos e a economia seria resgata no dia seguinte. E o que temos? O aprofundamento da crise.
Tudo se esvaindo.
O setor de infraestrutura do país, apesar de não ser perfeito, era o motor de uma economia que desde Collor não consegue recuperar sua produção industrial.
Nossas reservas minerais, dentre elas o petróleo, apesar da a baixa cotação no mercado global (são a base do comercio internacional), estão sendo vendidos a investidores estrangeiros “a preço de banana”, algo totalmente imprudente, pois é regra básica do mercado nunca vender em baixa (de preços).
O produto que está sendo entregue – após o impeachment – é totalmente diferente do que foi vendido. As crises política e econômica somente pioram.
Os “compradores” não parecem estar satisfeitos com o produto entregue: denúncias e denúncias de corrupção de agentes públicos, denúncias de figurões do governo envolvido com o PCC, salário mínimo corrigido abaixo da inflação, correção da aposentadoria desatrelada do salário mínimo, aposentadoria com 45 anos de contribuição, congelamento de salários por décadas no setor público, ainda que muitos – por vaidade ou orgulho – aleguem que as coisas estão melhorando.
Dito isto, debrucemo-nos nesse último ponto: congelamento de salário por décadas.
A chamada PEC do fim do mundo, em tramitação, propõe por os encargos da recuperação econômica nas costas do povo com, dentre outras coisas, congelamento de salários dos servidores públicos por 20 anos.
Bingo! voltemo-nos ao Espírito Santo e os eventos envolvendo a PM.
Na imprensa, o governo do ES posiciona-se de forma dúbia: diz que o último aumento concedido à PM foi em 2010 e que de lá pra cá, houve um aumento de 46% na folha de pagamento da corporação.
Como não explica como se deu esse aumento da folha, que pode ter sido por diversos motivos, inclusive os não relacionados a aumento de salários, ao mesmo tempo que diz que o salário do praça em fim de carreira pode chegar a mais de R$ 7.000,00 (o que não é explicado, mais uma vez) apenas confunde, sugerindo que o soldado da PMES ganha mais de 7 mil reais, algo apartado da realidade, certamente.
Outros dois fatos escondidos, referem-se exatamente ao funcionalismo público do Espírito Santo.
O primeiro foi a aprovação de um ajuste fiscalem 2015, um ajuste fiscal que congelou os salários dos servidores públicos do Espírito Santo até 2018. Tal ajuste esse que foi comemorado ano passado (às vésperas da crise ora em andamento) apesar de que o contingenciamento de verbas, segundo algumas fontes, precarizou as condições de trabalho e segurança dos PM´s. Problemas com manutenção, aquisição de armamentos e equipamentos de segurança, além de problemas com combustível.
Quem pode alegar que não há relação entre ambos?
O segundo (decorrente em parte do primeiro), é a falta de reposição salarial a 4 anos, como alegam os próprios PM´s, somados à ameaça da PEC 55, que propõe o congelamento dos salários dos servidores por mais 20 anos. Das próprias alegações oficiais do governo, é possível concluir que são 4 anos sem reposição inflacionária e 7 sem aumento real.
O estado mínimo, defendido com unhas e dentes durante o impeachment, chegou em definitivo para o funcionalismo capixaba e para a PM.
Diante de disto tudo é fácil entender o que está ocorrendo e o que ainda pode ocorrer, vide reverberações disso no Rio de Janeiro e no STF, que resolveu julgar um caso envolvendo a PM de Goiás e já deixou indicativo que o julgamento do caso terá repercussão geral – quando todos os julgados similares deverão seguir o que foi posto naquela decisão, algo não tão comum quanto parece, afinal, cada estado tem sua peculiaridade. Mas considerando que esse processo estava na fila de espera há anos e sem previsão de julgamento, não há como deixar de relacioná-lo aos fatos do Espírito Santo.
Por fim, somente nos primeiros 7 dias do evento capixaba, foram em torno de 150 mortes. Sem querer em nenhum momento sopesar vidas, muito pelo contrário, nem defender a PMES, por mais que possa ser suspeito, parece que a estratégia do governo é de deixar tensionar até o limite, ou mesmo o extrapolando, para que com um saldo desses, de 150 mortes, a população se volte contra a manifestação e contra os PM´s.
Se for isso o que está ocorrendo, há um erro crasso por parte do governo, uma vez que na qualidade de gestor maior do Estado, ele precisa fazer o que for melhor para a população do Estado. É bem verdade que não deve ceder facilmente a qualquer reclamo, pois se tornaria refém dos servidores públicos e seus humores, mas negociação exige que todos cedam.
Mas em um cenário delicado como esse, já na segunda feira, com mais de2 ou 3 dezenas de mortes, ele deveria ter imediatamente – e já estaria atrasado – abrir um canal de negociação, como tentativa de resolver o problema, mas não fez, somente o fazendo no final da semana, quando o número de mortos já beirava uma centena, além dos saques, furtos, assaltos e outros.
O preço de deixar tensionar está sendo pago com vidas humanas.
Como saldo, temos a radicalização do feito por ambas as partes. Não consigo crer que isso atenda o interesse público.
Há quem diga que os fatos capixabas estão servindo de balão de ensaio na lide dos protestos que estão por vir, referentes às Pec´s da morte e do fim do mundo.
Parece que a sorte está lançada.
PS: texto escrito em 12/02/17.
* Marcelo Rocha é capitão da Polícia Militar de Sergipe.