* Marcos Cardoso
O ativista de direitos humanos argentino Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz em 1980 por combater a ditadura, iniciou um abaixo-assinado para ser entregue ao Comitê Nobel Norueguês em setembro indicando ao prêmio o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A campanha foi lançada no dia 5 deste mês e já conseguiu mais de 200 mil assinaturas, das 150 mil previstas.
O Prêmio Nobel da Paz não é entregue por uma organização sueca, como os demais, mas pelo Comitê Nobel Norueguês, que já recebeu uma carta de Pérez Esquivel justificando a indicação.
“Por meio desta carta, gostaria de apresentar a esta Comissão a candidatura ao Prêmio Nobel da Paz de Luiz Inácio ‘Lula’ da Silva, ex-Presidente da República Federativa do Brasil entre 2003 e 2010, que através de seu compromisso social, sindical e político, desenvolveu políticas públicas para superar a fome e a pobreza em seu país, uma das desigualdades mais estruturais do mundo”, afirma ele.
“Como é sabido, a paz não é apenas a ausência de guerra, ou a morte de uma ou de muitas pessoas, a paz é também dar esperança ao futuro do povo, especialmente aos setores mais vulneráveis, vítimas da ‘cultura de descarte’, da qual fala o Papa Francisco. Promover a paz é incluir e proteger aqueles que este sistema econômico condena à morte e à violência múltipla”, prossegue o Nobel da Paz.
Depois de tomar conhecimento da decisão judicial de enviar Lula à prisão, o argentino apontou no Twitter que o ex-presidente “está sendo perseguido pelo que fez de acertado para o Brasil, estão criminalizando o PT e suas políticas de Estado”.
Ele republicou notícia veiculada por sites e blogs brasileiros informando que o egípcio Mohamed El-Baradei, que em 2005 recebeu o Prêmio Nobel da Paz em nome da Agência Internacional de Energia Atômica, havia aderido à campanha. A grande imprensa brasileira não noticiou.
Lula recebeu em 2010 o prêmio Indira Gandhi para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento, por decisão de um jurado internacional presidida pelo então primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh. As informações são da Agência Ansa.
Naquele mesmo ano recebeu o prêmio de Estadista Global, no Fórum Econômico Mundial. Antes, havia recebido o Prêmio Pela Paz 2008, da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
O Brasil nunca recebeu nenhum prêmio Nobel.
O último latino-americano distinguido com o Prêmio Nobel da Paz foi o presidente colombiano Juan Manuel Santos em 2016. Ele foi reconhecido pelos seus esforços para pôr fim ao conflito que durou mais de 50 anos envolvendo grupos paramilitares, traficantes e guerrilheiros de esquerda, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN), e que resultou em mais de 200 mil mortos.
O outro colombiano agraciado foi o inconteste Gabriel García Márquez, que em 1982 ganhou o Nobel de Literatura. Naquele ano ele já era o autor de obras-primas do realismo mágico da América Latina e da literatura universal, como “Relato de um náufrago”, “Ninguém escreve ao coronel”, “Cem anos de solidão”, “O outono do patriarca” e “Crônica de uma morte anunciada”, dentre outras.
O Chile possui dois grandes da literatura também agraciados pela Academia de Letras da Suécia: os poetas Gabriela Mistral, em 1945, e Pablo Neruda, em 1971. A Argentina levou o prêmio nada menos que cinco vezes, inclusive duas vezes o Nobel da Paz, uma delas com Adolfo Pérez Esquivel, em 1980. O imenso Jorge Luís Borges, ao contrário do que muitos supõem, não foi reconhecido pela academia sueca.
O México foi agraciado três vezes, inclusive com o Nobel da Paz (Alfonso García Robles, 1982) e o de Literatura (Octavio Paz, 1990). A pequena Guatemala ganhou duas vezes (Rigoberta Menchú, Paz, 1992, e Miguel Ángel Asturias, Literatura, 1967). Também ganharam o Peru (Mario Vargas Llosa, Literatura, 2010), Trindade e Tobago (V. S. Naipaul, Literatura, 2001) e a Venezuela (um prêmio de Medicina, 1980).
Não cabe aqui relacionar as mais de 350 vezes que os norte-americanos ganharam ou as 120 vezes que os agraciados foram britânicos. E nem discutir o caráter político da premiação, até porque há quem conteste também algumas premiações que teriam sido claramente antiamericanas.
O que chama a atenção para nós brasileiros é que ninguém nascido neste triste país tropical jamais venceu o tão cobiçado troféu, que hoje garante uma bolsa nada desprezível de 1,2 milhão de dólares.
O brasileiro que mais chegou perto foi Jorge Amado. Dizem que entre os anos 1970 e 1980, no auge da sua fama internacional, seu nome foi cogitado algumas vezes pela Academia Sueca e que, em 1988, Jorge Amado teria perdido o prêmio de Literatura, por apenas dois votos, para Nagib Mahfouz, o primeiro escritor de língua árabe a receber o Nobel.
Os físicos Cesar Lattes e Mario Schenberg, os poetas Carlos Drummond de Andrade e Jorge de Lima, o economista Celso Furtado, o médico Carlos Chagas e o cardeal Paulo Evaristo Arns, em momentos e por motivos diferentes, chegaram mais ou menos próximos do prêmio. Mas no máximo batemos na trave.
Com tantos talentos, por que será que continuamos “invictos” num prêmio que desde 1901 já prestigiou uns 800 profissionais de mais de 70 países? No caso da literatura, há quem diga que falta aos escritores brasileiros “pluralidade de perspectivas sociais”, já que quase sempre estão focados no próprio mundinho.
E os nossos cientistas, por que não conseguem pôr a mão no título que um dia Albert Einstein conquistou? Seriam menos talentosos, por exemplo, do que os da África do Sul? Aquele país de língua inglesa já ganhou o Nobel 10 vezes, sendo três vezes na medicina, uma vez na química, além de duas vezes na literatura e em três oportunidades ganhou o Nobel da Paz — uma delas, em 1993, dividida entre Nelson Mandela e Frederick de Klerk.
Seria a língua? E o que dizer dos chineses, cipriotas, albaneses, croatas, árabes e gregos? Seria a nossa desastrada educação? Falta de criatividade e sorte? Ou o nosso complexo de vira-latas? Há quem diga que os suecos olimpicamente nos discriminam. Mas essa não é uma explicação. Para nosso consolo, dizem que o mais injustiçado de todos até hoje foi Mahatma Gandhi, que poderia ter ganho o Nobel da Paz e não ganhou.
Desde 2010 cogita-se da possibilidade do presidente Lula receber o Nobel da Paz. O norueguês Stein Tonnesson, diretor do Instituto Internacional para a Investigação da Paz, chegou a confirmar a informação de que seria muito provável a vitória de um político sul-americano que luta contra as desigualdades sociais. Será que o agora condenado Lula vai ganhar?
* Marcos Cardoso é jornalista, autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos”.