Depois de perder no debate para uma pirralha, o nosso sabido falante presidente da República levou outra invertida.
Demitido por Bolsonaro da presidência do Inpe em agosto por tornar público dados incontestáveis do aumento do desmatamento na Amazônia, o físico Ricardo Galvão acaba de ser premiado como um dos dez cientistas de destaque em 2019 da prestigiada revista Nature, referência mundial no campo da ciência.
Foi premiado pela defesa da ciência na luta renhida contra um teimoso obscurantismo. Bolsonaro chegou a declarar que Ricardo Galvão “estaria a serviço de Ongs”.
O cientista informou ao O Globo na sexta-feira que foi um momento difícil decidir sobre o que fazer quando foi demitido de forma tão injusta e decidiu demarcar uma posição firme.
“Não era apenas a questão do desmatamento, mas um ataque à ciência brasileira. A parte boa é que a reação não só da sociedade brasileira, mas de toda a comunidade internacional, foi enorme. A preservação da Amazônia atraiu interesse do mundo todo e colocou o governo brasileiro em uma posição extremamente constrangedora”, disse.
O mundo inteligente reagiu.
“Ricardo Galvão é extremamente respeitado, um desbravador do Inpe na questão da defesa da Amazônia”, reforça o professor Lucindo Quintans, pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFS, logo após saber da premiação.
“Ele defende que o Brasil não pode se dobrar a essa milícia que é contra o conhecimento”, afirmou o professor do Departamento de Fisiologia da UFS, doutor em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos, lembrando que o ex-presidente do Inpe conta com total apoio das universidades e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
“A comunidade internacional está horrorizada com o que estão fazendo conosco. É muito grave que o governo queira suprimir informações que são públicas desde 2003. A intenção do governo é manipular os dados, os fatos não interessam”, já havia dito à BBC Antônio Nobre, especialista em rios voadores da Amazônia, pesquisador sênior do Inpe.
Na quarta-feira, 11, outro gesto político de relevância: a ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, foi eleita a “Pessoa do Ano” pela revista Time. Ela ganhou fama e inspirou movimentos estudantis na luta contra o aquecimento global e em defesa da natureza.
Um dia antes, Bolsonaro criticou o espaço dado pela imprensa para a ativista, a quem chamou de “pirralha”. Por alguns dias, ela se identificou no Twitter com esse apelido “carinhoso”.
Greta irritou o presidente ao compartilhar um vídeo sobre as mortes dos indígenas brasileiros e escreveu que esses povos são assassinados ao tentar proteger a floresta do desmatamento ilegal.
Fatos que o presidente do Brasil não quer enxergar. Mas seus delírios nacionalistas já o levaram a comprar briga até com uma estrela de Hollywood, o ator Leonardo Di Caprio, acusado de “dar dinheiro para tacar fogo na Amazônia”.
O ator também respondeu à calúnia com elegância: “Neste momento de crise para a Amazônia, apoio o povo do Brasil que trabalha para salvar seu patrimônio natural e cultural. Eles são um exemplo incrível, comovente e humilde do compromisso e paixão necessários para salvar o meio ambiente”.
E negou que contribua com dinheiro para as Ongs: “O futuro desses ecossistemas insubstituíveis está em jogo e tenho orgulho de apoiar os grupos que os protegem. Embora dignas de apoio, não financiamos as organizações citadas”.
Para fechar a semana de notícias adversas vindas do mundo civilizado, o Brasil recebeu na sexta-feira o prêmio simbólico “Fóssil Colossal”.
O reconhecimento não oficial que destaca um país por ações prejudiciais ao meio ambiente é dado pela Rede Internacional de Ação Climática ao “pior entre os piores” da COP 25, cúpula do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que seria realizada no Brasil, mas foi rejeitada pelo governo e acabou em Madri.
Bolsonaro sabe que seu discurso desprovido de verdades tem utilidade, serve para manter acesa a chama dos seus eleitores mais fiéis. A militância acredita que o mal está nos povos das florestas, nos quilombos, nas favelas, no mundo artístico e nas universidades.
O mundo já assistiu antes à pregação de verdades absolutas sob diversos matizes ideológicos. E esse discurso maniqueísta não se sustenta.