* Por Luiz Eduardo Costa
Euclides, do qual estamos aqui a tratar, não é o grego que viveu por volta do ano 300 antes de Cristo. Mas, sobre o grego tracemos algumas econômicas linhas.
Ele nasceu em Atenas, onde se supõe que tenha estudado com um dos alunos de Platão, e foi viver no Egito, na cidade que Alexandre o Grande mandara construir, depois de expulsar os persas das vizinhanças do Nilo. Em Alexandria Euclides juntou-se ao grupo de sábios que se reuniam na Biblioteca, parte do Museu, o templo às musas e ao saber, construído pelo general Ptolomeu, nomeado por Alexandre para governar o Egito, e que se intitulou Soter, (Salvador).
Euclides escreveu o livro Elementos, ou, segundo historiadores, coligiu em um só manuscrito 13 textos esparsos, escritos por outros matemáticos.
Elementos, contem a base a partir da qual evoluíram os conhecimentos matemáticos, na geometria plana e espacial, e teoria dos números. E é, também, um princípio conceitual que, através da formulação dos axiomas, permitiu o avanço das ciências exatas.
Euclides começa definindo: “Ponto é aquilo de que nada é parte. E linha é comprimento sem largura”.
E por aí vai, até chegar aos poliedros regulares, que o astrônomo e matemático Kepler usaria, mais de mil e quinhentos anos depois para mapear a órbita dos planetas.
Vamos porém ao outro Euclides, que aqui nos interessa mais. Trata-se do homem a quem os itabaianenses chamavam de “Seu Ocrides” escandindo a pronúncia com a entonação própria de quem simpatiza, ou odeia.
Euclides Paes Mendonça foi um líder político autoritário, de punho forte, e um empresário que avançava com intuição e vivacidade, indo além do acanhamento da nossa economia, contaminada pelo mesmo ritmo decadente dos engenhos que iam apagando seus fogos.
Euclides, com ousadia, foi ocupando os vazios deixados pela aristocracia canavieira com morte econômica anunciada, e batendo em retirada dos seus espaços de riqueza e poder, que a genealogia lhes garantira.
Euclides veio do quase nada, e sabia o que é carregar sacos nas costas, da mesma forma os seus irmãos, Pedro e Mamede, que foram além dele, e criaram impérios econômicos.
Euclides foi Prefeito de Itabaiana, deputado estadual, e morreu sendo deputado federal, assassinado por policiais junto ao filho Antônio. Ele fazia política assistencialista, assim, assegurava o apoio das massas empobrecidas, e exercia um comando rígido sobre os aliados.
Tinha tempo para os seus negócios, e a política lhe ocupava sempre. Um dia, chegando ao seu armazém de secos e molhados, lá encontrou um pequeno comerciante que fazia compras para revender em Carira. Euclides aproximou-se dele, abriu largo sorriso, o convidou a tomar um cafezinho, e ficaram a conversar. Quando o homem, que era um cliente novo saiu, o gerente do armazém chamou Euclides ao lado, e lhe disse quase segredando: “Seu Ocrides, aquele camarada é rabo branco, (pessedista) não é seu amigo, e não vai votar em doutor Leandro, e o senhor gosta tanto assim dele?”
Alteando a voz, respondeu Euclides: “Eu sei disso, mas ele é um freguês bom, escolheu, pagou, e me deu preferência. Se eu não agradar, ele vai ali perto e compra fiado no armazém de Manoel Teles, que é do partido dele, e chefe dos “rabos brancos” aqui de Itabaiana, e meu inimigo. Eu posso ser bruto, mas burro não sou”.
Dos dois Euclides passemos ao que vem sendo posto em prática na política externa pelo presidente Bolsonaro, acolitado da pior forma possível pelo Ministro das Relações Exteriores, que é apenas um aborto, surgido na sensata e pragmática Casa de Rio Branco, o Itamaraty. Diante do pragmatismo de resultados que caracterizava a diplomacia brasileira, com toda uma tradição de cultura, reverencia à inteligência, e trânsito equilibrado entre os confrontos e o pluralismo, o que aconteceu em Israel e nos Estados Unidos não pode ser considerado, nem de longe, como política externa de um país soberano.
Acabou a diplomacia, entraram em cena o extremismo, os delírios radicais de uma turma desajuizada, toda ela cabendo na classificação que fez o general Santos Cruz do guru de todos eles, Olavo de Carvalho: “um personagem histérico”.
Basta colocar no plural.
E agora reencontramos os dois Euclides, para, embora pareça estranho, sentir a ausência deles nas “ações diplomáticas” do presidente Bolsonaro. Quando é ignorada pelo presidente a dimensão exata de mercados, de valores monetários que estão em jogo, o Euclides grego é lembrado como o sábio que buscava a exatidão matemática com o objetivo de melhor entender o mundo, e dar ao homem mecanismos para deslanchar o progresso.
Por outro lado, a intuição e a esperteza na vida prática reveladas pelo outro Euclides, que tinha sempre sucesso nos seus negócios, nos leva à decepcionante constatação da ausência desses elementos essenciais na agora radicalizada e personalista diplomacia brasileira.
Fazendo declarações de amor a Israel, chamando Netaniahu de “meu irmão”, batendo continência para a bandeira americana, e entrando no jogo perigoso de Donald Trump, Bolsonaro parece desconhecer o tamanho do mercado israelense, a incipiência do comércio que temos com aquele país, por outro lado, revela não ter uma ideia exata das nossas relações comerciais com o mundo, onde, para nós, os Estados Unidos em termos de comércio internacional não representam nem um terço do volume de negócios que temos com a China.
Somando-se os muçulmanos, que o filho senador do presidente desejou vê-los “se explodindo”, à população da China, forma-se um colossal mercado de mais de três bilhões de consumidores, quase metade da população do planeta, e cada vez nos comprando mais carne, mais soja, mais minérios, armamentos, aviões, sapatos, bois vivos, e, com muito dinheiro em caixa para aqui investir.
O presidente Bolsonaro deve ter ouvido falar em Euclides, o sábio de antes de Cristo, afinal, ele estudou a geometria ¨euclidiana¨ no colégio militar, já do Euclides de Itabaiana, político e comerciante, ele não tem a menor ideia.
Mas, se um desses dias ele encontrasse tempo para vir à Itabaiana, a terra de tantos “Ocrides”, excelentes e prósperos comerciantes, ele, de algum deles ouviria o conselho: “Seja fino e educado com os americanos, e com os israelenses, e nem precisa dizer que é “irmão” deles, mas, vá correndo, vá fazer logo um “agradinho” aos árabes, aos chineses, a gente aqui quer vender até castanha de caju pra eles”
* É jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências. (Texto publicado originalmente no Blog que leva o nome do autor)