* Por Luiz Alberto Santos
Embora o galo combatente seja objeto das mais calorosas e acirradas divergências entre ambientalistas e aficionados, como também entre os vários pesquisadores de diversas áreas, seja na História, Antropologia, Sociologia, Direito ou Filosofia; uma coisa podemos dizer: todos são unânimes ao reconhecer esta ave como símbolo de uma cultura milenar. No Brasil não deve ser diferente.
Na condição de Presidente interino da Associação dos Criadores e Preservadores de Aves da Raça Mura do estado de Sergipe (ACMSE) que tem neste animal uma das diversas formas de expressões culturas que legitimam a pluralidade que constitui o nosso tecido social e que na atual conjuntura vem sofrendo uma verdadeira perseguição por parte dos órgãos de fiscalização e controle preciso de alguma forma alertar e acredito que esta audiência já é um começo e uma sinalização sobre a necessidade de elevarmos nossa demanda a novos patamares saindo do campo da repressão para o da manifestação do reconhecimento cultural, assegurado em nossa CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O direito das minorias a igualdade e a não discriminação devem também ser assegurados aos galistas que neste momento sofrem com o estigma do baixo valor moral e da criminalização por parte dos que são contrários as suas expressões.
É inegável que o galismo quando em comparação com a organização dos ANIMALISTAS assume que passou muito tempo órfão de uma verdadeira representatividade, faltou a capacidade de mobilização e articulação política que pudesse dar voz a esta categoria que ainda insiste em viver. Se não houver mobilização para disseminar e construir saberes sobre a necessidade de se manter viva toda forma de expressão cultural assegurada em nosso ordenamento jurídico, não iremos compreender a dinâmica e as regras que irão definir a continuidade, desta e de muitas outras práticas esportivas que correm sérios riscos de serem extintas, em decorrência da ausência de representatividade. É preciso trabalhar em coletividade e nos fortalecer, através das associações e representações políticas, para podermos criar espaços de debates onde o GALLUS GALLUS possa ser melhor compreendido e aceito, seja através da sua relação simbólica ou através do imaginário popular, este animal precisa continuar existindo.
Logo, como podemos ver, a caminhada da ACMSE não será fácil, mas seguindo algumas virtudes que caracterizam nossa ave símbolo, iremos continuar firmes e altivos, levando informações até mesmo aqueles que se recusam dialogar. Nossa missão enquanto entidade de classe, sempre será lutar pela defesa e reconhecimento desta ave símbolo da manifestação do TRADICIONALISMO. Preciso lembrar aos amantes do galismo, e a todas as autoridades aqui presentes sobre a elevação da sensibilidade e humanização dos animais como um movimento que não surge aqui em nosso país, vários países da Europa, viveram e vivem, este acirramento no campo das garantias de livre celebração das práticas culturais que envolvam animais.
Além disso, percebemos que existe uma cronicidade e organização na execução destas agendas, as quais muitas vezes não se iniciam em nosso solo, as diretrizes são criadas por grupos que tem na sua visão de mundo, o único caminho para se chegar a verdade. Combater a todos que ousam discordar é um ato obrigatório e inquestionável. Prova desta postura se revela na ausência de tolerância dos ambientalistas em aceitar, ainda que em parte, os argumentos dos praticantes da Avicultura Esportiva. Aqui preciso lembrar, que as emoções são excelentes impulsionadoras da vida, mas são péssimas conselheiras da razão, então permitir que a sensibilidade e humanização dos animais anulem a nossa razão, não constrói pontes, muito pelo contrário, cria abismos que não colaboram para a prática do bom debate. (Tentativa de derrubar a emenda constitucional 96/2017. Intitulada PEC da Vaquejada)
Me perdoem, mas neste momento preciso lembrar da importância do nosso guerreiro empenado em vários períodos da história, seja através da Arqueologia: quando estuda e cataloga ossos destas aves encontrados em escavações na Ásia, seja através da Iconografia: quando nos apresentam vários relevos retratando combates entre estas aves, ou os próprios Hieróglifos: que mostram a presença destas aves em civilizações e sociedades antigas (código de Manu aproximadamente 4.000 a.c). Podemos também lembrar a importância do galo combatente na vida dos soldados Gregos e Romanos na antiguidade, quando o mesmo era apresentado antes das batalhas como símbolo de virilidade, força, determinação e coragem; virtudes incomensuráveis na construção dos valores que deviam forjar um verdadeiro guerreiro.
Este animal não foi menos importante também para a religião; várias são as igrejas que tem a simbologia do galo presente em seu interior, algumas tem vitrais representados pelo galo, uma missa que recebe o nome deste combatente, a qual tem para a igreja a incumbência de com o seu canto, anunciar o nascer e o despertar de um novo dia. Ainda demonstrando a importância do galo no imaginário popular brasileiro, lembremos a escolha do Galo pelo clube Atlético Mineiro, o qual apresenta o galo como mascote, por ser ele, portador dos atributos que melhor representavam os valores do clube: Raça, Valentia, Coragem e Força. Tudo isto para demonstrar ao torcedor que o seu clube jamais se permitirá ser derrotado, vencido talvez. Não podemos esquecer de lembrar a utilização da figura do GALO como representação simbólica da FRANÇA (vigilância e valentia, como consequência, passou a ocupar lugar de destaque em selos, moedas…) um dos países junto com a ESPANHA, que convivem diuturnamente com manifestações acaloradas no tocante a abolição das práticas esportivas que envolvam animais.
Após percorrido todo este caminho devo admitir que com o advento da publicação da portaria Nº 1998, de 21 de novembro de 2018, pelo Ministro de Estado do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) que concede garantias e reconhece o direito de criar e preservar estas aves, teríamos maior segurança como também a proteção desta espécie. Se estas aves têm em sua essência a necessidade do combate, retirar dos mesmos sua destinação, impedindo o livre exercício das suas habilidades, seria negar a existência da mesma, algo impossível diante do vasto acervo que trata da sua existência. Reconhecendo as qualidades inatas desta ave, o que os amantes e aficionados da Avicultura esportiva fazem na ausência de uma REGULAMENTAÇÃO é dar a estas aves a igualdade no combate, atendendo desta forma, a uma de suas fundamentais necessidades. Porém o cenário se revela deprimente quando nos deparamos com um total desrespeito no cumprimento das leis que asseguram a existência desta espécie e a total falta de entendimento e comunicação entre os que deviam reconhecer a pratica esportiva desta ave, como uma condição de bem-estar que é inerente a esta espécie animal, negar este direito eleva o quadro de estresse e consequentemente a agressividade da mesma.
A nossa Constituição da República no ART. 215 diz que “o estado garantira a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes da cultura nacional, e apoiara e incentivara a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Segue em seu parágrafo 2º “o estado protegera as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. Crente que o galo de briga é o cavalo de corrida do pobre, como discriminado por Machado de Assis, vem a ratificar que este animal faz parte do conjunto simbólico que dá sustentação a existência do tradicionalismo no Brasil. Ainda seguindo na tentativa de assegurar os direitos concedidos pela nossa carta magna no tocante a esta ave, símbolo da cultura urbana e rural brasileira, iremos avançar um pouco mais e citar o ART. 225 “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações”.
Acreditando que esta ave é reconhecida e catalogada como parte do nosso acervo ambiental, inclusive com reconhecimento pelos técnicos do CTBEA/MAPA, nos leva enquanto associação a exigir o cumprimento destas garantias quando há descumprimento das mesmas pelos órgãos competentes. O que vem acontecendo com frequência, inclusive com a participação do Ministério Público e do próprio Judiciário. A lei 9.605/98 em seu ART 2º imputa a prática de crime, a quem sabendo da existência da prática de eventuais crimes, deixa de agir na tentativa de impedi-los. Aqui exige-se uma pergunta: o cumprimento destas leis só servem para os galistas e seus animais? Vários são os depoimentos e vídeos de criadores que tiveram suas aves apreendidas e que foram executadas de forma sumária. Isto quando ficam sabendo sua destinação, na maioria das vezes, até acesso a informação é negada, mesmo sendo o criador parte no processo.
A lei 13.052/14 revoga o ART 25 da Lei dos Crimes Ambientais e assegura que: Parágrafo 1º “os animais serão prioritariamente liberados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados”. Mesmo diante de todas estas garantias, o que podemos perceber é o total descumprimento da mesma, quando em benéfico das referidas aves. Para chegar a esta certeza, basta acompanhar alguns telejornais ou fazer uma simples pesquisa nas mídias digitais. A mesma lei no parágrafo 2º assegura que: “ Até que os animais sejam entregues as instituições mencionadas no parágrafo 1º deste Art. O órgão atuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico”.
Estas aves, quando objeto de apreensão, devem ter seus direitos assegurados, porém o que presenciamos é o total desrespeito para com a lei e para com o animal. Quando estas aves são objetos do inquérito e são mortas antes do julgamento do mérito, não caracteriza um erro processual? Se no final da ação houver a absolvição não teremos os animais de volta; Como se justifica este abate sumário das aves, sendo que as mesmas na condição de verdadeiros competidores estão vendendo saúde, anulando assim a questão dos maus-tratos? O que pudemos observar nas várias apreensões é que existe um sentimento velado de que todos que praticam ou participam da Avicultura Esportiva, são pessoas de baixo valor moral, o que pode ser totalmente desconstruído e desconsiderado se levarmos em consideração que temos entre os praticantes, pessoas das mais diversas camadas sociais, a exemplo de médicos, advogados, engenheiros etc.
Diante do cenário apresentado e da forte tendência da busca por criminalização, a associação acredita que o melhor caminho seria a regulamentação desta prática esportiva, que tem na constituição assegurado o seu direto; se é dever do estado proteger as manifestações culturais e assegurar um ecossistema equilibrado, garantindo o acesso das presentes e futuras gerações, insistir com esta conduta não seria descumprimento da lei e negar as futuras gerações o acesso a este banco genético e cultural? A avicultura esportiva tem em suas práticas, valores e costumes, verdadeiras expressões culturais, a quem interessa negar este direito?
Encerro a minha argumentação, citando duas personalidades de grande vulto, as quais muito colaboram para a existência desta ave, símbolo de resistência. Santo Tomás de Aquino, quando diz que “não existe pecado quando permitimos que uma coisa viva para a finalidade para qual foi destinada” e Abraham Lincoln, quando reforça que, “se Deus os criou com esse extinto e habilidades para combater, quem sou eu, mero mortal, para os privar de tal direito”?
* Luiz Alberto Santos é presidente interino da ACMSE.