Jorge Santana*
A pandemia de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, tem provocado todo tipo de debate, a maior parte produzindo mais calor do que luz. Um deles diz respeito ao dilema entre salvar vidas por meio de medidas de distanciamento social ou salvar a economia via relaxamento daquelas medidas.
Os defensores do afrouxamento, que têm como principal porta-voz aquele que ocupa a presidência da República, cuja inépcia desfruta de reconhecimento internacional, sustentam o argumento de que um isolamento social extenso e prolongado erodiria a economia, produzindo o aumento da mortalidade dos mais vulneráveis em proporção maior do que a própria pandemia.
Entre os grupos de insatisfeitos com o isolamento social em curso, tem circulado o artigo Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality (1), publicado em 2019, na revista Lancet Global Health. Seus autores, pesquisadores da Fiocruz e da FGV, contudo, vieram a público contestar o que consideram uma interpretação absolutamente invertida sobre as conclusões do artigo, que afirmou o seguinte: “A recessão no Brasil contribuiu para o crescimento da mortalidade. Contudo, o investimento em saúde e proteção social tendem a mitigar os efeitos deletérios, especialmente sobre as populações mais vulneráveis. Esta evidência reforça a necessidade de mais fortes sistemas de saúde e de proteção social”.
Por seu turno, economistas do FED e do MIT divulgaram recentemente um estudo que convenceu muitos economistas sobre a importância do distanciamento social. O título já dá um bom indicativo sobre o conteúdo: Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu (2).
Os autores analisaram dados econômicos de diversas cidades americanas e as respostas de cada uma à pandemia. Os resultados encontrados são expressivos: “Cidades que implementaram medidas mais rápidas e agressivas não demonstraram um desempenho econômico pior durante a pandemia. Por outro lado, as evidências referentes a ativos bancários e produção industrial indicam que, após a pandemia, cidades que implementaram medidas mais agressivas apresentaram melhor performance econômica”.
Enquanto isso, cerca de 45 dias após a implantação de medidas de distanciamento social que implicaram no fechamento das empresas que não atuam em atividades essenciais, os efeitos positivos sobre o achatamento da curva epidemiológica, que tem evitado o colapso do nosso já frágil sistema de saúde, vem servindo para o aumento da pressão do setor empresarial em favor da sua flexibilização.
Considero que nós não temos o direito de ignorar o que aconteceu e continua acontecendo mundo afora e acreditar que aqui seremos uma privilegiada exceção, um lugar que, por alguma razão misteriosa, o vírus teria pouco interesse em atacar.
É preciso que os líderes empresariais entendam que o dano econômico já se instalou e ainda vai se agravar. Sua mitigação, os demais países estão mostrando, não se dará pelo relaxamento das medidas de isolamento, senão pela ação efetiva dos governos centrais em socorro às pessoas e às empresas.
Ao invés de pressionar os governos estaduais e municipais pela abertura dos estabelecimentos, na contramão da ciência e do bom senso, o certo é cobrar enfaticamente do governo federal medidas mais efetivas, para além daquelas tímidas e absolutamente insuficientes e desproporcionais até agora apresentadas.
Para se ter uma ideia, em termos comparativos e tomando por base o percentual do PIB nacional aplicado no combate à pandemia até agora, tem-se: Alemanha, 25%; Reino Unido e Espanha: 17%; EUA: 11%; Brasil: 4%.
E de onde virá o dinheiro, se supostamente o país estava quebrado e as contas públicas deterioradas? Primeiramente, o vírus está desnudando um vasto conjunto de falácias repetida e insistentemente ditas desde 2014. Em segundo lugar, desde o liberal Henrique Meirelles, passando por Bresser Pereira, até chegar em Laura Carvalho, há um consenso em torno da capacidade do governo em aumentar seu endividamento e, se preciso, emitir moeda por meio da compra de novos títulos da dívida pelo Banco Central, como estão fazendo Estados Unidos, Japão, Canadá e Reino Unido.
Finalizo essa reflexão transcrevendo trechos de um manifesto subscrito por um grupo de respeitadíssimos economistas, dentre os quais Monica de Bolle, Gabriel Galípolo e Luiz Gonzaga Belluzzo, publicado semana passada na Folha de São Paulo (3): “Colocar a economia acima da vida é reconhecer o fracasso da humanidade. Com a atividade econômica parada, acionar os canhões fiscais e monetários do Estado para manter as famílias em casa é a única e necessária saída. Dizer que não há fontes de recursos é faltar com a verdade. Nossas regras fiscais são autoimposições que nos protegem dos excessos em tempos normais. Apegar-se a elas em meio a uma calamidade sem precedentes equivale a mentir para a população e para os estados e municípios”.
*Jorge Santana é engenheiro e empresário