Cercado de polêmicas, o Projeto de Lei das Fake News, de autoria do senado Alessandro Vieira (Cidadania), deverá ser votado no plenário do Senado nesta quinta-feira, 25. Batizado pelo autor de “Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, por buscar criar mecanismos para garantir mais transparência nas redes sociais e em serviços de troca de mensagens, como o WhatsApp, o projeto recebeu muitas críticas e, teoricamente, pode provocar o efeito inverso do que propõe, por pode estabelecer um marco legal para que empresas privadas exerçam o controle do discurso digital dos cidadãos e restringir a liberdade de expressão.
Até o relator da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, fez um apelo na segunda-feira, 22, para que o Congresso Nacional estenda o debate e adie a votação. “O Congresso brasileiro está promovendo um projeto de lei sobre desinformação que parece ser extremamente problemático em relação a temas como a censura, privacidade, estado de direito e devido processo legal, entre outros”, escreveu, propondo uma consulta prévia com a sociedade civil “para adotar uma abordagem consistente com as obrigações do Brasil em Direitos Humanos”.
Edison Lanza, relator da OEA para Liberdade de Expressão, também criticou. “O Congresso do Brasil segue com a ideia de aprovar sem discussão nem participação de todas as partes uma lei sobre desinformação que afetará os princípios da Internet aberta”, escreveu.
O Projeto de Lei 2.630/2020 esteve pautado para votação no plenário ainda no início de junho, mas foi retirado de pauta depois que 35 entidades assinaram uma nota defendendo o adiamento da votação e pedindo um debate mais amplo a respeito do tema antes da sua votação. Dentre essas entidades, estão a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Maior poder às empresas
“A gente entende que é preciso, sim, se debruçar sobre o fenômeno da desinformação, achamos muito preocupante. A gente, por exemplo, vem defendendo sistematicamente que as plataformas devem ser reguladas, que é preciso garantir transparência, que é preciso garantir um devido processo na moderação de conteúdo em que o usuário possa se defender e possa apresentar seus argumentos, mas não é desse jeito que a gente vai conseguir ter um bom resultado”, reforça Marina Pita, coordenadora-executiva do coletivo de comunicação Intervozes.
Um dos problemas, segundo ela, é a responsabilização das plataformas pelo conteúdo gerado por usuários. Com isso, as empresas vão ter maior poder sobre o que pode ser publicado ou não. “Isso significa que um processo de moderação privado vai cercear, ainda mais, a liberdade de expressão. A gente tem uma expectativa de aumento de moderação se as plataformas forem responsabilizadas, inclusive com multas altas e a possibilidade de bloqueio da atuação no país. Elas vão se proteger e vão moderar conteúdo em uma escala sem precedentes em relação ao que a gente tem hoje”.
“As plataformas vão ter medo de seu serviço sair do ar e vão adotar, como padrão, a remoção completa de qualquer conteúdo que possa vir a responsabilizá-las. É uma infração muito grave à liberdade de expressão”, endossa a preocupação a presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), Raquel Saraiva. O Intervozes e o IP.rec integram a Coalizão de Direitos na Rede.
O cadastramento de CPFs para usuários e a obrigatoriedade de se ter CPF válido para abrir uma conta nas redes sociais são dois dos temas polêmicos. No texto original, ainda havia a possibilidade de que polícia ou Ministério Público solicitassem os dados do usuário, antes mesmo de se ter uma autorização judicial. Também ficava proibido que plataformas digitais apagassem um conteúdo sem autorização judicial. E há até a previsão de punir quem ridicularize candidatos em época de eleições, o que penaliza o humor, a sátira ou a paródia.
“Dia histórico”
“O foco principal do projeto é combater o crime que é praticado na internet. E para combater o crime eu tenho que garantir condições de identificar o autor. Para quando a vítima sofrer um dano qualquer seja possível à Justiça chegar aos verdadeiros criminosos. Hoje você tem o uso de contas não identificadas e de redes maciças de robôs. Só neste ano o Facebook já derrubou mais de um bilhão de contas por conduta inautêntica. Então, o que a gente está fazendo é exigir a identificação das contas para quando cometerem crimes essas pessoas possam ser responsabilizadas”, assegura o senador Alessandro Vieira.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, defende o projeto e garante que esta quinta-feira será um “dia histórico” para o Congresso Nacional. “Acho que será um dia importante e histórico para o parlamento brasileiro. Votarmos esse projeto, que vai nortear as mídias sociais, respeitando a liberdade de expressão, mas colocando um freio de arrumação nas agressões, nas ameaças, nas ofensas que milhões de brasileiros sofrem nas redes sociais”, disse ele durante a sessão de terça-feira, 23.
Alcolumbre classificou as milícias virtuais como “uma máquina que agride a honra das pessoas”. Ele também teceu elogios ao relator do PL no senado, Ângelo Coronel (PSD-BA). Coronel, além de relator do PL, é presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a disseminação de notícias falsas, com vista a atingir reputações, sobretudo de políticos.
Marcos Cardoso, com informações da Agência Brasil, UOL, Folha de S.Paulo e Rádio Senado. Foto: Jane de Araujo/Agência Senado