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Ninho de cobras

Por Lelê teles *

“ O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa” (luis gama)

a cobra coral citou luis gama para as colegas, e foi aplaudida por todas.
lembrando que não é necessário ter mãos para aplaudir; cobras aplaudem cóbricamente.
sim, as cobras têm um organizado sistema político; por isso mesmo, lula da silva já se definiu como uma jararaca.
o que obrigou janaína pascoal a pregar que o brasil jamais seria a república da cobra.
ora, ora, ora.
e não se esqueça que a primeira rebelião se deu no paraíso, quando uma cobra deu voz à primeira mulher, dotando-a de conhecimento, curiosidade e autonomia; a cobra é a mãe do feminismo.
e tem mais, meu caro ogan que toca pra ogum, oxumarê, senhor do arco-íris, é representado na fauna savânica por uma cobra.
foi numa cobra que se transformou o cajado de moisés nas mãos de faraó, o que sugere uma sugestiva alegoria erótica.
dizem que deus não dá asa a cobra, há controvérsias, para os povos mesoamericanos a cobra era uma divindade: quetzalcoatl era uma serpente emplumada.
porque digo tudo isso, impaciente internauta, porque ninguém se deu conta da atitude rebelde e revolucionária da naja brasiliensis, topônimo que acabo de criar para facilitar a compreensão da história que vou contar.
é que, ao picar com picardia o playboy que a mantinha em cativeiro, a naja brasiliensis conseguiu sua fuga e, ainda, por esse gesto venenoso, foi responsável pela libertação de outras dezesseis irmãs rastejantes e, de lambuja, de um inocente tubarão e um dinossáurico dragão de komodo.
grande dia!
por esse motivo ficamos sabendo, também, que esses répteis não repetem o comportamento humano de lamber as mãos de seus abusadores; cobras não são acometidas pela abjeta síndrome de estocolmo.
se vacilar, ela pica.
ontem, numa ágora improvisada no instituto butantã, as cobras confinadas se reuniram para uma assembleia.
estavam revoltadas porque o playboy-traficante-de-animais não havia morrido com a picada da naja e nem de traficante ele era chamado.
no serpentário, iniciou-se uma peçonhenta algazarra, presenciada pelo herpetologista de plantão.
doutorando e estudioso da fisiologia e do comportamento daquelas criaturas rastejantes, o acadêmico era analfabeto na língua reptiliana e nada compreendia do que era dito.
foi preciso chamar um escritor de fábulas para traduzir a fabulosa refrega.
as cobras, observou o nosso esopo tupiniquim, cobravam do butantã um posicionamento mais firme em defesa dos animais que são, em síntese, só pescoço.
alegavam, com toda razão, que quando o criminoso é um macho branco e endinheirado, os jornalistas nunca ouvem a vítima; e ainda tentam culpá-la.
mamba negra, com sua enorme língua bifurcada, foi o primeiro a falar: “que caralho de jovem e estudante? porque não chamam esse playboy de traficante, se é isso o que ele é?”
pithon, que pitava num canto, abriu alas e leu a manchete de um jornal que dizia que o trafica ficaria com sequelas, uma vez que o veneno da naja havia provocado necrose no tecido alvo do barba ruiva.
ah, mas cobra não lê, dirás.
engano teu que nada sabe sobre os sibilares das anacondas.
as cobras, como todos sabemos, alijadas de um aparelho auditivo – sim, cobras não têm orelhas nem ouvidos – nada sabiam do que se passava na tevê, informavam-se, arcaicamente, pelos impressos.
dessa você não sabia!
a cascavel, cobra criada, chacoalhou o chocalho como quem diz: “quem vai cobrar desse cabra o preço do veneno da cobra que usaram para salvá-lo?”
enrolada em si mesma, a caninana deu de ombros; entenda metaforicamente, que ombros sabemos que ela não tem.
não é preciso ter ombros para dar de ombros.
“se necrosou”, sentenciou sapiencialmente uma jovem jibóia, “é possível que amputem o braço daquele puto”.
mamba negra bufou e disse: “até nisso esses playboys saem na vantagem, se lhe arrancam um braço, ao sair do hospital ele nem poderá ser algemado”.
uns querem levar a naja para um zoológico, para servir de atração aos seres humanos, mas as colegas exigem que ela seja levada ao butantã, onde será recebida com as honras que merece.
já fizeram até um funk pra ela: “foi picado? como faz? vai no bu bu tan tan, vai no bu bu tan tan…”
por hoje é isso!
como diria o filósofo: “não jogue toco de cigarro no chão, porque a cobra vai fumar.
palavra da salvação.

Formado pela Universidade de Brasília, Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário. É roteirista do programa Estação Periferia (TV Brasil) e da série De Quebrada em Quebrada (Prodav 09). Sua novela, Lagoas, foi premiada na Primeira Bienal de Cultura da UNE. Discípulo do Mestre Cafuna, prega o cafunismo, que é um lenitivo para a midiotia e cura para os midiotas.

 

 

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