Marcos Cardoso*
Os últimos acontecimentos levam a crer que a sorte do capitão virou. Para pior. Até então sobrevivendo espantosamente às inúmeras e duras acusações que lhe recaem no plano interno dia sim dia não, Jair Bolsonaro sofreu importante derrota no dia 7 de novembro, quando o democrata Joe Biden discursou como vencedor das eleições dos Estados Unidos logo após derrotar o farfalhão Donald Trump, personagem inspiração desse que é o presidente do Brasil.
Embora não seja exatamente um inimigo, Biden não vai achar a mesma graça das bizarrices do eventual colega da América do Sul. Há muitas diferenças entre os dois, principalmente na relação com movimentos de extrema-direita, na agenda ambiental, no trato com minorias e na gestão da pandemia. Mas há pontos de convergência, como na relação com a china e com o chavismo e, mais interessante para eles, na subserviência do brasileiro aos interesses americanos.
Seja como for, o novo presidente dos Estados Unidos certamente não moveria uma caneta para tentar arrefecer um movimento de impeachment de Bolsonaro, último líder mundial a admitir a derrota de Trump. Nesse aspecto, ele ficou mais exposto sem a sombra protetora do amigo “I love you”.
O ano começou com outra derrota, essa mais sentida, na guerra que o mundo trava contra o novo coronavírus. A corrida da vacina foi um dos mais duros golpes sofridos pelo seu governo. Nunca Bolsonaro ficou um dia inteiro sem dar um pio nas redes sociais e o seu silêncio amplificou-se diante da alegria popular diante da “vitória” do seu novo inimigo, o governador de São Paulo, João Doria, que bancou a aposta na competência do instituto Butantan para produzir a vacina chinesa.
Já era de se esperar, afinal, Bolsonaro, seus filhos e apaniguados desdenharam o tempo todo do vírus, das mortes e da vacina. Muitos brasileiros acordaram naquele dia para a sua deliberada ignorância e para a incompetência do governo, ressaltada pelas duvidosas habilidades logísticas do general que ocupa o Ministério da Saúde, que perdeu oportunidades na aquisição das vacinas, inventou um “tratamento precoce” e vacilou na atenção à crise de Manaus, onde se morre por falta de oxigênio.
Pazuello vende sua dignidade e constrange o Exército, enquanto governadores, artistas, ONGs, China e Venezuela, quem diria, ajudam com o socorro. Ficou interessante ver que os bolsominions passaram a acreditar na vacina como salvação para uma doença da qual eles zombam e diziam que nem existia. Perderam o medo de virar jacaré e estão furando fila para se vacinar primeiro. Quanto ao ministro, será apontado na rua como o homem que sabia que faltava oxigênio e se omitiu.
A pesquisa do índice XP/Ipespe feita antes da aprovação da CoronaVac já acusava a rejeição ao governo. A taxa de entrevistados que consideram o governo ruim ou péssimo saltou para 40% – eram 35% em dezembro. A avaliação do governo como bom ou ótimo caiu de 38% para 32%. Entre evangélicos, fiel eleitorado bolsonarista, a aprovação caiu de 53% para 40% e a reprovação subiu de 26% para 36%. O Datafolha confirmou o resultado geral: 40% reprovam e 31% aprovam.
Crimes comuns e de responsabilidade
O caldo também entornou nas entranhas do poder. No Congresso, a palavra impeachment voltou a deixar de ser palavrão, já há 111 deputados declaradamente favoráveis à abertura do processo contra Bolsonaro, 58 contra, e a eleição da presidência da Câmara é fundamental para definir esse número e garantir ou não a sobrevivência do governo.
O Supremo está calado, mas tem pressionado o procurador geral da República, Augusto Aras, a abrir investigações contra autoridades federais, dentre elas o presidente da República. O preposto de Bolsonaro se nega a agir contra o presidente, alegando inclusive a estapafúrdia hipótese de o Brasil sucumbir em um estado de exceção.
Isso tem aborrecido a cúpula da PGR. Seis subprocuradores-gerais da República, maioria dos membros do Conselho Superior do Ministério Público Federal, assinaram documento enumerando algumas razões por que o presidente deve ser investigado:
Divulgação de informações em descompasso com as orientações das instituições de pesquisa científica; Defesa de tratamentos preventivos sem comprovação científica; Crítica aos esforços de desenvolvimento de vacinas, com divulgação de informações duvidosas sobre a sua eficácia; Demora ou omissão na aquisição de vacinas e de insumos para sua fabricação; Manifestações críticas direcionadas ao TSE e ao sistema eleitoral brasileiro, difundindo suspeitas desprovidas de base empírica e que só contribuem para agravar o quadro de instabilidade institucional; recente declaração do presidente da República, em clara afronta à Constituição Federal, atribuindo às Forças Armadas o papel de decidir sobre a prevalência ou não do regime democrático no país.
Sentindo o clima de enfraquecimento do governo, grupos diversos, de esquerda e de direita, promovem neste fim de semana em todo o Brasil manifestações contra Bolsonaro e para pressionar o Congresso Nacional a iniciar o processo de impeachment. Por enquanto, as manifestações serão separadas. Organizações de esquerda, como sindicatos e movimentos populares reunidos na Frente Povo Sem Medo, convocaram carreatas para este sábado. Grupos de direita como o MBL e o Vem Pra Rua chamaram atos pelo país na manhã de domingo.
O caldo está em fervura e o fim do auxílio emergencial vai piorar a avaliação popular do governo, jogando mais lenha na fogueira e aumentando a temperatura. O cheiro de impeachment está no ar.
*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.