Durante o ano de 2020, de acordo com a Coordenadoria de Estatística e análise Criminal (CEACrim) da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP), a Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV) recebeu 32 denúncias de intolerância religiosa, sete a mais do que o total registrado no ano de 2019. Este é um crime previsto na Lei 7.716/89, pois, o direito à liberdade religiosa é uma cláusula pétrea da Constituição Federal constante no Artigo 5° Inciso 6°. Para reforçar a necessidade de respeito às escolhas alheias, principalmente no tocante à religiosidade, no ano de 2007, por meio da Lei 11.635, foi criado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado, anualmente, no dia 21 de janeiro.
No Brasil, uma religião que sofre ataques constantes por parte dos intolerantes é o candomblé, que tem matriz africana. Os povos tradicionais de terreiros são, comumente, vítimas de agressões físicas, psicológicas e morais, e o dia nacional de combate foi motivado, infelizmente, pela morte de Mãe Gilda, sacerdotisa do terreiro Axé Abassá de Ogum, localizado na cidade de Salvador/Bahia. Mãe Gilda faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, por infarto, após ter sofrido uma sequência de agressões físicas e verbais, além de ataques à casa onde vivia e ao Ilê que comandava por adeptos de outra religião.
Socialmente, existem várias maneiras de aderir à luta pelo combate à intolerância religiosa, um problema que tem deixado cicatrizes, físicas e psicológicas, em quem assume publicamente e defende a religião que professa. Uma dessas maneiras é por meio da pesquisa científica, a exemplo da que vem sendo desenvolvida pelo Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) através do doutor Ilzver Matos, pesquisador da área de Direitos Humanos que tem realizado projetos e eventos nos quais a problemática da intolerância religiosa é o ponto focal. De acordo com o pesquisador, um dos trabalhos realizados foi o mapeamento, dentro de duas escolas da rede pública estadual de Sergipe, de casos de intolerância contra as religiões de matrizes africanas e sobre a degradação ambiental dos espaços litúrgicos tradicionais usados pelos povos tradicionais de terreiro de Sergipe.
Pesquisa nas escolas
As pesquisas foram desenvolvidas nas escolas estaduais Felisbelo Freire, no município de Itaporanga D’Ajuda, e Coronel Gentil Daltro, em Nossa Senhora do Socorro. Os estudos, financiados pela Fapitec/SE por meio do edital Pibic Júnior, já foram concluídas. Na opinião do Dr. Ilzver Matos, o mais legal desse trabalho foi ter podido envolver, ao longo de um ano, os alunos das unidades escolares em questão, fazendo-os despertar para o mundo da pesquisa científica. Cada participante recebeu, mensalmente, uma bolsa como aluno de Iniciação Científica.
“Este tipo de ação é muito interessante, e cito dois importantes motivos: o primeiro foi que nós, enquanto instituto de pesquisa, ficamos ainda mais próximos da sociedade; o segundo, por termos conseguido estimular, em estudantes da rede pública de ensino, o pensar diferente, o entender a ciência e fazer com que descobrissem que é um caminho para o desenvolvimento deles, uma forma de inseri-los em um mundo de conquista de espaços sociais, de abertura de portas para alunos cuja maioria é negra, periférica, oriunda de famílias com baixa renda econômica e, por tudo isso, muitas vezes com pouco acesso à educação. Através da ciência eles podem descobrir um mundo novo e cheio de possibilidades que uma universidade oferece”, evidenciou o pesquisador do ITP.
O doutor Ilzver Matos também citou alguns dos eventos de âmbito nacional e internacional que são realizados, através do ITP, para debater e encontrar novos e mais eficazes meios de combater a intolerância religiosa. Dentre os eventos realizados estão o Encontro de Pesquisadores e Pesquisadoras pela Justiça Social (EABRAPPS) que, desde o ano de 2016 é realizado em Aracaju/SE; e o Encontro Internacional de Grupos de Pesquisa sobre Direitos Humanos e Antropologia Jurídica, o InterDH&A.
Conhecer para defender
Um dos aliados no combate ao preconceito (de uma forma geral) e à intolerância religiosa é a informação, por isso, desde o ano de 2018 que o Dr. Ilzver Matos coordena a pesquisa científica “Cooperativismo, povos de terreiro e desenvolvimento sustentável em Sergipe”, financiada pelo CNPq e pelo Serviço Nacional de Estímulo às Cooperativas. O trabalho tem como objetivo identificar as potencialidades econômicas que as comunidades tradicionais existentes no Estado possuem, para que, de forma etnodesenvolvimentista, possam gerar emprego e renda e, consequentemente, conquistar a autonomia financeira.
“Aqui em Sergipe, por meio do ITP, temos promovido investigações sobre os potenciais que algumas comunidades tradicionais de terreiro têm, de desenvolver estratégias de criação de cooperativas que façam com que as principais expressões tradicionais, como língua, culinária, vestuário e turismo, dentre outras, possam ser utilizadas como formas de promoção do desenvolvimento local e de manutenção desses espaços”, explicou o pesquisador.
Reconhecimento nacional
O caminho do pesquisador do ITP, Dr. Ilzver Matos, na jornada em defesa dos direitos dos povos tradicionais de terreiro, especialmente, pela liberdade religiosa, iniciou há vários anos, o que lhe rendeu não somente expertise na área, mas, também, o reconhecimento por parte das diversas entidades nacionais que militam na causa. Em 2018 Dr. Ilzver Matos foi o único sergipano escolhido pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH) para receber o “Prêmio Direitos Humanos 2018”, em reconhecimento pela defesa incansável da comunidade negra e das religiões de matriz africana no estado de Sergipe.
O certificado desta premiação foi entregue pelo presidente da República em exercício, o deputado federal Rodrigo Maia, e a honraria, pelo ministro Gustavo Rocha. Já em 2019, as ações em defesa dos DH dos povos de axé e pela liberdade religiosa renderam ao pesquisador do ITP a outorga da “Medalha Direitos Humanos Dom José Vicente Távora”, concedida pela Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe.
Por Andréa Moura