Marcos Cardoso*
Publicar uma biografia não é uma tarefa simples, até para quem sabe pesquisar e escrever. Mesmo que o autor não consiga fazer do personagem biografado um objeto de história total, “histórica e humanamente exemplar em relação ao passado e presente”, como informa Jacques Le Goff no seu monumental “São Francisco de Assis”, biografia do personagem impressionante da Idade Média. Se conseguir fugir à tentação da biografia anedótica e superficial terá realizado uma obra digna de ser lida e anotada.
O jornalista, poeta e escritor Gilson Souza mandou muito bem na biografia “Cleomar Brandi – Uma vida inteira”, sobre o jornalista, poeta e amigo baiano que, com seu jeito muito humano e um tanto heroico, cativou uma geração inteira de sergipanos ligados à imprensa e à política, à literatura e à música, à educação e à cultura em geral.
“Não estamos tratando aqui de um político influente, ou uma celebridade das artes, do esporte, do mundo acadêmico e muito menos do poder econômico. É a história de um simples cidadão paraplégico que se transformou num gigante diante das adversidades impostas pela vida”, anuncia o autor do livro, que foi iniciado logo que Cleomar morreu. Gilson partiu para Ipiaú, na Bahia, para pesquisar a ancestralidade e as raízes mais profundas do homenageado. No mês de julho faz 10 anos que Cleomar nos deixou.
Ele aprofundou-se na vida e na alma de Cleomar, conheceu os caminhos percorridos, da infância no interior cacaueiro à adolescência travessa na Cidade Alta e no Unhão, em Salvador, onde aos 16 anos foi acometido da estranha moléstia que o transformou no homem de cadeira de rodas, moldando a sua perspectiva de mundo. “O irmão mais velho, Luiz Fernando, estava em casa quando Cleomar surgiu corredor adentro tropeçando, reclamando das pernas e com muitas dores nas costas. ‘Mamãe ajeitou a cama e mandou ele se deitar. Ele deitou e nunca mais levantou’”.
Gilson Souza foi certamente o melhor de todos os amigos de Cleomar. Dele tornou-se irmão, “guardião” das suas memórias e curador de sua obra literária, como recorda a também jornalista Arlinda Carvalho, grande amor dentre todos os amores do biografado, que prefacia a obra.
“A sensibilidade de Gilson Souza nos envolve sem piedade numa narrativa com efeitos surpreendentes que vão do riso à comoção, da ironia ao escracho, da contagiante alegria de viver de Cleomar (que atravessa as páginas do livro e atinge em cheio a alma do leitor, sem nenhum desvio) ao inconformismo manso desencadeado pela despedida do poeta”, escreveu ela.
“Nestas páginas, o leitor será nocauteado tanto pela grandeza do ser humano quanto pela intelectualidade do jornalista, poeta e boêmio, cujos rasgos de genialidade eram arremessados nas redações dos jornais onde trabalhava, nas mesas de bar (sempre cercado por amigos e artistas) ou em qualquer esquina”, Arlinda antecipa.
O livro revive poemas e crônicas de Cleomar Brandi, dentre as quais a já bastante conhecida “A última saideira”. Também traz textos e depoimentos interessantíssimos de familiares, dos muitos amigos e de muitas namoradas. É uma obra bem completa, um livro bonito, bem editado e ilustrado, que tem a marca da Criação Editora e o patrocínio da Lei Aldir Blanc, via Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe – Funcap/Governo do Estado.
A biografia está de acordo com o que Cleomar merece. Ê, vidão! Eu quero é mais!, diria ele.
*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.