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Lula fez discurso de quem deseja voltar à presidência

Marcos Cardoso*

O planeta é redondo e dá voltas muito rápido. Quanta coisa aconteceu em três dias. Na segunda-feira, o ministro Edson Fachin, do STF, anulou todas as condenações do ex-juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato. Na terça-feira, por decisão do ministro Gilmar Mendes, a 2ª Turma do STF retomou o julgamento sobre a suspeição de Moro quanto ao julgamento de Lula.

Na quarta-feira, o próprio Lula convocou uma entrevista coletiva na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. A pretexto de falar sobre a decisão de Fachin que, por consequência, devolveu seus direitos políticos, e de como se tornou “vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história”, ele reafirmou o poder que ainda mantém de convencer e mobilizar.

Embora sem admitir, Lula fez discurso de candidato, deu início à disputa eleitoral de 2022 e já estabeleceu o tom da campanha: desconstruir Bolsonaro e apontar um rumo para o Brasil, tendo como modelo o seu governo (2003-2010). Parêntese: o presidente atual sentiu o golpe e finalmente, quando o Brasil já tem mais de 270 mil mortes pela covid, apareceu como defensor da máscara e da vacina.

Durante seu longo discurso de 1h20 de duração, um revitalizado Lula paz e amor focou em três pontos: a decisão de Fachin, exaltando sua presumível inocência e como foi vítima da perseguição de Moro; a busca do diálogo com os diversos atores da política e da sociedade, no Brasil e no mundo, com foco no apoio necessário à reconstrução do país; e mostrar como o governo e o próprio Bolsonaro erram, apresentando-se como solução para o problema.

Fez muitos agradecimentos, valendo destacar as citadas personalidades internacionais que acreditam na sua inocência: o presidente argentino Alberto Fernandez, o Papa Francisco, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, o senador democrata americano Bernie Sanders, a prefeita de Paris Anne Hidalgo, o ex-presidente espanhol José Luis Zapatero, o “companheiro” ex-presidente da Bolívia Evo Morales, “um dos maiores intelectuais vivos” Noam Chomsky, o social-democrata ex-presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz e o ex-primeiro ministro italiano Massimo D’Alema.

Lula foi comedido, quase diplomático, a ponto de desejar para Moro, “apenas”, que ele seja considerado suspeito. É verdade que voltou a chamá-lo de mentiroso, mas foi mais duro com os procuradores da Lava Jato, a quem qualificou de quadrilha de Curitiba. No entanto, reservou o melhor da artilharia para gastar com o agora inimigo número um, Jair Messias Bolsonaro.

As referências negativas começaram pelo tratamento maligno que Bolsonaro dispensa à covid. Para Lula, a vacina não é questão de ter ou não ter dinheiro. “É uma questão se eu amo a vida ou amo a morte. É uma questão de saber qual é o papel de um presidente da República no cuidado do seu povo. Porque o presidente não é eleito para falar bobagem e fake news. Ele não é eleito para incentivar a compra de armas, como se nós tivéssemos necessitando de armas”.

“Quem está precisando de armas – diria depois – são as nossas forças armadas. Quem está precisando de arma é a nossa polícia, que muitas vezes sai pra rua pra combater a violência com um 38 velho todo enferrujado. Mas não é a sociedade brasileira”.

Adiante deu um conselho ao povo: “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você do covid”.

Lembrou que o presidente “inventou” uma tal cloroquina. “Um presidente que falava que quem tem medo do covid é maricas, que o covid era uma gripezinha, que o covid era coisa de covarde, que ele era ex-atleta e que, portanto, ele não ia pegar. Esse não é o papel, no mundo civilizado, de um presidente da República”.

Lula aprofundou o histórico de Bolsonaro e atacou a sua inépcia para o cargo: “Ele não sabe o que é ser presidente da República. Ele a vida inteira não foi nada. Ele não foi nem capitão. Era tenente e foi promovido porque se aposentou. E se aposentou porque queria explodir quartel, porque ele virou um dirigente sindical dos soldados, queria mais aumento de salário. Depois que ele se aposentou, ele nunca mais fez nada na vida. Ele foi vereador e deputado durante 32 anos. Exerceu o mandato e conseguiu passar pra sociedade a ideia de que ele não era político”.

Assim como Trump, disse Lula, Bolsonaro foi eleito pela força do fanatismo disseminado e incutido nas mentes através das fake News. “Então esse país está totalmente desordenado e desagregado porque não tem governo nenhum. Eu vou repetir: esse país não tem governo. Esse país não cuida da economia, esse país não cuida do emprego, esse país não cuida do salário, esse país não cuida da saúde, esse país não cuida do meio ambiente, esse país não cuida da educação, esse país não cuida do jovem, esse país não cuida da meninada na periferia. Ou seja, do que eles cuidam?”

Então sugeriu que um presidente da República tem que conversar com sindicalistas, com a força do trabalho, com os empresários, “e me parece que o Bolsonaro só conversa com o louro da Havan. Morreu o louro da Ana Braga, o Louro José, mas está lá o Louro da Havan, (…) não tem reunião produtiva com os empresários”.

E fechou esse tema com um apelo de palanque: “O povo não tem o direito de permitir que um cidadão que causa os males que o Bolsonaro causa ao país continue governando e continue vendendo o país. Eu não sei qual é a atitude, mas alguma atitude nós vamos ter que tomar, companheiros, para que esse povo possa voltar a sonhar.”

No começo do discurso, Lula tratou de explicar que suas intenções não guardam nenhum revanchismo: “Se tem um brasileiro que tem razão de ter muitas e profundas mágoas, sou eu. Mas não tenho. Sinceramente, eu não tenho porque o sofrimento que o povo brasileiro está passando, o sofrimento que as pessoas pobres estão passando neste país é infinitamente maior do que qualquer crime que cometeram contra mim. É maior do que cada dor que eu sentia quando estava preso na Polícia Federal”.

E fez acenos para os políticos que não são necessariamente de esquerda, para os empresários e para os militares: “Então, não tenham medo de mim. Eu sou radical. Eu sou radical porque eu quero ir à raiz dos problemas desse país”.

“Eu sou radical porque eu quero ajudar a construir um mundo justo. Um mundo mais humano. Um mundo em que trabalhar e pedir aumento de salário não seja crime. Um mundo em que a mulher não seja tripudiada por ser mulher. Um mundo em que as pessoas não sejam tripudiadas por aquilo que querem ser. Um mundo em que a gente venha a abolir definitivamente o maldito preconceito racial nesse país. Um mundo que não tenha mais bala perdida. Um mundo em que o jovem possa transitar livremente pelas ruas de qualquer lugar sem a preocupação de tomar um tiro”.

A repercussão foi grande e positiva. Até na Rede Globo, veja só. “Ontem [terça-feira] eu acho que nós tivemos um Jornal Nacional épico”, disse ele, lembrando da decisão de Fachin. Teve gente boa que supreendentemente qualificou o discurso como brilhante. Outros se referiram a uma fala de estadista.

O certo é que Lula voltou. E voltou para brigar pelo que acredita num momento propício, quando o brasileiro está tão carente de um verdadeiro líder, aquela pessoa com autoridade para comandar, que domina com serenidade pelo carisma, conhecimento e experiência. Bem diferente disso que está aí.

*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

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