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Alencar, “O Infiltrado”

Por Afonso Nascimento *

Em um documento do serviço de informação do MEC (DSI), datado de 1979, chamado de “Infiltração nos estabelecimentos de ensino”, o seu autor de nome desconhecido faz balanço dos “infiltrados comunistas” em várias universidades federais, no rol das quais está a Universidade Federal de Sergipe.

Eis aqui os nomes dos supostos “comunistas infiltrados” da UFS: Clodoaldo Alencar Filho, Lauro Pacheco, Nilton Pedro da Silva, Stefânio de Faria Alves, José Alexandre Felizola Diniz, Moacir Soares da Motta, Walburga Arns da Silva, José Barreto Fontes, Ovídio Valois, Hélio Araújo Oliveira, Serapião de Aguiar Torres, Luiz Rabelo Leite, João Bosco Mendonça e Maria Thétis Nunes”. Deve ter causado surpresa a qualquer um de nós ler a inclusão do recém-falecido ex-reitor Clodoaldo Alencar Filho, um liberal, encabeçando essa lista de supostos “comunistas infiltrados” Nada direi sobre os demais listados porque não são do meu interesse aqui.

Preciso recuar no tempo para dizer que, em 1964, o professor Alencar foi preso e indiciado em maio daquele ano, acusado de subversão. Entre outras coisas, as acusações eram de que trabalhara como locutor do MEB e que fez três apresentações da peça “Eles não usam black-tie”. É verdade que trabalhava e torcia para o movimento que parecia vir e faria do Brasil um país mais justo e igualitário nos anos 60 do século passado. Foi libertado porque não havia provas contra ele. Em 1975, juntamente com o padre e professor da UFS José de Araújo Mendonça, Enivaldo Araújo e Augusto Prado Leite, o futuro reitor Alencar aparece em uma lista de pessoas, mais uma, que eram cogitadas para governar Sergipe, ou, em outra descrição do posto político, para ocupar cargo em futuro governo estadual. Os arapongas que escreveram o motivo da investigação podem ter cometido algum erro quando escreveram “cogitado” para os cargos de governador ou, quem sabe, secretário de Estado. Essas informações foram retiradas de documento do SNI em 1975, disponível no Arquivo Nacional.

Em 1976, ocorreriam eleições municipais e as eleições gerais só teriam lugar em 1978. Mesmo assim, foi feito o documento do SNI sobre os quatro “cogitados”. Os três primeiros receberam a avaliação de que poderiam ser aproveitados na administração sergipana, mas o professor Alencar teve a seguinte apreciação final: “não deve ser aproveitado”. Nas “observações” do avaliador era acrescentado que “os registros existentes dão conta de uma atuação intensa, em face da participação em diversos empreendimentos”.

É muito interessante observar o perfil feito pelo serviço secreto sobre o professor Alencar, que transcrevo aqui: “Posição ideológica: esquerdista – Atitude em relação à revolução de 31 marco de 64: contrário. Atividades subversivas: simpatizante. Probidade administrativa: não há registros. Eficiência funcional ou profissional: não há registros. Conduta civil: há registros negativos.” Pelo que sei e ouvi sobre o professor Alencar, ele era um tipo que circulava em diversos grupos, sempre expansivo, o cara que gostava de uma prosa. Acho que posso dizer que ele foi um administrador, um agente cultural e um intelectual.

E por falar em intelectual, como seu pai, o professor Alencar foi membro da Academia Sergipana de Letras, mas não deixou uma grande obra. Com efeito, só escreveu três livros, a saber, “As intemporais (Entrevistas e comentários), 1977”, “Etc. e tal (Folclore e memórias), 1980” e “Caleidoscópio (Crônicas, poemas, contos, ensaios), 1984” (Cf. Anderson Nascimento, livro sobre perfis dos imortais sergipanos). Em relação ao valor literário dos seus livros, deixo esse trabalho para os especialistas em literatura.

Em 1988, foi candidato e venceu a eleição para reitor da UFS. Durante a sua campanha, lançou uma “carta aberta à comunidade da UFS” na qual explica porque é candidato e porque resolveu fazer parte do processo eleitoral para defender a UFS, entre outras universidades federais, contra movimentos que visam a privatizá-la, a torná-la paga e a entregá-la ao governo estadual “para pulverizar, assim, o poder político das universidades e destruir cada vez mais a sua autonomia”. À exceção da ideia de estadualização das universidades federais, o seu discurso parece ser muito atual. Na visão de Clodoaldo de Alencar Filho, a universidade tinha de ser “pública, gratuita, competente, autônoma e democrática”.

Deixei para o final para dizer que, do pedido de informações do SNI de 1975 sobre o professor Alencar, enviado através de telex, constava o seguinte: “Enviar registros que caracterizem nominado como elemento esquerdista”. Não consigo imaginar quem tinha interesse em prejudicar a carreira do primeiro reitor da UFS eleito pelo voto direto da comunidade e referendado pelo Conselho Superior. Não é possível fazer a leitura da caligrafia de quem fez a solicitação de informação sobre o recém-falecido Clodoaldo Alencar Filho.

PS: Agradeço ao professor José Vieira da Cruz por permitir o acesso aos documentos consultados.

* É professor de Direito da UFS

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