Hoje não tem marmelada e o picadeiro está vazio. Há muito tempo que os palhaços não causam risadas de plateias aglomeradas e recebendo intensos aplausos como retribuição. A pandemia de covid-19 mudou completamente o cotidiano de quase 10 mil brasileiros que se sustentavam dos rendimentos obtidos a partir de suas apresentações debaixo da lona.
“Já vivi outros momentos complicados, pois tenho uma carreira de mais de 30 anos. Mas esse é mais desafiador porque está cercado de muita incerteza. Há uma insegurança, pois precisamos nos reinventar e não sabemos se vamos acertar”, diz Jonathan Cericola, que dá vida ao palhaço Pão de Ló, personagem criado originalmente por seu bisavô.
Atividades abandonadas
A pandemia chegou no Brasil em março do ano passado. Jonathan Cericola conta que os desdobramentos da rápida propagação da doença deixaram a todos espantados e sem saber o que fazer no primeiro momento. A partir do segundo mês de paralisação das atividades, a necessidade de se reinventar foi ficando clara para aqueles que dependem do circo. Um desafio para muitas pessoas que não se viam, de uma hora pra outra, abandonando suas atividades como palhaços, malabaristas, acrobatas, contorcionistas, equilibristas, ilusionistas e outros artistas.
Alguns se aventuraram em novos negócios, como a venda de alimentos e o transporte de passageiros. Outras apostaram em levar o picadeiro para a internet, como Jonathan. Fechado desde março do ano passado, o Circo Teatro Saltimbanco chegou a retomar apresentações com público reduzido no início do ano. Não durou muito: um novo agravamento da curva de contágio forçou novamente a interrupção. Para lidar com a situação, o intérprete do Palhaço Pão de Ló tem adaptado apresentações para as redes sociais, usando canais no YouTube e no Instagram.
O setor cultural foi um dos primeiros a sentir o impacto da pandemia. Cinemas, teatros, casas de shows, circos e outros espaços voltados para a arte ficaram impossibilitados de reunirem público. Um auxílio emergencial para garantir uma renda mínima para uma parcela da população brasileira foi aprovado no Congresso Nacional em março do ano passado. Ele foi pago pelo governo federal em nove parcelas entre abril e dezembro de 2020: nos primeiros cinco meses, o valor era de R$ 600 e, nos outros quatro, caiu para R$ 300.
Os repasses foram feitos a maiores de 18 anos sem emprego formal e com renda inferior a maio salário mínimo, que não estivessem recebendo benefício previdenciário ou assistencial e que tenha tido, no ano anterior, rendimento tributáveis abaixo de R$ 28,5 mil. Muitos artistas circenses se enquadravam nessas condições. Na semana passada, o governo federal instituiu por medida provisória um novo auxílio de quatro parcelas, com valores mais baixos, entre R$ 150 e R$ 375, e com pré-requisitos novos que reduziram o número de beneficiários.
Mapeamento dos circos
mapeamento foi publicado em julho do ano passado no site da Fundação Nacional de Artes (Funarte), que é vinculada ao Ministério da Cidadania. Ele lista 651 circos em todo o Brasil, responsável por garantir sustento para 9.579 pessoas. Quase 80% estão concentrados nas regiões Nordeste (271) e Sudeste (248). Foram mapeados ainda 31 circos no Norte, 31 no Centro-Oeste e 70 no Sul.
O Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou a divulgar estudo onde estimava que 700 mil pessoas poderiam ser beneficiadas pela Lei Aldir Blanc. No meio circense, no entanto, o acesso ao recurso foi restrito. E, entre quem teve acesso, relatos como o de Jonathan são comuns.
“Vejo muita burocracia na prestação de contas, muita exigência absurda. Se era para ajudar, deveria ser uma doação aos artistas, nos moldes do auxílio emergencial. Mas não tem sido assim”, diz Ana Lamenha, presidente da Associação Brasileira de Artes, Cultura e Diversões Itinerantes (ABACDI).
Fonte e fotos: Agência Brasil