Por Manoel Moacir Costa Macêdo *
A escravidão no Brasil foi desumana e duradoura. O último país do Ocidente a declarar a liberdade formal dos escravos. Os escravos africanos constituíam a subclasse do estamento social inferior. Cerca de dez milhões de africanos foram trazidos para as Américas, e metade escravizados no Brasil. Pela Lei Eusébio de Queirós de 1851, o tráfico de africanos foi reprimido, por pressões externas para o fim da escravidão no Brasil. Escravos amontoados em condições degradantes eram transportados em navios. Um quarto morriam antes de chegar ao Brasil, por mal tratos, doenças, fome e desesperança, por doença ou motim, tinham os corpos lançados ao mar. Estima-se que 500 mil africanos morreram a caminho do Rio de Janeiro e da Bahia.
A escravidão do “homem pelo homem” referenciada pela “cor negra da pele”, é a mais cruel das explorações. Humanos comercializados como mercadoria e utilizados como máquinas nos engenhos de açúcar e na casa-grande. “Sem escravos não existe açúcar. Máxima do Século XVII. Açúcar manchado com sangue escravo”. Escravos negros eram avaliados pela usura mercantilista como animais. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro dos mais fracos e velhos. Eram constantemente castigados, por açoites e torturas dos feitores e capitães-do-mato. Um mesmo escravo, era vendido em partes para mais de um dono.
Os escravos no Brasil eram destituídos de tudo, exceto de trabalhar por até vinte horas diárias. Dormiam no chão duro na senzala e recebiam uma alimentação pobre e insuficiente para sobreviver. Não podiam praticar sua religião, festas e rituais. Tinham que seguir a religião católica imposta por seus senhores e adotar a língua portuguesa. Escondidos ou rebelados, realizavam as suas representações, algumas em forma de luta e defesa, como a capoeira. As escravas negras eram utilizadas como mão-de-obra para os trabalhos domésticos, como cozinheiras, arrumadeiras e amas de leite. Ainda, eram vítimas de estupros praticados por seus patrões.
Apesar dos clamores dos abolicionistas nacionais, a derrocada da escravidão, veio de fora para dentro. A partir da metade do século XIX a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra interessada em ampliar o seu mercado exportador. A Lei Bill Aberdeen de 1845, proibia o tráfico de escravos, dando poder aos ingleses de aprisionarem navios de países que mantinham a escravidão.
Ao ganhar a liberdade, os escravos, não tiveram vida fácil. Eles recebiam o sobrenome dos seus proprietários, e permaneciam ao menos dez anos subordinados aos seus donos. A Lei Áurea facultou a liberdade jurídica aos escravos, mas não possibilitou a sobrevivência e plena liberdade. Continuaram sem moradia, sem trabalho, sem terra, sem propriedade, sem educação e sem esperança. Continuaram numa “dissimulada escravidão à brasileira”. A Lei de Terras de 1850, proibia a aquisição de terras devolutas por doação, mas apenas por compra. Artificio para impedir a aquisição de terras por escravos livres, mas despossuídos dos meios de comprar bens de qualquer espécie. A frase do Barão de Cotegipe, o único Senador do Império que votou contra o projeto de abolição da escravatura. Disse ele à Princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea em 13 de maio 1888: “A Senhora redimiu uma raça, mas perdeu o trono”.
Não se conhece o Brasil e suas contradições, sem aprofundar na verdadeira história, sob pena de análises seletivas reproduzidas pelos vencedores. A abolição formal da escravidão, não possibilitou a integração social dos negros libertos. Eles continuaram sendo vítimas do preconceito, violência, expiação e pobreza. Na atualidade, o chamado “racismo estrutural”. Qualificar as agruras da “escravidão brasileira” como culpa coletiva, é negar as responsabilidades perante a história, premissas da persistente e vergonhosa desigualdade. Esse holocausto, não escapará do julgamento pós-material, pois “numa sociedade organizada segundo as leis cristãs ninguém deve ser escravizado e nem morrer de fome”.
* É engenheiro agrônomo e advogado