Em 40 anos de vida jurídica, como advogado, juiz da classe jurista do TRE-SE, que fui em duas oportunidades, e professor de Direito, já vi e vivi muitas situações. Algumas delas, absurdas. Na semana passada, mais uma. Absurda, claro.
Estranhamente, uma colega, professora do Departamento de Direito – DDI – da Universidade Federal de Sergipe, inconformada pela não prevalência do seu pensamento, manifestado em voto, como relatora de um procedimento administrativo, que obteve outros cinco (05) votos, somando, pois, seis (06) votos favoráveis, sendo cinco de docentes e um de representante discente, contra onze (11) votos contrários, sendo nove de docentes, um de técnico-administrativo e um de representante discente, inclusive o de um professor que é, também, juiz federal, lançou uma nota, que, em parte, destoou completamente do que deveras ocorreu. Respeito a colega, e a respeito muito, como, ademais, respeito todos os meus pares, pelo que são e pelo que sabem, mas refuto o modo de agir, nesse caso. Embora sei que não o fez por maldade.
Em discussão, dois pontos de vista como sói acontecer no mundo jurídico. Quando uma parte se sente prejudicada, com ou sem razão, na área jurídica ou no âmbito administrativo, sucedem-se, se for o caso, os recursos administrativos ou os meios judiciais, para que a demanda seja devidamente enfrentada. Ao menos foi assim que aprendemos, e é assim que ensinamos aos nossos alunos.
Pois bem. Em discussão, no Departamento de Direito, o preenchimento de uma vaga, aberta em decorrência da aposentadoria de um professor. Como está no prazo de vigência um concurso anterior, para uma vaga que já foi preenchida, optou-se por chamar o segundo colocado desse concurso para preencher a nova vaga surgida. Mas, enquanto se processavam os trâmites legais, um professor de outro Campus, com base numa Resolução da UFS, pleiteou a vaga, solicitando fosse aberto edital de remoção. O caso, então, veio para o Conselho Departamental decidir. Parecer lavrado pela Procuradoria da UFS. Nomeada a relatora, numa primeira reunião, lido o seu voto, não se chegou a uma decisão, sendo, então, marcada outra reunião, para a semana seguinte, a fim de ensejar melhores condições para que os membros do Departamento (professores, técnicos e representantes discentes) pudessem deliberar. A Procuradoria da UFS emitiu novo parecer, compreendendo que, in casu, sob certa condição ali dita, não caberia o edital de remoção, mas, cabendo, claro, ao DDI, tomar a decisão. E assim foi feito.
Na segunda reunião, como está dito acima, o ponto de vista da relatora somou seis (06) votos para manter a chamada do segundo colocado no concurso anterior, com prazo, a vencer em setembro, e onze (11) votos para que fosse aberto o edital de remoção. Para a remoção, os critérios são definidos pelo Departamento. Aliás, assim mesmo o disse o procurador da UFS, no último parágrafo do seu novo parecer: “Por outro lado, não verificada a pertinência, caso não represente, o concurso realizado, as necessidades do Departamento, o Conselho Departamental definirá os critérios relativos à vaga a ser preenchida conforme inciso IV do parágrafo único do art. 5º da Res. 50/2015/CONSU (área, titulação, área de titulação, regime de trabalho) e enviará à PROGEP para publicação do edital de remoção na forma do regulamento, ou posterior abertura de concurso público se deserta a tentativa de remoção”. Pronto. Tomada a decisão, quem se sentisse no direito de recorrer, o deverei fazer, na via administrativa, ou buscar o amparo da via judicial. É assim que deve ser. Foi assim que nós, professores, aprendemos com os nossos mestres, e é exatamente assim que devemos ensinar aos futuros mestres.
Sabe-se lá porque a estimada colega relatora emitiu uma nota absurda, ao menos quando proferiu os seguintes termos: “Naturalmente que ninguém abordou a questão pelo recorte racial e da intolerância religiosa, mas quanto mais eu penso sobre a situação, o que me vem a mente para distinguir a situação anterior da situação atual são as características individuais de cada um”. Ela se referia a um caso anterior, como tantos outros, de se ter chamado a segunda colocada de outro concurso, “branca, loira”, como alegou. Que absurda comparação! Meu Deus! O que tem a ver um candidato branco ou negro, católico, protestante, kardecista, candomblecista, agnóstico ou ateu? Além de tudo, o DDI não decidiu tomar a vaga de ninguém, nem tomou. Não decidiu dar a vaga a um candidato branco e evangélico, como foi dito de forma errônea. E, naquele momento, ninguém pensou, sequer, em racismo estrutural.
Por exemplo, eu nunca soube que um postulante à vaga de professor em questão era candomblecista. E, se soubesse, não interferiria em nada. Que bom saber que alguém exerce a sua profissão de fé, qualquer que seja ela. Para isso, aí está a liberdade de culto, que a Constituição Federal garante e é merecedora de aplausos.
O postulante, ao edital de remoção, não é o primeiro a fazer tal pleito. Um professor que está, agora, no DDI veio do mesmo Campus onde está lotado o postulante de agora, pela mesma via. Outro exemplo: no dia 26 passado, a Comunicação da UFS lançou esta nota: “A Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) divulgou o edital do processo seletivo para docentes que desejam ser removidos entre departamentos de diferentes Campi da Universidade Federal de Sergipe (UFS). As vagas são para os departamentos de Comunicação Social, Ciências Sociais, Engenharia Civil, Engenharia Mecânica e Enfermagem, sendo uma para cada um deles”. É assim. Porém, claro, cada caso é um caso. Voltando ao caso em tela, o postulante ao edital de remoção terá condições de atender aos requisitos que serão postos? Vai-se saber! Era preciso aguardar os critérios que o DDI haveria de definir para o edital. Um deles, aliás, qual seja a titulação de doutorado, já tinha sido definido, no dia 05/04, na reunião das 15 horas, com apenas um voto divergente, e contando, inclusive, com o voto da própria relatora. Perfeito.
A nota da preclara relatora, no que, em parte, tem de ser veementemente refutada, ganhou o mundo virtual. Assanhou pessoas e grupos. Redes sociais contestaram a jamais existente ação discriminatória contra quem quer que fosse. A que ponto uma nota, absurda, no que de absurdo ela contém, pode chegar. Uma ilação descabida, com todo respeito, foi lançada com a pretensão de transformar-se em “verdade”. Verdade coisa nenhuma! Acusar integrantes do DDI de racismo institucional e religioso, é falso. Basta ouvir as gravações das reuniões.
A ilação foi posta como coisa ruim que se joga no ventilador. Parte da mídia fez “festa”. Uma “festa” sem razão de ser. Ate o MPF movimentou-se a partir da nota descabida. A própria UFS tem um reitor negro, que lutou para estar no lugar que lhe cabe, merecidamente. E o DDI que já tem, pelo menos, um professor negro, ou seja, este subscritor – já teve mais de um – não teria porque discriminar. Essa pecha não nos cabe. A nenhum de nós, do DDI, branco ou preto. Pelo que eu sei, nenhum dos onze (11) votantes para a abertura do edital de remoção jamais agiria, nesse ou noutro caso, com ranço discriminatório e racista. Uma ilação refutável, embora, creio, não lançada de forma deliberada, a tentar macular a honra pessoal e a integridade profissional dos votantes. A pecha que se tentou colocar é inaceitável. Não cabe, nem poderia caber. Por fim, a via judicial está aí, à disposição de qualquer um que respeita o contraditório.
* É professor do Departamento de Direito da UFS