Por Antônio Samarone *
No final de 1960, a UDN dominava a violência política em Sergipe.
Em Itabaiana, o líder era um maioral da linha de frente. A guarda municipal confundia-se com a jagunçada pessoal da autoridade.
As histórias de violência, mesmo escabrosas, obedecia ao modo de vida rural, tinha os seus limites e circunstâncias.
Certa feita apareceu em Itabaiana um Fiscal de Renda Federal, concursado pelo DASP integro, e começou a fiscalizar as lojas, bodegas, padarias e armazéns. Foi um desespero.
A lei era uma desconhecida na Villa de Santo Antonio e Almas.
A reação foi imediata: os perseguidos saíram em romaria, cobrar providências ao chefe político.
O finado mandatário agiu de pronto. Mandou chamar o fiscal mal-assombrado. Levou um susto, o temível agente da lei era um homem franzino, penso de um lado e ainda arrastava uma perna. Fisicamente, um nada, não pesava 40 quilos.
O Chefe Político foi direto: meu senhor, recebi várias reclamações de correligionários, não aceito essa perseguição. O Fiscal não se abalou: excelência, estou apenas cumprindo a lei.
Seu Anacleto, o fiscal novato, era do Sul de Minas Gerais, e não conhecia a política em Sergipe.
A resposta foi tida como um desaforo.
Passado o episódio, o Fiscal Anacleto continuou na mesma passada, metendo a caneta.
O Chefe Político perdeu a paciência e mandou chamar “Dorme Sujo”, um capanga bruto e sanhoso, e fez-lhe uma encomenda: “tome aqui cem contos, eu quero que você dê uma surra nesse fiscalzinho de merda. Não precisa matar, é só um corretivo.”
O líder se apressou em avisar aos amigos a providência tomada.
O tempo foi passando, e nada. Anacleto continuava metendo a caneta em todo mundo.
O que houve? Perguntava a sociedade civil itabaianense, surpresa e ansiosa por resultados.
O Chefe chamou Dorme Sujo e cobrou: afrouxou cabra ruim, esqueceu o nosso trato? Dorme Sujo, que não era homem de duas conversas, explicou: doutor, o homem é um Zé Ninguém, e não aguenta uma surra de cem contos. O senhor disse para não o matar.
Homem, deixe de ser burro, disse o Coronel aos berros: bastava dar-lhe uns puxavantes, para fazer medo no nojento. Doutor, eu não sou bom nisso, não sei alisar ninguém.
Dorme Sujo, vou lhe dar uma última chance: além dos puxavantes, aplique-lhe 6 cascudos, 3 beliscões no buxo, um azunhão nas costas, 2 anjinhos no polegar direito, 4 malacas em cada orelha e 3 cocorotes. Dessa vez, não aceito desculpas.
O Coronel era adepto de uma filosofia itabaianense antiga: “dinheiro e pancada só não resolvem quando é pouco”. Mesmo assim, dizia de boca prá fora: “Mas basta uns corretivos de vez em quando”.
“Nada de espancamento, morte, sumiço, linchamento, mata leão, esquartejamento, nada disso, aqui em Itabaiana não aceito violência”, bradava o Coronel nos palanques.
Nunca mais se ouviu falar no Fiscal Anacleto. Dizem, que foi transferido para Montes Claros, no Norte de Minas.
“A violência é a parteira da história.”
* É médico Sanitarista e professor da Universidade Federal de Sergipe.