Por Antônio Samarone *
Vital José da Lapa nasceu em 15/01/1899, no Sobrado, à época, município de Itabaiana. (hoje, Macambira). Filho de camponeses. Logo cedo estabeleceu-se com um armazém de secos e molhados, em Itabaiana.
Vital da Lapa era casado com Dona Juvência Emília da Lapa (Dona Sinhá). Casaram-se em Macambira, em 06 de fevereiro de 1923. Constituíram uma família numerosa: 6 homens – Antonio, Manuelino, Cosme, José, Ataíde e Alonso; e 7 mulheres – Veronica, Madalena, Bernadete, Maria de Lourdes, Julia, Cecília e Josefa.
Na vida política, Vital da Lapa foi Vereador em Itabaiana, e acompanhava Manoel Teles, líder local do PSD.
A chegada da UDN ao poder em Sergipe (1955), ocorreu a ascensão política de novos ricos (fazendeiros e comerciantes) não nascidos de famílias oligarcas, dos donos do cabau e dos engenhos.
Em Itabaiana, a ascensão do líder udenista, foi um caso típico. Euclides Paes Mendonça era a maior liderança da UDN no Interior.
Após a vitória de Leandro Maciel (1955), “o emprego mais rendoso no Brasil será o de coveiro em Sergipe”, disse Adauto Cardoso, um liberal da UDN, citado por LEC, em seu livro.
Euclides Paes Mendonça foi um exemplo do “novo” Coronel. Líder de origem humilde, filho de pequenos camponeses da Serra do Machado, que por talento e ousadia assumiu o comercio de secos e molhados do agreste sergipano e virou o chefe político. A ordem pode ter sido inversa.
Um líder sem limites, que quando se viu acobertado pelo poder público, excedeu-se em violências e abusos. Botou famílias tradicionais de Itabaiana, que não se submetiam aos seus caprichos, para correr da cidade.
A UDN usou e abusou da mesma violência dos tradicionais senhores semifeudais, que dominavam o latifúndio açucareiro em Sergipe.
Vital da Lapa teve o seu corpo martirizado, silenciado, o rosto marcado com as brasas de um charuto, exposto como espetáculo, para servir de exemplo e amedrontar os demais insubmissos.
O líder da UDN não mandou terceiros, não transferiu o serviço para os jagunços, ele próprio, apagou um charuto no rosto de Seu Vital da Lapa.
Vital da Lapa foi intimado a comparecer no armazém do Coronel, onde lhe foi feita uma exigência: ele precisava de mudar de lado, deixar o PSD e apoiá-lo. Naquele tempo a proposta era uma afronta e não foi aceita.
Após gritos e desaforos, ameaças e xingamentos, Euclides Paes Mendonça cravou um charuto aceso na face esquerda de Vital da Lapa. Ferrou um adversário político, como se ferra um boi no pasto.
Aquele cidadão, de família descente, gente nascida e criada em Itabaiana, com a admiração e respeito daquela sociedade rural, gente que venceu no comercio, com o seu sortido armazém, sem precisar dos contrabandos e da violência, foi publicamente martirizado.
A dor era usada como meio de dominação política, mesmo assim, a dor moral suplantou a dor física. Vital da Lapa foi abatido pela humilhação.
Euclides sabia que não dobraria Vital da Lapa só na pancada, por isso apelou para a humilhação. Nasci e cresci em Itabaiana ouvindo essa história.
Vital da Lapa além de Vereador do PSD (“rabo-branco”), politicamente ligado a Manuel Teles, era um comerciante bem-sucedido. Talvez essa concorrência comercial, deixasse Euclides mais aborrecido que a simpatia política da vítima.
Vital da Lapa sempre fez uma oposição respeitosa a Euclides Paes Mendonça, como era regra naqueles tempos. A maior ameaça de Seu Vital era o seu bem-sucedido armazém, bem localizado, que disputava o mercado com quem queria o monopólio.
A guerra política em Itabaiana na década de 1950, era a consequência da guerra comercial, e controlar o fisco era uma arma decisiva. O contrabando permitido, desequilibrava a concorrência comercial.
Depois do rosário de perseguição do fisco, humilhações, violências, ameaças de morte, Seu Vital da Lapa resolveu ir embora.
“Corpos martirizados são insígnias do Poder. A dor é um meio de dominação” – Chu-Han
Em 1958, Vital José da Lapa vendeu o que tinha, desarrumou a vida, e partiu para recomeçar a vida em terras estranhas, com o intuito de criar os seus filhos com dignidade. Mudou-se para São Caetano do Sul, São Paulo, e os seus descendentes por lá continuam.
Ele não gostava de relembrar a face queimada por um algoz violento, covarde, impiedoso, para não entristecer a família. Vital da Lapa não pode ser apagado da memória dos que lutam por justiça.
Itabaiana foi a sua grande saudade. Morreu amando a sua terra, de onde foi expulso pela brutalidade política da UDN.
Vital da Lapa, um homem alegre, bem-humorado, contador de estórias, politizado, digno, voltado para a família, precisou migrar para terras distantes.
Vital José da Lapa faleceu em 27 de outubro de 1981, aos 82 anos, em São Caetano, São Paulo.
A minha homenagem aos que resistiram dignamente à violência política, sem transigir.
* É médico sanitarista