Por Antônio Samarone *
No pós Segunda-Guerra (1945), Itabaiana era o celeiro de Sergipe. Um burgo de campesinos e artesões. Na concepção marxista, não existia uma classe operária.
Mesmo assim, em Itabaiana…
O ourives João Océa, o mestre padeiro João Barraca, os sapateiros José Martins e Faustino Menezes, o alfaiate Nilo Carvalho, o maestro João de Matos, o médico Renato Mazze Lucas, o camponês Zeca Cego e o comerciante Antonio Oliveira (Tonho de Doci), se reuniram num puxadinho da casa de Zezé da Requinta, cantaram a Internacional e fundaram o Comitê Municipal do Partido Comunista (PCB).
Eram poucos, não fizeram a revolução, não mudaram Itabaiana, nunca elegeram um vereador, mas quem contar a história dos ceboleiros e não falar deles, estará mentindo. (parodiando Gullar)
Lutaram pela paz, pela nacionalização do petróleo e pelo socialismo. Fundaram, a 30 de agosto de 1948, a Sociedade Beneficente dos Trabalhadores de Itabaiana, o “Clube do Trabalhador”, com escola, atividades recreativas e salão de danças, onde brinquei o carnaval na infância, ao som dos frevos de Capiba.
A primeira Diretoria do Clube do Trabalhador foi Nilo Carvalho, Presidente; João Océa, Secretário e José Martins, Tesoureiro.
Em 10 junho de 1950, os comunistas fundaram o GLEI (Grêmio Literário e Esportivo de Itabaiana), iniciativa do médico Renato Mazze Lucas. O GLEi organizou o primeiro time de voleibol na cidade.
Depois de 1964, o GLEI ficou sob o comando de Chico do Cantagalo.
Na antiga sede social do GLEI, funciona atualmente o Rotary da cidade, e onde eram as instalações esportivas, na esquina do Tanque do Povo, funciona um grande estabelecimento comercial.
Eram chamariscos, iscas para atrair (sem sucesso) os trabalhadores para a revolução.
Como disse Luciano de Oliveirinha (“Cibalena”), em seu discurso de posse, na Academia Itabaianense de Letras:
“Naquele tempo, toda pequena cidade tinha seus comunistas municipais. Eram comerciantes, sapateiros, mecânicos; eram casados e pacatos; no domingo, iam ao cinema com a família; batizavam os filhos, casavam-se na igreja, chamavam o padre (de quem, aliás, eram amigos) na hora de dar a extrema-unção aos seus moribundos. E eram comunistas! Admiravam a União Soviética e sonhavam com a revolução que resgataria o Brasil do subdesenvolvimento e da injustiça.”
Em 20 de agosto de 2021, próxima sexta-feira, comemora-se o centenário de nascimento de João Océa.
João Francisco Océa (1921 – 2000), natural de Limoeiro, Alagoas, nasceu à 20 de agosto de 1921. Filho de José Francisco de Océa e de Dona Emília Océa.
Seu João Océa foi um comunista municipal, em Itabaiana e São Cristóvão.
Por conta da perseguição policial aos vermelhos, o seu pai, José Océa, migrou para Sergipe, indo lavrar a terra em Cumbe. Em busca de empregos para os filhos, na velha fábrica de tecidos de Pedro Amado, a família mudou-se para São Cristóvão, na década de 1940.
Seu João Océa herdou do pai a profissão de ourives e o credo comunista. José Océa, o pai, ingressou nas hostes revolucionárias na Intentona de 1935.
Durante os anos de chumbo do Regime Militar, João Océa, um homem pacato, viveu na semiclandestinidade, escondido, nas sombras. Em 1976, durante o Governo Geisel, ele foi preso e barbaramente torturado.
Para lavrar o ouro, João Océa foi trabalhar em Itabaiana no início da década de 1950, na ourivesaria de Antonio Lobo, filho de Joaozinho Retratista. Depois, João Océa mudou de profissão e estabeleceu-se como relojoeiro.
João Océa trabalhava numa pequena oficina, no beco de Sinhozinho Dutra, perto da feira. Um homem alto, de feições sofridas, com um monóculo assentado no olho direito, mexendo e remexendo as minúsculas engrenagens dos relógios de corda.
Foi lá que eu troquei a mica arranhada do meu primeiro “Seiko”, por uma mica de safira. Essa é uma lembrança fixada na memória. Nesse tempo, aos 15 anos, eu já trabalhava no armazém de cereais de Niu.
Colocar tudo em ordem, ajustar os relógios para nem atrasarem nem adiantarem, era uma atividade quase mágica. Naquele tempo, só os fidalgos andavam de sapato e meia e relógio na algibeira. Os relógios de pulso são mais recentes.
A profissão de relojoeiro, se é que ainda existe, perdeu o charme e a clientela. Hoje se troca apenas a bateria. Os relógios são automáticos, como dizem os camelôs da Rua José do Prado Franco.
João Océa casou-se em 1944, com Dona Odília Teixeira de Jesus, constituindo uma família exemplar: Moises, Miriam, Hamilton, Zélia e Débora.
João Océa foi um cidadão admirável. A cidade serrana conhecia o seu comunismo, mesmo sem saber direito do que se tratava. Todos os respeitavam, pela firmeza de caráter.
Nas idas e vindas diária para o trabalho, João Océa andava a passos largos, imponente, sério, cabeça erguida, pelas calçadas malcuidadas de Itabaiana. Nunca arrumou encrencas com ninguém.
João Océa, um comunista respeitado por todos!
João Océa faleceu em 01/11/2000, fiel a doutrina marxista. Foi sepultado no dia seguinte, em São Cristóvão.
* É médico sanitarista