Por Antonio Samarone *
Nas antigas civilizações a epilepsia era tida com um “morbus sacer” (doença sagrada). Depois tornou-se uma doença psiquiátrica.
No início do século XX, os epilépticos eram agrupados com os insanos, nos manicômios.
Hipócrates negou o caráter sagrado da epilepsia. O pai da medicina acreditava que a epilepsia se originava no cérebro. Um fleugma era secretado (pituita) e passava para os vasos sanguíneos, onde encontrava o pneuma (princípio da vida). A obstrução resultante desse encontro desencadeava as convulsões.
Para a medicina grega, a epilepsia era um transtorno humoral.
Na idade média, os epilépticos eram temidos e rejeitados, com a suspeita de serem endemoniados. A epilepsia era considerada uma doença contagiosa, por isso o medo do contato com a baba dos doentes, durante as crises convulsivas.
Na Idade Média a epilepsia tornou-se um “morbus demoniacus”. A epilepsia era vista como uma punição por algum pecado ou falta grave. Outros atribuíam ao vicio solitário.
César Lombroso (1836 – 1909) relacionou a epilepsia ao crime. Outros atribuíam aos epilépticos genialidade e dotes sobre humanos. Segundo Aristóteles, Hercules padecia do mal sagrado.
Houve uma mitologização dos gênios epilépticos.
A história regista a presença de epilepsia em alguns heróis: Alexandre, o Grande: Júlio César; São Paulo; Maomé; Petrarca; Pedro, o Grande e Napoleão Bonaparte. São os epilépticos mais famosos.
Alguns artistas e cientistas conhecidos: Buffon; Flaubert; Dostoievski; Helmholtz, Van Gogh e Machado de Assis foram epilépticos notórios.
“Os escritos de Machado ao amigo Mário de Alencar, já às portas da morte, da melancólica solidão de seu quarto de enfermo, permitem uma perfeita analogia com a personalidade de Gustave Flaubert, escritor francês, que também sofria de epilepsia: “Meu querido amigo, hoje à tarde reli uma página da biografia de Flaubert; achei a mesma solidão e tristeza e até o mesmo mal, como sabe, o outro…”.
Machado de Assis foi paciente do famoso clínico Miguel Couto. Os detalhes da sua doença são bem conhecidos.
“Dostoievski escreveu com admirável perspicácia sobre a aura extática, um evento raro durante o qual durante o qual um epiléptico do lobo temporal, nos momentos de êxtase, antes de uma convulsão, tinha a sua inteira atenção convergindo para temas transcendentais com Deus e a morte.” – Roy Porter.
“Eu realmente toquei Deus. Ele veio sobre mim, sim, Deus existe, eu gritei, e não lembro de mais nada. Todos vocês, pessoas saudáveis… não podem imaginar a felicidade que nós epilépticos sentimos durante o segundo antes de nossos ataques. Maomé, em seu alcorão, disse que havia visto o Paraiso e nele penetrado.” – Dostoievski.
Somente no final do século XIX, a medicina suspeita de descargas elétricas irregulares como causa da epilepsia. A epilepsia passou para o campo da neurologia, e as manifestações psiquiátricas se tornaram complicações.
John Hughlings Jackson (1835-1911), é considerado o “Pai da epilepsia”. O seu conceito de epilepsia foi revolucionário numa época em que ainda se desconhecia a base eletroquímica da transmissão nervosa.
Jackson descreveu que as crises epiléticas teriam origem no córtex cerebral, na sequência de uma “descarga” de energia neuronal nos neurónios corticais.
A medicina “desvendou” a epilepsia, e conseguiu um controle eficaz. Não mais existirão os Dostoievskis?
Para os interessados, existe um clássico sobre a história da epilepsia: “The Falling Sickness”, de Owsei Temkin. Recomendo a leitura.
* É médico sanitarista