Por Antonio Samarone *
Pedro Devoto era mestre na tesoura, no casear, franzir, coser, chulear e rematar. Alfaiate afamado do agreste de Sergipe ao sertão da Bahia.
Pedro dominava todos os tipos de pontos: ponto corrido, ponto duplo, ponto deitado, ponto de casamento, ponto atrás, ponto direito, ponto cobertor e ponto espinha.
Além de bons ternos, mestre Pedro era especializado em batinas. Vinham padres de longe, encomendar batinas em Itabaiana. Havia um detalhe, ele se acanhava em cobrar à padres. Como somente os padres usavam batinas, só pagava quem quisesse.
A vingança de Pedro Devoto era fofocar aonde chegasse: “sabe aquele padre de Jeremoabo? É velhaco até a alma.”
Conheci Seu Pedro Devoto bem velhinho, baixo, invocado, estabelecido à Av. Rio Branco, vizinho a farmácia de Oliveirinha.
Na entrada do seu “atelier” tinha uma pequena escadaria, onde eu me sentava de vez em quando, para ouvir as suas tiradas filosóficas. Ele preferia chamar de profecias laicas.
Pedro Devoto portava com frequência um solidéu preto, próprio dos abades. O solidéu do Papa, como se sabe, é branco.
Pedro Devoto nunca se interessou por política. Ele não acreditava em um futuro melhor. “O bom já passou”, falava Pedro. Ele não acreditava no progresso, dizia ser uma propaganda do iluminismo, uma tapeação da burguesia francesa.
Pedro Devoto era um conservador ilustrado, um Steve Bannon de província. Um autodidata, que devorou a biblioteca paroquial. Um homem cético, por princípio.
Pedro guardava na gaveta da máquina de costura, um livro desencapado de René Guénon, “La crise du monde moderne”. O livro era escrito em francês e foi surrupiado da biblioteca da igreja. Para quem não lembra, Guénon é guru de Olavo de Carvalho.
“O passado é o nosso futuro!” Era o axioma predileto de Pedro Devoto.
Ele achava que o tempo é cíclico, e sempre retorna. Existe a idade de ouro, dos sacerdotes; a idade de prata, dos guerreiros; a idade de bronze, dos comerciantes e a idade das sombras, dos escravos.
Pedro Devoto foi, ao seu tempo e na sub periferia do mundo, um tradicionalista.
Rememorando as profecias de Pedro Devoto, percebo as origens dos discursos políticos atuais. A direita populista tenta se apropriar superficialmente da doutrina tradicionalista.
Prometo continuar puxando pela memória e contar parte do que ouvi de Pedro Devoto e, por não entender, achava que o mestre alfaiate delirava, em suas profecias.
Hoje, suponho que Pedro era um tradicionalista de poucas leituras, mas que assimilou o essencial da exótica doutrina. Pedro era visto em Itabaiana como um “esquisitão”.
Em tempo: Benito Mussolini também foi um admirador do pensamento tradicionalista.
Entretanto, para que não pensem que estou associando Pedro Devoto ao fascismo, ele nunca vinculou as suas crenças mal assimiladas a nenhuma ideologia política.
Em Itabaiana, a política era um conflito entre coronéis, na disputa comercial pelo controle dos armazéns de secos e molhados (futuros supermercados).
A política era um vale tudo e a ideologia, comandada pelo bolso.
* É médico sanitarista