Por Antônio Samarone *
“Quem controla o passado, controla o futuro”. – George Orwell
Nomear é uma forma de poder. Entre as dificuldades dos pobres, achar um nome bonito para botar nos filhos é uma delas. O menino está para nascer e os pais não sabem como chamá-lo.
Antigamente se botava o nome do Santo dia. Não existia o Google. Se usava a Folhinha do Sagrado Coração de Jesus (calendário) que trazia o nome do Santo, de cada dia.
No meu caso, usando a folhinha, 15 de dezembro é dia de Santa Cristina, pouco conhecida em Itabaiana.
Como já contei, Mamãe era organizada, sempre soube que o seu primeiro filho receberia o nome de Santo Antonio. E assim foi feito.
Recebi o nome de batismo de Santo Antonio (Fernando), e nome do Santo enquanto Frade menor da ordem franciscana de Coimbra (Antonio). Ao nascer, fui Antonio Fernando. Depois, recebi a vulgar alcunha de Samarone. Essa é uma estória comprida e sem graça.
O meu amigo Luciano de Oliveirinha (Cibalena), tem insistido que eu conte essa estória sem graça. Então vamos lá…
Meu pai foi ao cartório para me registrar: Antonio Fernando de Santana. Simples, como mamãe decidiu. Mas ele não anotou (não sabia ler) e esqueceu do “Fernando” de casa para o cartório. O tabelião insistiu, Antonio de quê? E nada. Meu pai se afobou e resolveu por conta própria: deixe só Antonio. Fui legalmente registrado apenas como Antonio de Santana. Por esquecimento.
E agora? Quando mamãe soubesse botaria ele para fora de casa. Mamãe era mandona, a última cepa das matriarcas de Itabaiana. Lá, vigorava o matriarcado.
Papai só teve uma saída, não contou. Mamãe perguntou, tudo certo? E ele, tudo! Entregou o registro cheio de carimbo, dobradinho, e mamãe guardou no fundo do baú. Não conferiu, mesmo porque tabelião não erra.
Me tornei, para todos, Antonio Fernando de Santana. No Beco Novo, eu era o Fernando de Dona Lourdes. O padre Heraldo me batizou como Antonio Fernando de Santana. Matriculei-me na Escola do Padre, como Fernando.
Aos 11 anos, passei no Exame de Admissão e fui me matricular no Colégio Murilo Braga. Entre os documentos exigidos constava a certidão de nascimento. Finalmente, precisei desse documento. A essa altura, mamãe já tinha parido mais dez filhos, com sete vivos.
A merda estava feita, não existia o meu registro no baú. Mamãe encontrou um nome desconhecido: Antonio de Santana. Papai saiu de casa de fininho. Mamãe teve que levar o que tinha. Será se não botaram Fernando? 0nze anos depois, papai estava perdoado.
Na hora da matrícula, a Diretora, Maria Pereira, tinha sido minha professora na Escola do Padre, e não queria aceitar o registro de Antonio de Santana. Foi muita explicação.
Resumindo, virei Antonio de Santana aos 11 anos.
Se chamar Antonio em Itabaiana é lugar comum. Como diz João Cabral: “O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria.”
Já taludo, sonhava ser jogador de futebol. Torcedor do Fluminense, cabelos aloirados, me apelidaram de Samarone. Para que mentir, eu gostei. Me livrei de Tonho de Lourdes ou de Tonhão, e ajudou a alimentar o sonho.
Daí veio a parte inconfessável. Já formado, me meti em política. Precisava ter um nome conhecido e sonoro. Procurei um advogado, Dr. Rooselvet, que mentiu para o juiz, alegou que Samarone ser apenas apelido atrapalhava o meu trabalho como médico. O Juiz, um gozador, riu e deu o veredicto no corredor.
Virei Antonio Samarone numa canetada.
A Alma continua Antonio Fernando de Santana, é nome de batismo. No Juízo Final, é assim que vou prestar conta. São Pedro não aceita nome de cartório, vale o batistério.
* É médico sanitarista