Por Afonso Nascimento *
A intenção deste pequeno texto é resgatar o trabalho político de Marcelo Déda Chagas como militante estudantil de Direito. Já se passaram oito anos desde a sua morte em 2013, vitimado por um câncer no pâncreas aos cinquenta e três anos. Muito jovem, portanto. Não tenho interesse em demonizá-lo ou, muito menos, santificá-lo. Para mim, Déda foi um político da esquerda moderada. Qualquer que seja o seu legado, não será discutido aqui. O objetivo é centrar a bateria nos processos e ações que prepararão Déda ao longo de sua vida estudantil para a política.
Os pais de Marcelo Déda não eram políticos. É fácil fazer uma racionalização e dizer que a sua inclinação para a política veio de seu avô materno, que foi deputado estadual por três vezes – porém sem ser um político de esquerda. Isso certamente pode ter gerado uma disposição em Déda para ingressar na política. Marcelo Déda foi deputado estadual, elegeu-se deputado federal por duas vezes e também conseguiu dois mandatos de prefeitos e dois outros de governador de Sergipe. Teve uma carreira de vinte e quatro anos, mais ou menos.
Começou a sua militância estudantil enquanto aluno do Ateneu Sergipe, a qual foi continuada na Faculdade de Direito da UFS. No Ateneu, o adolescente de classe média parecia mais interessado nas artes do que propriamente na política. Com efeito, os seus maiores interesses eram a literatura e o cinema. De acordo com a sua primeira esposa Bel Barreto, Marcelo Déda era alguém que lia muito e o seu tipo de leitura favorito eram as biografias. Esse “mauricinho” escrevia poemas e para onde ia levava a sua câmera Super 8 para fazer filmagens.
Disputou uma eleição para a presidência do Grêmio Clodomir Silva, sendo derrotado. Giselda Cardoso, sua vice-presidente no DCE, me informou que fez militância política com ele no Ateneu. Ela relatou que Marcelo Déda participou da greve de 1979 e do movimento de protesto contra a compra de novos uniformes exigidos pela direção da escola. Os estudantes secundaristas não compraram uniformes novos, mas foram obrigados a tomar parte, mesmo assim, do desfile do 7 de Setembro. Nesse período de escola secundária, Déda ainda não era nenhuma liderança expressiva.
Quando entrou para a Faculdade de Direito, as suas inquietações e ambições políticas se tornaram bem mais fortes. Parecia saber o que queria. Segundo Goisinho, ele dizia ter admiração por seus companheiros Milson Leite Barreto Filho e Clímaco César, dois ativistas estudantis de peso. Em minha opinião, Marcelo Déda usou legitimamente o espaço da faculdade de direito e da UFS como lugares de preparação para o seu futuro na política. O seu cálculo político parece orientá-lo no sentido da ocupação dos postos de representação estudantil disponíveis. Ele queria estar no meio daqueles que mandavam dentro da UFS. No ano de sua entrada na Faculdade de Direito da UFS, 1980, Déda ocupou o cargo de secretário do Centro Acadêmico Sílvio Romero. Em 1981 e 1982, Déda foi respectivamente vice-presidente do DCE de seu companheiro Chico Buchinho e presidente do DCE.
Ele foi além desses postos. Também foi membro do Conselho Departamental da Faculdade de Direito e dos conselhos superiores da UFS, ou seja, o Conselho Universitário (CONSU) e o Conselho de Ensino e Pesquisa (CONEP). Tais conselhos incluem representação minoritária de estudantes enquanto pares de professores e são formas de representação estudantil que permitem ao aprendiz de político aprender certas habilidades necessárias ao ofício de político profissional que ele foi. Por exemplo: dar pareceres em processos, fazer discursos, protestar, escrever atas, articular-se para votações, participar de comissões, comandar reuniões, fazer reivindicações, debater questões, fazer a defesa de interesses de estudantes junto ao departamento, etc. Mas, atenção! Essas habilidades, válidas para todos os cursos, não elegem ninguém!
De acordo com sua primeira esposa – que esteve com ele durante a sua vida universitária-, ela não teve dúvida de que ele enveredaria pelos caminhos da política. Nessa época de estudante universitário, ele já era um bom orador. Tinha “um dom” para a oratória, que foi aprimorado da escola secundária à universidade. Além disso, Déda tinha um bom papo, era uma figura extrovertida e circulava entre grupos de esquerda, de direita e de centro. Era alguém que gostava de festas, de beber e de cantar. Segundo opinião generalizada, era um tipo muito vaidoso.
Ainda durante a passagem do Marcelo Déda pela UFS, ele chegou a perder disciplinas por causa de seu envolvimento em ações políticas, mas conseguiu se graduar no prazo de quatro anos. Como exemplos do que estou a falar, Bel Barreto relatou que Marcelo Déda, mesmo sem ser comunista foi a Salvador, em 1979, acompanhar a volta de Luiz Carlos Prestes do exílio na União Soviética. Voltou à capital baiana, também em 1979, para participar do congresso de reabertura da União Nacional dos Estudantes (UNE), não deixando de ir em seguida a Piracicaba, no interior de São Paulo, onde, em 1980, ocorreu a eleição da diretoria da UNE.
Na condição de liderança estudantil, tomou parte em diversos acontecimentos políticos em Sergipe. Durante seu mandato de presidente do DCE, em 1979, Marcelo Déda esteve à frente do grupo de estudantes que foi ao Hotel Palace, onde estava hospedado Rubem Ludwig, um dos ministros da Educação do general João Batista Figueiredo. Os estudantes foram reivindicar que Javier Alfaia, presidente da UNE (entidade de representação nacional dos estudantes não reconhecida pela ditadura militar), não fosse expulso do Brasil. Alfaia tinha nascido na Espanha e ainda criança tinha vindo morar em Salvador, na Bahia. Enquanto presidente do DCE, Déda e seu grupo se aproximaram do lado dos trabalhadores sem teto da Coroa do Meio em conflito com a Prefeitura de Aracaju, então comandada por Heráclito Rollemberg Guimarães. Numa reunião ocorrida no prédio da Prefeitura, no centro de Aracaju, Déda e seus colegas se desentenderam com o prefeito que expulsou o grupo de seu gabinete. Corre por aí uma versão distorcida segundo a qual teria havido agressão física de um dos lados.
Marcelo Déda teve um papel relevante no processo que levou à fundação do PT em Sergipe, buscando eleitores para filiar-se ao novo partido. Foi nesse trabalho que ele conheceu, aliás, a sua primeira esposa, bem como o metalúrgico Lula Inácio da Silva que se tornaria presidente do Brasil. Em 1980, quando Lula foi preso pelo regime militar depois das greves do ABC paulista, Déda esteve entre os militantes sergipanos que arrecadaram fundos para enviar à família de Lula, que estava tendo dificuldades financeiras.
Antes mesmo de terminar o seu curso de Direito, Marcelo Déda se candidatou a deputado estadual. Diversos parentes e amigos o aconselharam a terminar primeiro os seus estudos para só depois ingressar na política. Nada disso o demoveu de seu propósito entrar na competição eleitoral de 1982. Essa decisão teve um pouco a ver com a sugestão do PT e com a vaidade do próprio Déda. Deu com os burros n´água, mas passou a ser conhecido em outros espaços fora da UFS. Por outro lado, como se tornou pai ainda enquanto estudante, fez concurso e foi aprovado para escriturário do CREA em Sergipe.
Na fase de sua vida de estudante de Direito, Marcelo Déda nunca esteve ligado a nenhuma organização política clandestina. Ideologicamente, aproximou-se do marxismo democrático de Gramsci, o que teria acontecido por influência do cientista político Ibarê Dantas, com quem fez um curso sobre teoria política. A adoção desse tipo de pensamento político não estava em contradição com sua formação religiosa de uma pessoa que foi coroinha na sua infância. Era um homem de fé católica. Sobre esse ponto, confesso que me chamou a atenção uma declaração de Marcelo Déda, já bem perto de ser levado pelo câncer que o destruiu. Ele disse que era um homem temente a Deus e que, apesar da doença que o consumia, nunca tinha levantado a voz contra Deus. Espero que esteja em um bom lugar.
* É professor de Direito da Universidade Federal de Sergipe