Por Antonio Samarone *
Às vésperas do feriado da República, fui à minha peixaria preferida, aqui no Mosqueiro. Deparei-me com uma situação inusitada e reveladora dos tempos sombrios em que vivemos.
Do lado interno do balcão, um freguês sem camisa falando alto e fazendo exigências descabidas, botava defeito nos peixes. Abria e fechava o freezer do estabelecimento à procura de uma mercadoria à altura de sua importância social.
O proprietário assistia calado à performance do grosseiro freguês.
Com a minha chegada, o tal sujeito mudou o foco da sua fala. Imotivadamente, disparou: “Eu odeio comunista, não me sinto bem na presença deles. Comunistas fedem.”
Eu pensei, só pode ser comigo, que acabei de chegar.
Fiquei na minha. Calado cheguei, calado permaneci. Não botei a carapuça! Entretanto, ele não parava de ofender o alvo.
Fisicamente, era um sujeito deformado: atarracado, sanhudo, ventre flácido, olhar inexpressivo e uma corrente grossa de ouro no pescoço, como sinal de riqueza. Ele estava acompanhado, com a família. Fora da Peixaria, um carro do ano com som em alto volume, tocava músicas bregas.
O sujeito era de uma penúria moral acintosa.
Confesso, em certo momento os meus instintos itabaianenses afloraram. O cão atentou: basta um sopapo no pé do ouvido. Basta um! Mas a vida já me deu prudência: Nada! Deixe esse verme falar só. Lembrei-me dos conselhos de mamãe.
O elemento foi embora. Não sei quem era e nem quero saber.
Observei um detalhe: no vidro traseiro do carro dele tinha um velho adesivo: “O Brasil acima de todo e Deus acima de todos.” Claro, uma coincidência.
Outro fato estranho: depois da saída do valente, ninguém na Peixaria tocou no assunto. Era como se nada tivesse acontecido.
O povo em sua sabedoria, sabe o que tem e o que não tem importância.
Deus salve o Brasil!
* É médico sanitarista