Único bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga já perdeu 45% da sua cobertura original, uma ameaça progressiva para as espécies que dependem dela. Parte da solução para frear a perda de vegetação e sua consequente perda de biodiversidade é investir na restauração. É necessário, entretanto, concentrar e potencializar esforços. Com isso em mente, pesquisadores mapearam as áreas prioritárias para restauração na Caatinga com base na resiliência e conectividade da paisagem, e no valor de conservação da biodiversidade, com foco em espécies de plantas endêmicas (que ocorrem apenas na Caatinga) ameaçadas.
Existem mais de 3 mil espécies de flora na Caatinga, sendo 702 endêmicas, ou seja, que ocorrem apenas no bioma. Dessas, 350 são consideradas ameaçadas de extinção e estão sob risco de desaparecer diante da destruição do bioma.
O estudo foi publicado no periódico científico Journal of Applied Ecology e é assinado por seis pesquisadores que representam as universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e do ABC (UFABC), da Universidade de São Paulo (USP) e da World Resources Institute (WRI – Brasil).
Cobertura fragmentada
Atualmente, a cobertura remanescente de vegetação está espalhada em mais de 47 mil fragmentos. A pecuária e as plantações de pequena escala disputam espaço com a Caatinga, que apenas em 2020 perdeu mais de 61 mil hectares de vegetação nativa. Extração de madeira, crescimento urbano desordenado, fogo, caça e outros completam uma lista que ameaça ainda mais a frágil existência da maioria dos fragmentos remanescentes de Caatinga.
“Ações de restauração podem deter a perda de biodiversidade e resgatar seus serviços. No entanto, para serem eficazes, as áreas prioritárias para restauração devem ser escolhidas com base no planejamento objetivo de restauração em larga escala”, destacam os pesquisadores em trecho do artigo.
O estudo analisou 10.406 bacias para captação de chuva na Caatinga. De acordo com os cientistas, a escolha das bacias como pontos focais é porque em ambientes áridos, a água é um dos principais impulsionadores para existência de plantas e processos ecossistêmicos. Além disso, a restauração pode ajudar a resgatar serviços ecossistêmicos como retenção e purificação de água, retenção de nutrientes e controle de erosão.
Áreas de baixa resiliência
As bacias foram classificadas em três categorias de resiliência (baixa, intermediária e alta) com base na porcentagem de cobertura vegetal natural e na conectividade interna. Os pesquisadores selecionaram então as bacias de resiliência intermediária, consideradas aquelas onde a restauração representa uma melhor relação custo-benefício. Ao todo, 3.739 bacias, o equivalente a 36% do total, foram classificadas como resiliência intermediária.
Depois, essas áreas foram categorizadas de acordo com sua contribuição para a conectividade externa, entre as bacias; e seu valor para a conservação da biodiversidade (riqueza de espécies de plantas endêmicas e ameaçadas dentro da área).
Ao combinar todos os critérios, o mapeamento indicou 939 bacias como de alta prioridade para a restauração, cerca de 9% do total; e apenas 86, menos de 1%, como prioridade máxima para restauração – com mais de dez espécies de plantas ameaçadas e consideradas essenciais para a conectividade da paisagem e deslocamento da fauna. Em um dos casos, uma única bacia avaliada pelo estudo possuía 106 espécies de plantas endêmicas e ameaçadas.
Chapada Diamantina
As áreas prioritárias para restauração estão bem distribuídas na paisagem da Caatinga, no entanto, áreas de alta prioridade tendem a ser mais comuns na região oeste, particularmente nos estados da Bahia e Piauí. Os pesquisadores reforçam que deve ser dada atenção especial à ecorregião da Chapada Diamantina, um centro de diversidade e endemismo. O estudo destaca ainda que apenas 8% das áreas prioritárias para restauração estão dentro de unidades de conservação.
“A rede estabelecida de áreas protegidas na Caatinga necessita de iniciativas de restauração. Muitas áreas protegidas, principalmente as de uso sustentável, sofreram com a perda de habitat e necessitam de restauração para cumprir sua finalidade original. No entanto, nossos resultados apontam que 90% da área designada como alta prioridade para restauração está hoje em terras privadas. Isso destaca a importância do cumprimento do Código Florestal Brasileiro para garantir a manutenção a longo prazo da flora endêmica da Caatinga. Além disso, nossos resultados demonstraram que existe uma sobreposição desejável entre as áreas prioritárias de restauração propostas e as áreas prioritárias para conservação, deixando clara a sinergia entre as ações de restauração e conservação”, explicam os autores da pesquisa.
Fonte Portal O eco (Foto: Carlos Roberto Fonseca/Divulgação)