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Saudades de Sarney

Em conversa com um amigo, na semana que passou, sobre os acontecimentos desde a eleição de 2014 – que se confundem,  influenciam e, principalmente, potencializam exponencialmente a crise  econômica -, chegamos à conclusão de que com  Sarney e ACM no Congresso, as coisas eram bastantes diferentes.

Não que nós nutramos algum tipo de admiração de ambas figuras, pelo contrário, a conclusão decorreu do momento que se vive no Poder Legislativo Federal. Nesse diapasão, poucos dias após tal conversa, deparo-me com um artigo de Eduardo Guimarães, intitulado “Eduardo Cunha chega a dar saudades de Severino Cavalcanti”. Nele, são comparados os casos de Severino Cavalcanti e Eduardo Cunha, o primeiro, presidente da Câmara Federal em 2005, que renunciou naquele mesmo ano, acusado de cobrar 10 mil reais mensais ao dono do Restaurante da Câmara e o segundo, atual presidente da mesma casa, acusado (confirmado pela justiça Suíça) de possuir contas que movimentam milhões de dólares no exterior, se mantém incólume na presidência e afirma que não irá renunciar.

Pra entender, Severino Cavalcanti, foi elevado à presidência da Câmara Federal em 14 de fevereiro de 2005, mais como uma retaliação contra  o Governo Federal, que efetivamente por seus atributos de gestor ou sua simpatia política. No caso, sua presidência, foi marcada por dura oposição ao Governo. Polêmico e de posições extremamente conservadoras, era considerado anacrônico. Após a denúncia da propina de 10 mil reais, em 15 dias renunciou.

Hoje, Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara em condição similar, está envolvido em diversas acusações sérias. Por um lado é citado por cinco delatores como recebedor depropinas no escândalo da operação Lava a Jato. Por outro, recentemente adiou uma viagem à Itália, viagem oficial, após revelação da existência de contas ligadas a ele em bancos da Suíça, que movimentaram alguns milhões de dólares e que são objeto de investigação pela justiça daquele país. Sobre esse tipo de conta,  o deputado negou possuí-las, no mês de Março passado, ao ser ouvido na CPI da Petrobrás.

Frente a tudo isto, a ação do citado parlamentar, que vem sendo acusado sistematicamente  de atuar em favor da criação de Leis que variam do conservadorismo fundamentalista/religioso – em um Estado laico – às chamadas “pautas bomba”, pelo seu potencial de causar onerações desnecessárias aos combalidos cofres públicos. Algo preocupante nesse delicado momento econômico  (Nesse sentido, há quem o  acuse de usar o  cargo para inviabilizar o governo).  Nessas ocasiões, quando os projetos que lhe interessam são derrotados, não tem o menor constrangimento de recoloca-los em votação novamente, até que os consiga aprovar, fazendo  exercício inimagináveis na interpretação do regimento interno da Câmara Federal.

Pois bem. Não parece que nem Severino Cavalcanti, nem Sarney e tão pouco ACM sejam políticos rememorados por suas preocupações com pautas progressistas. Pelo contrário, cada qual, ao seu modo, é marcado pelo caráter “coronelista”, de uma velha política, que parece ter sido sistematicamente negada pelo povo, nos últimos anos. Ao menos parece…

Em que pese Cunha comandar a Câmara com mãos de ferro – perfil semelhante  às presidências de Sarney e ACM –  e de ser um pupilo de Paulo  César Farias, as semelhanças entre eles terminam por aqui.

É neste ponto que difere dos “velhos caciques”, aqueles, diferentemente dele, nunca se marcaram pela política do “quanto pior, melhor”. Pelo contrário, sempre se preocuparam em manter uma postura frente a opinião pública, principalmente em determinadas pautas, principalmente àquelas relacionadas ao povo. Em que pese defenderem incisivamente seus interesses enquanto lideranças, às vezes até de forma agressiva em casos mais específicos, punham um limite em suas ações, não se utilizando indiscriminadamente de “todo e qualquer recurso” de “todo e qualquer jeito” acima “de tudo e de todos”. Como dotados de muita astúcia, sempre souberam haver momentos que o recuo é a melhor estratégia e que não “se pode levar todas”.   ACM, por exemplo, em pleno governo FHC, apoiou a proposta do PT, de aumentar o salário mínimo de 200 reais, contra o PSDB, do qual era aliado e fazia parte da base. E lembremos que ACM sempre foi “bom briga”.

Desse modo, ao não optar pelo “quanto pior melhor”, os velhos chefes agiam com parcimônia, o que os habilitava, até mesmo, a agirem como uma espécie de poder informal moderador, controlando excessos dos nossos parlamentares. Com a ausência dessas figuras, a moderação parece ter fugido em definitivo.

Parece que Cid Gomes, ao acusar parlamentares de achacadores, confirma essa idéia.

Logo, fazendo uma analogia com a natureza, as relações anteriores entre o congresso e o governo, por mais questionáveis que fossem, carregavam um viés mais simbiótico, ambos conseguiam sobreviver com as limitações. Hoje, não parece haver simbiose, mas sim um avanço cancerígeno.

Realmente é impressionante, parece ser insensato dizer isso, mas nessa ausência de liderança por parte do Presidente do Senado, Renan Calheiros, e da própria liderança maior do PMDB, Michel Temer,  o que transformou Eduardo Cunha no principal líder do Congresso, há uma verdadeira sensação de “Saudades de Sarney!”.

Eduardo Marcelo Silva Rocha é Capitão Polícia Militar de Sergipe

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