Já é tempo de tamarindo
31 de julho de 2022
Nota de R$ 10 perde 25% do valor em apenas cinco anos
1 de agosto de 2022
Exibir tudo

A peste negra em Aracaju

Por Antonio Samarone *

No jornal “O Estado de Sergipe” edição de 28 de agosto de 1903, o Inspetor da Higiene Pública, Dr. Theodoreto Arcanjo do Nascimento, alertava para o exagero das notícias que circulavam na cidade de que estava acontecendo uma elevada mortandade dos ratos e o aparecimento dos primeiros casos de Peste Bubônica em Aracaju.

Diz o Diretor: “não é tão fácil concluir da simples observação clínica de dois ou três casos, o diagnóstico da Peste”. Sergipe não possuía recursos laboratoriais para realizar a prova biológica desse diagnóstico.

Mesmo desmentindo a existência de Peste na Capital, a Inspetoria avisou ter recebido vacina anti-pestosa do Instituto Soroterápico Federal, e que a vacinação estava ocorrendo diariamente de uma as duas da tarde.

Os casos continuaram aparecendo e Inspetor de Higiene do Estado, Dr. Theodoreto Nascimento, cedeu as evidências e convocou uma reunião, em sua residência, dos médicos atuantes em Aracaju.

Compareceram os Drs. Manoel de Marsilac, José Moreira de Magalhães, Cândido Costa Pinto, José de Souza Ponde (Inspetor de Saúde dos Portos), Manoel Nobre (auxiliar da Inspetoria) e José Francisco da Silva Melo; deixaram de comparecer, mesmo tendo sido convidados, os Drs. João Telles de Menezes (médico militar), Álvaro Telles de Menezes e Daniel Campos.
Nessa conferência foi decidido por unanimidade que estavam diante da suspeita da ocorrência da Peste Bubônica. Esse é o primeiro registro de Peste Bubônica em Sergipe.

As medidas sanitárias tomadas para se evitar a propagação da doença foras as seguintes:

Isolamento dos pacientes (em número de doze) no lazareto existente; imediatos expurgos de suas casas, que também foram interditadas e guardadas por agentes da Força Pública; tentativa de vacinação; desinfecção – com o pulverizador Geneste de todas as casas onde ocorreu mortandade de ratos; asseio pessoal, domiciliar e das ruas; desinfecção do Palácio, Alfândega, Quartel, Tesouro, Justiça Federal, Cadeia e demais edifícios públicos; imediata limpeza do cais e das embarcações pequenas.

Os Delegados de Higiene do Interior foram todos colocados de “sobre aviso”, isto é, alertados para uma possível epidemia.

“O cais, as ruas, o interior das casas, os quintais, tem sido continuadamente limpo, procedendo-se por toda à parte a remoção e incineração do lixo, de maneira que se poder afirmar, jamais se viu tão limpa a nossa modesta Capital”. (Theodoreto Nascimento, no Jornal “O Estado de Sergipe”, edição de 13/09/1903).

Diante de mais uma ameaça de epidemia, assim se manifestou o Presidente do Estado, o Farmacêutico Josino Menezes, em mensagem a Assembléia Legislativa, no dia 07 de setembro de 1903:

“O nosso Estado acha-se na desagradável contingência de não poder resistir à invasão de qualquer epidemia, tão fácil de ser importada, quanto de se desenvolver entre nós, como prenunciam infecções gravíssimas já observadas em nossa Capital”.

Em setembro de 1903, O Inspetor de Higiene solicitou ao Presidente do Estado que determinasse ao doutor Chefe de Polícia para que proibisse as pessoas de deixarem Aracaju sem serem devidamente examinados e emitidos os “Passaportes Sanitários”.

Solicitou-se também um auxílio em dinheiro para as pessoas removidas para o Lazareto, por não poderem prover seu sustento com trabalhos externos e que se proibisse os sepultamentos em nossos cemitérios sem o respectivo atestado de óbito.

O Lazareto era dirigido pelo enfermeiro Canuto Severino de Araújo.

A Saúde Pública determinou também que se desinfetassem com enxofre todas as mercadorias e objetos que saíssem da Capital, mesmo sabendo do risco de danificá-las. Para atender a essa determinação foi construída na Inspetoria de Higiene uma estufa para funcionar com gás sulfuroso ou formol, mais dois salões no centro comercial e mais outro no Jardim Baiano, onde se podem proceder ao expurgo das mercadorias.

O Mercado, velho edifício, carcomida e ameaçadora habitação de ratos, fora completamente evacuado; o Beco do Açúcar (atual dos cocos), também sofreu evacuação e os proprietários ali instalados intimados a reformarem seus estabelecimentos.

O Beco dos Cocos era considerado um verdadeiro cortiço incrustado no centro da cidade, feio e imundo, a atentar contra a saúde pública e aos foros de civilização necessários a uma Capital.

O Mercado, que era propriedade da “Associação Aracajuana de Beneficência”, que administrava o Hospital de Santa Isabel – presidida na época pelo Major Serafim Moreira – somente foi reaberto após passar por uma ampla reforma higiênica, com pintura, mudança do teto, inclusive com a construção de oito latrinas para a serventia pública, até então inexistentes.

Diante do pavor decorrente da ameaça da Peste decretou-se um verdadeiro “estado de sítio” sanitário. A polícia se desdobrou para cumprir as determinações da Saúde Pública. Em menos de 30 dias cerca 500 pessoas já tinham conseguido o tal “Passaporte Sanitário”, sem o qual o direito de ir e vir estava banido.

Não ficam claro quais os critérios usados para a emissão do citado “Passaporte”, quais os aspectos de sanidade deveriam ser observados. Uma pista está no fato de que até o amanuense da Repartição Sanitária, senhor José Alencar Cardoso, estava autorizado a emitir e assinar tal documento.

É evidente que medidas tão duras, “justificadas” pelo medo da Peste, tiveram forte resistência por parte da sociedade. Como os conhecimentos ainda eram muito precários era mais prudente errar-se pelo exagero do que pela omissão, discursava os defensores das medidas.

Entretanto, com essas medidas, mesmo consideradas exageradas, a Peste foi rapidamente controlada, não causando mais os estragos de épocas passadas. A medicina já dispunha de alguns instrumentos eficazes no combate a algumas moléstias. A Peste Bubônica começava a ser domada.

No dia 12 de setembro, Dr. Theodoreto envia um curioso oficio ao Chefe de Polícia: “solicito uma patrulha, mesmo de pouco homens, destinada a evitar a defecação que se faz publicamente, na zona compreendida da frente do Hotel Brasil e a Alfândega”.

A Saúde Pública registrou também o recebimento de amostras de um “sabão de creolina”, fabricado especificamente para ajudar nas medidas profiláticas do combate a Peste. A fedida invenção não somente foi aprovada como bastante elogiada, pois era resultado da criatividade de uma saboaria local, de propriedade da senhora Arlinda A. Espinheira.

Quanto ao tratamento empregado nos casos de Peste Bubônica usou-se a aplicação, via hipodérmica, do soro anti-pestoso em altas doses, com excelentes resultados. O soro também foi usado, preventivamente, em pessoas expostas ao risco, que tiveram algum tipo de contato com áreas suspeitas.

A Peste Negra, também chamada de Bubônica, Febre do Caroço, Febre do Rato, Íngua de Frio e Peste Levantina, começava com febre intensa, calafrio, dores de cabeça, mal-estar, apatia, prostração e no segundo dia aparecia o “bulbão”, que era a reação dos gânglios satélites.

O povo acreditava que enquanto o bulbão não fosse sarjado o risco era iminente. Com a descoberta das sulfas e depois dos antibióticos, basicamente a estreptomicina, a cura deixou de ser problema.

* É médico sanitarista

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *