Rosalvo Ferreira Santos*
A maior parte da população brasileira desconhece a importância do orçamento público sobre o cotidiano das pessoas. O distanciamento entre o conhecimento técnico a respeito das ações orçamentárias e o uso político do orçamento em todas as esferas (municipal, estadual e, sobretudo, no âmbito federal) tem sido responsável por desvios de finalidade e de uma disputa por parte de grupos políticos e econômicos que se beneficiam de parte considerável dos recursos advindos de tributos que são pagos por toda a população.
Além do desvio de finalidade e do direcionamento de recursos para áreas ou setores de acordo com a conveniência do grupo político de plantão que tenha maior força para se apropriar de parte significativa do orçamento federal, usando esse poder, inclusive, para o fortalecimento de suas bases eleitorais, criando desequilíbrio não apenas na disputa no âmbito político-partidário, mas sobretudo, gerando distorções da alocação de recursos, a que os economistas chamam deseconomias.
A alocação de recursos públicos sob a prática da Emenda do Relator do Orçamento aprofunda as desigualdades regionais e intrarregionais. As deseconomias causadas pelo “orçamento secreto” atingem também a qualidade do serviço público, na medida em que retira dinheiro das áreas de saúde, educação. Além de ser um instrumento de barganha política, o “orçamento secreto” é, do ponto de vista da narrativa da livre iniciativa de mercado defendida por esses políticos, um contrassenso.
Trata-se da forma mais evidente de interferência do poder político na alocação de recursos públicos, caindo por terra o discurso proferido por parlamentares e pelo atual governo federal que, de forma oportunista, recorre à liberdade econômica como mero instrumento de retórica, em oposição aos que defendem que os recursos orçamentários devem ser usados na promoção do investimento público, na promoção de políticas sociais e na dinamização da economia brasileira. Nesse caso, fica claro que o Estado é mínimo para o país e máximo para alguns poucos apadrinhados com acesso ao relator do orçamento e ao governo.
No Brasil, sem investimento público não há como se ter infraestrutura necessária para o escoamento da produção, construção de hidroelétricas para fornecimento de energia, apoio ao desenvolvimento tecnológico e da pesquisa no país por meio da criação e fortalecimento das universidades e institutos de pesquisa como a Embrapa, por exemplo. O corte de orçamento das universidades e dos órgãos de pesquisa deste ano mostra o caráter retrógrado da política econômica atual, evidenciando a captura do Estado Brasileiro por parte de grupos de interesse extremamente descompromissados com a solução dos graves problemas do país.
É urgente e preciso que a população tenha clareza do quanto é importante a alocação de recursos nas universidades e nos institutos de pesquisa para o país retornar sua capacidade de produção de vacinas, como forma de controle e tratamento de doenças, para não ficar dependendo de importações de vacinas como ocorreu no enfrentamento da Covid-19, situação que levou à morte de milhares de brasileiros, mortes que poderiam ter sido evitadas.
A permanência da política fiscal baseada na alocação de recursos públicos para atender a grupos específicos, além de fragmentar o investimento, eliminando ou reduzindo quase a zero o efeito multiplicador do investimento público, promove profunda distorção na qualidade do investimento, sendo inclusive, um campo aberto para fraudes na aquisição de bens superfaturados ou que são adquiridos, mas que não terão uso adequado na medida em que as licitações ocorrem de forma apressada, sem que haja urgência justificada. Para um país de milhões de desempregados e de milhões de pessoas que se encontram de volta na condição de pobreza, e com altos riscos de insegurança alimentar (passando fome), o orçamento público federal deve continuar sendo público e não privatizado para atender uns poucos que, vergonhosamente, se aproveitam da pobreza e dos “currais eleitorais” em benefícios deles mesmos.
A transparência na Economia é tão importante quanto na Política. Vamos aguardar o resultado das eleições neste domingo, na esperança de que os novos escolhidos tenham maior respeito com a população e defendam, de fato, o interesse público, e não os seus próprios ou de grupos que estejam representando.
*Professor do Departamento de Economia e Vice-reitor da UFS