Nesta segunda-feira (20), faz 47 anos da Operação Cajueiro, uma das mais violentas e brutais ofensivas militares do período da ditadura. Matéria publicada pelo site Uol revela que a criminosa iniciativa teve como autor o general Adyr Fiúza de Castro da 6ª RM em Salvador, que, no dia 20 de abril de 1976, envia um batalhão numa missão para Aracaju, capital de Sergipe. Nessa oportunidade, uma junta composta por membros do Exército nacional, da RM baiana, do DOI-CODI, do DOPS e da Polícia Federal, ordenados pelo tenente-coronel Osmar de Melo e Silva, prenderam mais de 25 sergipanos, além de processar 18 soldados e um deputado estadual.
Pelos pronunciamentos do exército, o objetivo principal da ofensiva era minar os membros escondidos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), na ilegalidade na época. Porém, quase nenhum acusado possuía qualquer ligação com o órgão. Ainda de acordo com o portal Uol, a iniciativa ocorreu na tarde da véspera do Carnaval de 1976 e veio de uma iniciativa federal de eliminação do Partido. Muitos políticos e homens influentes do Sergipe foram presos: Antônio Góis, Marcélio Bonfim, Rosalvo Alexandre, Milton Coelho e Wellington Mangueira.
No livro “A Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984”, o historiador Ibaré Dantas conta que “em início de 1976, enquanto as demais organizações de esquerda estavam praticamente desativadas (o PC do B havia sido vencido na sua experiência no Araguaia em 1974), o PCB, além de possuir representantes na Assembleia Legislativa (Jackson Barreto) e na Câmara de Vereadores (Jonas Amaral), praticamente controlava o Sindicato dos Petroleiros, o Sindicato dos Bancários, alguns centros acadêmicos da UFS e o DCE. Tinha militantes ativos junto aos trabalhadores rurais e exercia alguma influência em diversos órgãos da sociedade civil e do Estado. Nas circunstâncias de então, era uma presa invejável para qualquer sigla clandestina, fato que os militares não ignoravam. Daí a intensificação das perseguições”. conta o historiador Ibarê Dantas, em “A Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984”.
Venda de borracha nos olhos
E o historiador prossegue: “No Quartel, segundo depoimentos de alguns deles, colocavam um capuz que pressionava fortemente os olhos com borracha, despiam-no e, algum tempo depois, vestiam um macacão. Submetiam a exame médico, trancavam numa cela incomunicável, e realizavam os interrogatórios entremeados de torturas, cujo nível dependia do estado de saúde e da capacidade de resistência do indivíduo (uma das curiosidades dos inquisidores era detectar onde se realizavam as reuniões clandestinas, para respaldar a acusação). Alguns que reagiram à prisão já foram recebidos debaixo de tapas. Quase todos teriam sofrido pancadas na cabeça, ‘telefones’, choques nas partes mais sensíveis do corpo, da língua aos testículos, bem como tentativas de afogamento, golpes na altura dos rins de ambos os lados do corpo, entre outras sevícias”.
Leia, abaixo, artigos sobre a Operação Cajueiro escritos pelo jornalista Milton Alves e pelo ex-vereador de Aracaju, Marcélio Bomfim, um dos presos pelo Exército naquele 1976:
OPERAÇÃO CAJUEIRO
O silêncio da imprensa de Sergipe e a luta dos correspondentes
Por Mílton Alves
De repente, um Opala amarelo para bruscamente no cruzamento das Ruas Permínio de Souza e Nossa Senhora das Dores, bairro Cirurgia. Dentro do carro somente um ocupante, de quem ouvi o anuncio/advertência: “camarada Mílton Alves, os companheiros estão sendo presos, não sabemos para onde estão sendo levados nem por quem”. E seguiu: “cuide-se e não saia de casa”. O anuncio das prisões e o conselho foram do então deputado estadual Jackson Barreto (MDB), que viria a ser governador de Sergipe. Eu conversava com um grupo de amigos, todos sentados num degrau de entrada do Bar de ¨Seu¨ Dinho – que não mais existe.
Os amigos ficaram sem entender o enigmático anuncio. Estávamos a nos preparar para o sábado de Carnaval, dia do Desfile do Bloco de Sujos, já não acontece, que saia do Bairro Suíssa, passava pelo Bairro Cirurgia e encerrava o cortejo carnavalesco no Centro de Aracaju. Atendi o conselho. Em casa, minha mãe vendo-me cabisbaixo e silencioso, perguntou: O quê houve? Algum problema? Não, nada. Tudo bem – respondi secamente e recolhi-me ao quarto.
Os dias seguintes foram de terror – sequestros, prisões e torturas. Estava em curso a Operação Cajueiro. Na função de correspondente do Jornal da Bahia, me encontrei com o jornalista Paulo Barbosa de Aracaju (já falecido), então correspondente do jornal O Estado de São Paulo. Trocamos poucas palavras, suficientes para a confirmação de que militantes do Partido Comunista Brasileiro, PCB, estavam sendo sequestrados. Não se sabia muita coisa. Nas redações dos jornais, emissoras de rádio e de televisão nenhuma informação. Discutia-se o início do campeonato sergipano de futebol e se marcavam encontros no Iate Clube, Associação Atlética, Cotinguiba e Vasco – principais clubes sociais que ofereciam a sócios e convidados grandes bailes de Carnaval. Na semana que antecedeu a festa popular, os sequestros se sucederam em escala. Como não eram de Sergipe, os militares gritavam o nome dos alvos das prisões e estes sentiam bruscamente sobre os olhos uma fenda de borracha. Não sabiam para onde estavam sendo levados.
Foi gritante o silêncio da imprensa em Sergipe sobre as prisões. Paralelamente, as notícias chegavam para os jornalistas que trabalhavam para jornais sediados em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Os presos estavam incomunicáveis nos porões do 28º Batalhão de Caçadores. A tropa federal de Sergipe havia sido dispensada, substituída por outra enviada da Bahia. Pelas ruas centrais de Aracaju, os foliões compravam adereços para a festa de Carnaval e ensaiavam sucessos musicais: oh, jardineira por que estás tão triste. Depois de analisarmos com detalhe as informações que tínhamos, eu e Paulo concluímos que os dados eram suficientes para denunciarmos os sequestros, as prisões e as torturas. Vaza o nome da Operação Cajueiro: alusiva à terra dos Cajus, Sergipe. O jornal O Estado de São Paulo e o Jornal da Bahia quebraram o silêncio e a incomunicabilidade dos presos, rompendo a cortina sobre aquele período escuro da história da política brasileira. As notícias do “Estadão” eram identificadas como sendo transmitidas por “enviados especiais” e as do Jornal da Bahia “da Sucursal em Aracaju”.
O clima de medo se estabeleceu. Eu e Paulo Barbosa fomos tomados por esse sentimento. Sabíamos dos riscos, tínhamos ligações pessoais e ideológicas com aqueles que estavam sendo sequestrados e torturados, mas era preciso denunciar a Operação Cajueiro – justificada pelo comando opressor como necessária para impedir que a célula do Partido Comunista Brasileiro, fincada em Sergipe, organizasse uma ofensiva para derrubar o Governo Militar, imposto pelo golpe de 1964, quando o Brasil passou a viver, até 1985, uma Ditadura. Para reforçar a tropa federal enviada da Bahia, uns poucos militares do 28º BC permaneceram no quartel e outros foram convocados da Marinha e da Polícia Militar. Os presos sentiram cheiro do estábulo da guarnição federal e sem as fendas nos olhos confirmaram o local.
Os dias iam se passando, aumentando o desespero dos familiares dos presos políticos. Nas redações dos jornais, emissoras de rádio e de televisão a ignorância do fato não se alterou. Os correspondentes de O Globo, Paulo Fernando Morais, e do Jornal do Brasil (extinto), José Carlos Góes Montalvão, se somaram na luta para denunciar os sequestros, prisões e torturas que marcaram a Operação Cajueiro. José Carlos Montalvão que acumulava as funções de correspondente do Jornal do Brasil e a de diretor de redação da Tribuna de Aracaju (hoje, Correio de Sergipe) tentou emplacar uma pequena nota no matutino sergipano, mas foi repreendido pelo então dono da empresa Heráclito Rollemberg (à época, deputado estadual da Arena): “queres me criar problema”?
Era preciso vencer o medo. Por um tempo, íamos às lojas na Rua João Pessoa (e até ao Cinema Palace, já extinto) solicitar o telefone para falar com nossas residências – na verdade, fazíamos ligações para os jornais, e as redações sabiam. Havia sempre um funcionário para ligar gravadores para facilitar com mais precisão e rapidez a transmissão dos textos. O jornal Estado de São Paulo mantinha um telex instalado numa pequena sala do mezanino do prédio do Cinema Palace. Composição de textos e transmissão era à base da luz do aparelho para evitar suspeitas. Quando íamos embora, o caminho nunca era o mesmo: cada um numa direção diferente.
Passivamente a imprensa de Sergipe continuava silenciosa. Nos porões do 28º Batalhão de Caçadores as torturas se multiplicavam. Frágeis, os presos políticos eram levados para interrogatórios, para acareações e ameaçados: filho da puta, diga o que sabes ou vais morrer! Quem está pagando os comunistas? – uma pergunta que se fez variadas vezes. O silêncio como resposta irritava os torturadores que reagiam com tapas, chutes, choques elétricos e sucessivas ameaças contra a vida dos presos, considerados perigosos para a segurança nacional, e até dos familiares. Houve ordem superior para que as sessões de torturas fossem “qualificadas”. O país já sabia da Operação Cajueiro em Sergipe. Os relatos dos familiares dos presos políticos eram angustiantes. No 28º BC se formou uma fortaleza e nenhuma informação dali poderia sair. Mas essa fortaleza ruiu pelos relatos dos familiares que enriqueceram os textos-denuncias dos correspondentes.
Houve momentos de muita tensão quando a notícia sobre o estado de saúde do ferroviário Pedro Hilário vazou. No quartel, os presos políticos ficaram aflitos. Do lado de fora, eram os familiares a esperar por uma notícia que os acalmasse, muito embora soubessem ser difícil diante dos relatos dos bárbaros tipos de tortura. Depois de sucessivas sessões de maus-tratos, os médicos indicaram que o ferroviário estava bastante debilitado e a pressão arterial tinha alcançado níveis preocupantes. Não poderia morrer nos porões do 28º Batalhão de Caçadores. Os militares que comandavam a Operação Cajueiro decidiam colocar Pedro Hilário em liberdade. Ele morreu dias depois, em casa, ao lado dos familiares.
Com avalanche de notícias sobre as torturas – as mais cruéis possíveis – dentro de uma guarnição federal, denunciadas pela imprensa nacional, o então comandante da 6ª Região Militar general Fiúza de Castro – um militar da linha dura do Exército – desembarcou surpreendentemente em Aracaju. Incisivamente ele negou as torturas, jurou que as prisões foram legais, com base na Lei de Segurança Nacional. Ao deixar Aracaju, os maus-tratos recrudesceram. Teria ordenado: “continuem com o bom serviço”.
A cidade já brincava o Carnaval. Por ordem militar, a Gazeta de Sergipe, na edição de dia 29 de fevereiro de 1976, um domingo, estampou em manchete de primeira página: “Advogado preso aconselha juventude abominar comunismo”. Referiu-se à carta assinada (sob ameaça) pelo preso político Wellington Dantas Mangueira Marques, que renunciava ao comunismo e igualmente ao uso da maconha. O jornal publicou na página 8, daquela edição, integralmente a carta, distribuída pelo comando da 6ª Região Militar. Wellington Mangueira nunca renunciou ao marxismo e jamais fumou um simples cigarro. Na edição, página 6, o jornal informou numa nota de sete linhas, na Coluna Informe GS, que “pelo noticiário da imprensa do Sul do país, tomou-se conhecimento que aqui esteve, mesmo na quinta-feira, o comandante da 6ª Região Militar, general Fiúza de Castro, e o chefe de Relações Públicas, major Alcântara”.
Eu e Paulo Barbosa estávamos sentados num banco da Praça Almirante Barroso, que fica entre o Palácio Museu Olímpio Campos (antiga sede do Governo de Sergipe) e a Escola Legislativa (antiga sede da Assembleia Legislativa), centro de Aracaju. Discutíamos a pauta sobre a Operação Cajueiro, quando se senta ao lado João Moreira (João Banha), ligado ao Serviço Nacional de Informações (SNI). Dirigiu-se a Paulo Barbosa e perguntou: “quem são os enviados especiais do “seu” jornal, O Estado de São Paulo?”.
Calmo, Paulo Barbosa respondeu: “não sei”, e acrescentou: “o jornal quando quer informações sem colocar seus repórteres em risco, nada avisa”. E o Jornal da Bahia, onde fica a sucursal? Encarou-me, e respondi com outra pergunta: “e tem?” João Moreira era um homem do SNI com quem jornalistas conversavam rotineiramente com ele (estava sempre vagueando pelos corredores do Palácio do Governo), mesmo porque muitos foram alunos da esposa dele, a professora Maria Augusta Lobão – ensinava História.
Quando os presos políticos começaram a ser colocados em liberdade, com a riqueza de narrativas sobre os sequestros, prisões e torturas, a descoberta e sentimento de dor com a confirmação de que Milton Coelho havia ficado cego. A imprensa de Sergipe manteve o silêncio – para ela, nada havia ocorrido no estado. Livre, o ex-preso político Marcélio Bonfim, numa frase resume, ainda hoje, o papel dos correspondentes: “a Paulo Barbosa e a Mílton Alves devemos vidas, quando denunciaram as prisões e quebraram nossa incomunicabilidade”. Conversar sobre a Operação Cajueiro emociona quem viveu aqueles dias de terror.
Faz 47 anos, neste dia 20 de fevereiro de 2023, e não podemos esquecer ou negar a História. Num momento histórico, o então governador de Sergipe Jackson Barreto instalou a Comissão da Verdade e a batizou de “Paulo Barbosa de Araújo”, falecido em 2000. “O que se quer é resgatar as verdades de um período repleto de lacunas na História de Sergipe e do Brasil, a Ditadura Militar”, explicou, com acréscimo:
– A Comissão da Verdade não tem caráter revanchista, não é o ódio que a conduz, mas é preciso esclarecimentos dos fatos para guardar na História, para que as novas gerações, de forma profunda, tomem conhecimento do que aconteceu em Sergipe.
Jackson Barreto apontou, à época, que “quando reencontrarmos os companheiros e relembrarmos tudo que enfrentamos, diremos, sempre: valeu! Digo de coração aberto, o que fizemos pela democracia e liberdade faríamos novamente”. À frente dele, naquela oportunidade, estavam sequestrados, presos e torturados durante a Operação Cajueiro e uma observação: desta vez, pelo menos, a imprensa de Sergipe não silenciou. Os depoimentos tomados pela Comissão da Verdade estão em livro editado pela Editora Diário Oficial de Sergipe (Edise), no formato e-book, para leitura gratuita. www.segrase.se.gov.br
O TERROR E O AUTORITARISMO DO REGIME MILITAR
Por Marcélio Bomfim
Nesse 20 de fevereiro, dia em que se comemora o Dia Mundial da Justiça Social, não poderia deixar de fazer um resgate à memória e à verdade no sentido de contribuir ainda mais com o fortalecimento da democracia, novamente ameaçada por um governo civil militar de direita. A lembrança da “Operação Cajueiro”, e do terror da cajuína do autoritarismo do regime militar.
A OPERAÇÃO CAJUEIRO…
Sexta-feira, dia 20 de fevereiro de 1976, véspera de carnaval, o Coronel Oscar da Silva e outros oficiais da 6ª Região Militar, sediada em Salvador, instauravam um Inquérito Policial Militar (IPM) e passaram a sequestrar ativistas, estudantes, trabalhadores e militantes políticos sergipanos que lutavam pela redemocratização e pelo fim da ditadura militar no Brasil.
A acusação, era de organização do Partidão, Partido Comunista Brasileiro (PCB). A operação realizada a partir da tarde de 20 de fevereiro de 1976, véspera de Carnaval, obedecia na verdade a uma ordem nacional que era a de acabar com o Partidão, a exemplo das demais siglas clandestinas. No bojo desse recrudescimento da onda anticomunista, foram assassinados nas celas do DOI-CODI, em São Paulo, o jornalista Wladimir Herzog, em outubro de 1975, e o operário Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976.
“Em início de 1976, enquanto as demais organizações de esquerda estavam praticamente desativadas (o PC do B havia sido vencido na sua experiência no Araguaia em 1974), o PCB, além de possuir representantes na Assembleia Legislativa (Jackson Barreto) e na Câmara de Vereadores (Jonas Amaral), praticamente controlava o Sindicato dos Petroleiros, o Sindicato dos Bancários, alguns centros acadêmicos da UFS e o DCE. Tinha militantes ativos junto aos trabalhadores rurais e exercia alguma influência em diversos órgãos da sociedade civil e do Estado. Nas circunstâncias de então, era uma presa invejável para qualquer sigla clandestina, fato que os militares não ignoravam. Daí a intensificação das perseguições”, conta o historiador Ibarê Dantas, em A Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984.
Nos mesmos dias das prisões, que se prolongaram até 23 daquele mês, os presos eram encaminhados para o 28º Batalhão de Caçadores. O comandante do quartel, o coronel Osman de Melo e Silva, havia sido afastado pelo general Fiúza de Castro, um explícito defensor da tortura que queria que seus homens ficassem à vontade para “trabalhar”. “Entre os depoimentos dos militares, colhidos pelos pesquisadores do CPDOC e publicados em três volumes, ninguém defendeu o uso da tortura de forma tão explícita como ele”, diz Ibarê Dantas.
O historiador recorda o que aconteceu nos porões do 28° BC: “No Quartel, segundo depoimentos de alguns deles, colocavam um capuz que pressionava fortemente os olhos com borracha, despiam-no e, algum tempo depois, vestiam um macacão. Submetiam a exame médico, trancavam numa cela incomunicável, e realizavam os interrogatórios entremeados de torturas, cujo nível dependia do estado de saúde e da capacidade de resistência do indivíduo (uma das curiosidades dos inquisidores era detectar onde se realizavam as reuniões clandestinas, para respaldar a acusação). Alguns que reagiram à prisão já foram recebidos debaixo de tapas. Quase todos teriam sofrido pancadas na cabeça, ‘telefones’, choques nas partes mais sensíveis do corpo, da língua aos testículos, bem como tentativas de afogamento, golpes na altura dos rins de ambos os lados do corpo, entre outras sevícias (alguns sergipanos teriam participado ativamente dessas operações, entre os quais o capitão Morais e até juízes de futebol ligados ao Exército: Siqueira, Barreto Góis, Cruz e Sargento Souza). Decorridos cerca de cinco a sete dias de padecimentos, os prisioneiros puderam comunicar-se com os colegas. Um deles, Milton Coelho de Carvalho, quem mais resistiu às torturas, quando lhe foi retirado o capuz, além das marcas de ferimento no rosto, comum a quase todos, estava com deslocamento incurável de retina. As três cirurgias posteriores a que foi submetido e os tratamentos demorados jamais lhe restituíram a visão
Dias depois, a maioria dos nossos companheiros presos políticos foi liberada, retornando ao seu meio familiar e a suas atividades profissionais, a exemplo do companheiro Welington Mangueira que pelo seu compromisso com seu clube de coração, o Cotinguiba, pode se dedicar aos festejos carnavalescos que acontecia naquele momento.
“No presídio (leia-se 28º Batalhão de Caçadores, Aracaju_Sergipe ) havia seções de tortura e de terrível espancamento, como aconteceu com Marcélio Bomfim, que apanhou tanto e tanto que já era um “saco de pancada”, servindo de admiração aos seus torturadores e de exemplo aos outros presos. Marcélio passou por choques elétricos que eram dados no “pau de arara” e depois chegou a um estágio tal que os companheiros presos próximos a ele rogavam: “Marcélio, pelo amor de Deus, abre o “jogo”. Conta tudo… Eles estão te matando. Ele não contou e deixou o cárcere, ainda com maior dignidade.” Paulo Barbosa de Araújo – Os ícones de um terremoto. Golpe Militar, repressão e resistência política. Pág. 251, Editora Diário Oficial/Memórias Reveladas, Aracaju, 2010.
Estou vivo hoje graças a três jornalistas: Carlos Montalvão, Milton Alves e Paulo Barbosa, que, como correspondentes, tiveram a coragem de denunciar, por telex, e burlando a censura conseguiram enviar aos jornais do Sul do país matérias denunciando o desaparecimento, a prisão e a tortura de militantes políticos em Sergipe e, ao companheiro José Carlos Teixeira que de posse dessas matérias, com a coragem dos guerreiros indomáveis, ocupou a tribuna da Câmara Federal para denunciar o sequestro desses militantes e responsabilizou o Estado brasileiro pelas consequências dessa nefasta ação, exigindo que as autoridades informassem onde estavam os cidadãos sequestrados.
Agradeço também aos advogados que tiveram a coragem de se levantar contra o regime e defender esses presos políticos, em particular Inácio Gomes que fez minha defesa, a uma mulher Ronilda Noblat e Jaime Guimarães.
Não podemos esquecer que o resgate à memória e à verdade é um processo pedagógico, pois é através dele que passamos a construir aquilo que somos e a edificar a sociedade que queremos.
Relação dos presos na Operação Cajueiro, realizada em 1976
NOME | PROFISSÃO |
Antônio Bitencourt | Ferroviário |
Antônio José de Góis | Estudante e bancário |
Asclepíades José dos Santos | Vendedor ambulante |
Carivaldo Lima Santos | Ferroviário |
Carlos Alberto Menezes** | Advogado |
Delmo Naziazeno | Agrônomo |
Durval José de Santana** | Pedreiro aposentado |
Edgar Odilon Francisco dos Santos | Serventuário |
Edson Sales | Pedreiro |
Elias Pinho de Oliveira** | Advogado |
Faustino Alves de Menezes | Pequeno comerciante |
Francisco Gomes Filho (enviado PCB) | Pedreiro |
Gervásio Santos** | Jornaleiro |
Jackson de Sá Figueiredo | Advogado |
João Francisco Oséa | Pequeno comerciante |
João Santana Sobrinho** | Advogado |
José Soares dos Santos | Agricultor |
Luiz Mário Santos Silva | Agrônomo |
Marcélio Bonfim | Funcionário Público |
Milton Coelho de Carvalho | Funcionário da Petrobras |
Pedro Hilário dos Santos | Ferroviário |
Rosalvo Alexandre Lima Filho | Agrônomo e funcionário público |
Virgílio de Oliveira (Juca) | Ferroviário |
Walter Santos** | Professor e funcionário público |
Wellington Dantas Mangueira Marques** | Advogado |
**Não processados – Fonte: Ibarê Dantas, A Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984