Por Antonio Samarone *
Na tradição das Trezenas de Santo Antonio, em Itabaiana, cada dia era dedicado a um agrupamento social. Havia uma disputa de quem era a Trezena mais animada. Não era a que rezasse mais, era a que soltava mais foguetes. Em minha infância, a mais animada era a Trezena dos verdureiros.
Na década de 1970, cresceu a Trezena dos motoristas. Depois se transformou na atual Trezena dos caminhoneiros. Não é a mesma coisa. Motorista é qualquer um que dirigi, até Chauffeur de Praça. Caminhoneiro é uma categoria econômica e social.
Até a década de 1960, os caminhoneiros de Itabaiana comemoravam o dia de São Cristóvão, como o seu padroeiro. Em todo 25 de julho, os caminhoneiros, liderados por João de Balbino, motorista das marinetes de Oviedo Teixeira, faziam uma procissão, trazendo São Cristóvão da sua Capela, no Tabuleiro dos Caboclos, para a Matriz de Santo Antonio.
Eu assisti a várias dessas procissões, pelo Beco Novo!
Por volta de 1975/76, a coisa mudou: A bela imagem de São Cristóvão desapareceu (veja na foto). Deram fim. Até hoje se levanta suspeitas, sem provas. Sem a imagem de São Cristóvão, um grupo de caminhoneiros, liderados por Antonio Rolopeu, resolveu fazer a procissão, antes das Trezenas, e agora com Santo Antonio.
Santo Antonio foi tomado para padrinho dos motorista de Itabaiana. Unia-as uma tradição secular de louvação a Santo Antonio, com a festa dos caminhoneiros. Santo Antonio aceitou na hora.
São Cristóvão, até onde eu sei, nunca se queixou.
Na Matriz de Santo Antonio em Itabaiana existiam dezenas de imagens de Santo Antonio. Cada uma com um significado. O monsenhor Soares presenteou o museu de São Cristóvão com duas, se não me engano. A mais bela, esculpida em Portugal (1854). Já não sai mais do seu altar, está precisando de restauração.
No lado direito da Matriz, existia um altar com a imagem de um Santo Antonio diferente, mais descuidado, a imagem malfeita. Até o Cristo que ele carregava nos braços, tinha o ventre inchado. Era esse Santo Antonio que promovia a cerimônia do pão do pobres.
Em Itabaiana só existe uma unanimidade: Santo Antonio. Até os evangélicos fecham os olhos e, no fundo, muitos são devotos. Eu conheço até um pastor, que anda com uma medalha de Santo Antonio escondida no pescoço. Ele está certo.
O Jesuíta Antonio Vieira, um gênio da língua portuguesa, escreveu:
“Se adoece um filho, chama Santo Antonio; se aguarda uma sentença, chama Santo Antonio; se uma donzela demora a casar, chama Santo Antonio; se perdeu a menor miudeza da casa, chama Santo Antonio; e, talvez, se quiser os bens alheios, chama Santo Antonio.”
Em Itabaiana nos acrescemos: se os caminhoneiros precisarem de proteção, chama Santo Antonio.
Fernando Martins de Bulhões e Taveira de Azevedo, nasceu em Lisboa, em 15 de agosto de 1195, filho de nobres portugueses. Ele se tornou Antonio, quando virou franciscano. Ele conheceu pessoalmente São Francisco.
Santo Antonio faleceu em Pádua, e a sua festa é celebrada em 13 de junho, desde o primeiro aniversário da sua morte.
No processo de santificação de Santo Antonio consta 53 milagres, desde os paralíticos que começaram a andar a mortos que ressuscitaram. Ganhou fama como casamenteiro e caçador de objetos perdidos.
No Brasil, o Dia dos Namorados é 12 de junho, para os encalhados encontrem uma melhor sorte no dia seguinte. Não sei se ainda se pendura Santo Antonio de cabeça para baixo, exigindo-se um milagre improvável.
Talvez a fama de casamenteiro deva-se as festas juninas, onde se comete muitas saliências e muitas danças apimentadas varam as madrugadas, numa sala de reboco. Os casamentos aumentam nesse período. Por conta, o Santo levou a fama. Eu prefiro acreditar.
Santo Antonio chegou a Itabaiana em 1.600, junto com Ayres da Rocha Peixoto. Foi encontrada uma oração a Santo Antonio, num velho baú de Ayres da Rocha, achado na lama da barragem da Jacarecica I. Talvez a mais antiga oração a Santo Antonio, encontrada no Brasil. Essa versão é a mesma divulgada por Câmara Cascudo.
“Quem milhares quer achar/ Contra os males e o demônio/ Busque logo a Santo Antonio/ Que só o há de encontrar.
“Aplaca a fúria do mar/ Tira os presos da prisão/ O doente torna são/ O perdido faz achar”
“E sem respeitar os anos/ Socorre a qualquer idade/ abonem essa verdade/ ao cidadãos paduanos.”
Em 1754, Santo Antonio tornou-se vereador perpetuo de Igarassu, cidade pernambucana, e os seus vencimentos foram destinados a comprar o pão do pobres.
Esse ano em Itabaiana, esperamos que a fervorosa devoção de João Patola se transforme em sacos do seu afamado bolachão de canela, para os pobres (e para os remediados). Os bolachões de João Patola são mais saborosos que os brioches de Maria Antonieta.
É médico sanitarista e secretário de Cultura de Itabaiana.