Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *
O deputado alagoano Inácio Loiola conta que quando era prefeito de Piranhas utilizava-se do termo “boi no pasto” em seus despachos, para expressar providência favorável ao pleito que lhe faziam enquanto alcaide daquela belíssima cidade ribeirinha.
E não o fazia por acaso, pois relata ser o termo que o Cabo Aniceto solicitou ao avô de Inácio – telegrafista de Piranhas – que enviasse como mensagem ao Tenente João Bezerra, na véspera da fatídica chacina de Angicos, onde morreu Lampião e se decretou o fim do cangaço.
Lampião era e é conhecido por sua perspicácia, que o levou a montar uma rede de colaboradores, que apesar de bem remunerados, certamente o faziam principalmente pelo medo, uma vez que todos naquelas caatingas eram impotentes diante do que convencionamos chamar de banditismo. Não é à toa, assim como, diversos “coronéis” foram seus coiteiros – que ele preservava suas propriedades e/ou integridade física, os demais que não puderam “privar” dessa relação com o Rei do Cangaço, muito sofreram, inclusive os que eram vistos como inimigos. A estes, todo o tipo de violências.
Nesse ponto, fazemos a exceção a pelo menos um Coroné baiano, que apesar de ser amigo e anfitrião, após um desacerto tornou-se inimigo e teve de fugir das caatingas, tendo posteriormente propriedades devastadas pela vingança do cangaceiro de Vila Bela.
Enfim, essa rede de colaboradores nada mais era que uma rede de “espionagem”, que deu origem às comunidades de informações e hoje é chamada de “Inteligência”, que apesar das polêmicas que possam se acercar do tema, trata-se de uma ferramenta que já se encontra bem posta até nos segmentos empresariais, “Bussines Inteligence” é um termo bem significativo nesse contexto.
Em linhas gerais, sobram exemplos de como Lampião operava com eficiência uma rede de informações, capazes de lhe proporcionar a segurança, prevenindo-se de ataques e emboscadas. Essa rede possibilitava também engabelar inimigos e ou volantes, levando-os para ciladas diversas, inclusive dois dos mais importantes combates da história lampiônica deram-se nesse contexto: Serra Negra e Maranduba, esta última em Sergipe.
Mas voltemos ao emprego do termo “boi no pasto”, essa expressão nada mais era que uma proteção da informação que havia recebido há pouco, dando conta da presença de Lampião em Sergipe, na vizinhança de Piranhas, algo vital naquele contexto em que o próprio Lampião – assim como a volante – poderia ter olhos espreitando em qualquer lugar.
Ao obter a informação acerca da presença de Lampião, ao adotar esse cuidado com a informação,
Aniceto empregou um conceito que hoje se insere no que chamamos de “contra inteligência”, servindo, como ficou claro anteriormente, para proteger a informação existente.
E qual seria a importância de fazer essa proteção?
A resposta está no fato de que a fama de desconfiado de Lampião era suficiente para saber que bastaria ele imaginar que a polícia sabia que ele estava suspeitando de sua presença na região, certamente levantaria o acampamento e fugiria dali.
João Bezerra respondeu solicitando transporte vez que não o havia na Vila da Pedra, mas voltaria em marcha batida imediatamente, tendo encontrado o transporte já no meio do trecho.
Chegando em Piranhas, tomou outros cuidados como dissimular a tropa para que a população não percebesse a chegada daquele contingente considerável, bem como não deixou a tropa saber do que se tratava a operação que viria a seguir.
Dizem que a pessoa que entregou ao Cabo a presença de Lampião era um coiteiro de Corisco, que tinha diferenças com Pedro de Cândida e o fez por saber que este era um famoso coiteiro de Lampião na região. A possibilidade de Lampião descobrir informações privilegiadas sobre qualquer movimentação da tropa foi anulada pelas ações tomadas por seus comandantes e a informação fatal protegida por Pedro foi extraída à ponta do punhal.
Com medo de morrer e com um punhal pressionando sua costela mindinha, Pedro de Cândida entregaria o local onde Lampião estava acoitado, para então Bezerra marchar em direção e montar o cerco mortal, do qual os cangaceiros não tiveram tempo nem para revidar.
Naquele dia de inverno, todo o sistema de “inteligência” de Lampião foi anulado.
O resto é história e hoje se completa mais um ano do feito de 28 de julho de 1938.
* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço. (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)