Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *
Em texto recente chamei a atenção ao fato de que dois integrantes da então Força Pública – hoje Polícia Militar – perderam a vida por ocasião do levante do 13 de Julho. Achei importante e, por isso, reitero a necessidade de reconhecimento desses dois anônimos que certamente morreram mais por estarem no lugar errado do que por outra coisa. Mas existem outros aspectos curiosos que também merecem ser lembrados.
É importante ter consciência sobre o anacronismo e seus problemas em análise de questão do passado. Melhor falando, anacronismo é querer avaliar/analisar um fato histórico submetido ou localizado em um determinado período de tempo, as características específicas considerando ainda a temporalidade (valores morais, objetos culturais e tecnologia), com os olhos do presente.
Isso porque o momento atual carrega outros valores morais, objetos culturais e tecnologia. Ou seja, ao se agir anacronicamente procedemos como se quiséssemos jogar futebol (como o conhecemos) com regras de futebol americano – exemplo tosco, é verdade, mas válido.
Pois bem, o fato é que naquele 13 de Julho, a burocracia do Estado mudou com a deposição de Graccho Cardoso e, por óbvio, outras coisas mudaram, inclusive, no Batalhão da Força Pública.
Naquele ano, o contingente da Força Pública era de aproximadamente 350 militares, algo próximo ao efetivo existente no 28º BC. Considerando serem ambos batalhões militares, a similitude é esperada, entre o Batalhão da Força Pública que era comandado por um Tenente-Coronel (Caetano José da Silva) e o Batalhão de Caçadores por um Major (Jacintho Dias Ribeiro).
Após e/ou durante a sublevação, esses comandantes foram de um jeito ou de outro afastados das funções: O Major foi preso no “quartel do 28” e o Tenente-Coronel desapareceu junto com outro oficial. Os demais, de ambas as forças, à medida que se apresentaram e não aderiram, foram também presos. Exceto, o Tenente-Médico Eronides de Carvalho, que fugiu para o norte do Estado em missão secreta do Presidente do Estado deposto, Maurício Graccho Cardoso.
Muitos reservistas foram recrutados pelo novo comando do 28º BC, inclusive os oriundos da Força Pública, ocasião em que gerou incremento significativo no efetivo daquela unidade, que se preparava para uma resistência que não teria nenhuma efetividade, pois o movimento foi debelado – como já dito – em poucos dias.
Coube ao Tenente Soarino administrar o Departamento Segurança (Pública), o que lhe permitiu, naqueles poucos dias, ainda apurar uma ocorrência decorrente de briga de vizinhos que por causa de uma cerca resultou em morte a tiros.
Manuel Xavier de Oliveira, integrante da direção do Colégio Tobias Barreto que teria entregado, mediante requisição, alguns fuzis pertencentes àquela instituição de ensino, negou posteriormente ter sido Chefe de Polícia dos revoltosos, tendo o feito através do jornal Correio de Aracaju, no qual era articulista. O fato de ser militar da reserva pesava em tal contexto. A chefatura de polícia equivaleria à SSP de hoje em dia e era oficialmente ocupada pelo Dr. Cyro Cordeiro de Farias – este que viria a ser o fundador da nossa Penitenciária Modelo (ou a Grande), no Alto da Pindaíba, poucos anos depois.
Após o fim da revolta, Graccho Cardoso decide promover as mudanças necessárias às exigências daquele novo contexto. Com o fito de melhor controlar a Força Pública, decide que seus comandantes devem ser, mais uma vez, oficiais do exército. Vez que alguns integrantes da Força seriam, também, investigados pelo inquérito instaurado após o reestabelecimento da ordem.
Nesse contexto, requisita ao General Marçal Nonato de Farias a cessão do Capitão Octaviano José da Silva, que compunha o seu Estado Maior na Região Militar, para ser o novo comandante provisório da Força Pública. Era o homem de confiança do General, capaz de retomar e/ou impor a disciplina necessária naquele momento.
O fato é que Graccho Cardoso intercedeu através da aquisição de materiais mais modernos e o afastamento de militares mais avançados na idade.
Uma outra constatação curiosa, é o caso do 1º Sgt Rodomarque Barros Mendonça, que nesse tempo, sob determinação de Maynard Gomes, comandou efetivos nas trincheiras construídas na Praia Formosa, com intuito de proteger o acesso marítimo à capital.
Este, dentre dezenas de sargentos do 28º BC, que atuaram conforme dito, foram processados criminalmente, após a revolução.
A ironia do destino encontra-se em que, alguns anos depois, diante do contexto da Revolução de 1930, Rodomarque seria Subcomandante Geral da PMSE, bem como alcançaria a função de Comandante Geral, em sequência.
Hobsbawn dizia que o século XX inicia não em 1901, mas sim em 1914, com a eclosão da 1ª Grande Guerra. Ao mesmo tempo, é possível entender que as duas guerras na verdade é apenas uma com uma pausa no meio. A marca do século XX é forjada nesses anos entre 1914 e 1945.
O início cronológico do século XX foi marcado por toda essa efervescência, que marcou profundamente o mundo. Em especial, em nosso país o que tínhamos de mais marcante e com viés renovador foi o movimento dos Tenentes, que se apresentando na década de 1930, influenciaria a história e a política do Brasil por décadas. Sergipe não ficaria de fora, por óbvio.
Mas nos idos de 1924, findo o período revolucionário, seria objeto das atenções especiais de Graccho Cardoso, principalmente pela surpresa do levante do 13 Julho. Em suas declarações, o Presidente do Estado dizia ser necessário modernizar e reequipar a Força. Sendo um gestor modernizante, de fato ampliou os gastos com a Força Pública.
Além disso, por seu compromisso com o movimento reformador da Instrução Brasileira, em seu movimento de realocar escolas para prédios onde funcionavam delegacias policiais termina por retirar, ainda em 1924, a sede da Força Pública, do prédio onde hoje funciona o Museu da Gente Sergipana, passando a ocupar o prédio recém reformado que abrigara a Escola General Siqueira de Menezes – até hoje Quartel do Comando Geral da PMSE.
E aqueles homens envolvidos no levante repetiriam a dose em 1926, mais uma vez sem êxito, até serem vitoriosos em 1930. Por ironia, o Sargento Rodomarque de 1924 seria, na década seguinte, já como Major PM comissionado não apenas Subcomandante da Força Pública, mas também Comandante Geral.
P.S. Aproveito o ensejo para informar que estamos em busca de fotos do Major Rodomarque para subsidiar estudos sobre a história da corporação, do que pedimos ajuda aos leitores!
* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço. (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)