Por Clóvis Barbosa *
ZÉ RENATO, filho de classe média abastada, tornou-se político. Pululava entre os cargos do executivo e do parlamento. Tinha fama de pegador, e onde tivesse uma garota formosa lá estava ele armando arapuca para conquistá-la. Começou a sair com Amélia, uma gatona do Bugio, que quando passava pelas ruas chamava a atenção de todos pela sua beleza e corpo escultural. Oriunda da classe média baixa – seus pais eram funcionários da prefeitura – tinha sérias dificuldades para comprar os itens básicos de sobrevivência. Conheceu Zé Renato num desses carnavais antecipados, patrocinado pela família Augusto. Apresentada por uma amiga comum, enfeitiçou à primeira vista os olhos tumefeitos de desejo do conquistador. Pronto, Cupido flechou de inopino os corações dos amantes. Passaram a sair e a viajar juntos. Seis meses depois, o que acontece? Ela descobre que está grávida. Não diz nada a ele, pois, o conhecendo, sabia antecipadamente qual seria a sua resposta, dado o machismo inveterado da figura. Aproveita para romper o relacionamento, que já não andava bem das pernas. Vai morar em Salvador com uma tia, onde curte a gravidez e o nascimento de sua menina, a quem dá o nome de Bárbara. O tempo passa, ela conhece no carnaval da Bahia, num bloco puxado pela Banda Eva, Jean Arthur, um francês, de quem se tornou amante nos quatro dias de folia. Seis meses depois, estavam casados e ela foi morar com sua filha em Marselha. Teve mais dois filhos com o estrangeiro. Mas Bárbara não se adaptou bem à França e, aos dez anos, veio morar em Aracaju no Conjunto Bugio, residência dos seus avós. Aos 17 anos conheceu Zé Renato, que logo percebendo a formosura da menina passou a assediá-la. Coincidentemente, nesse período, quem estava em Aracaju, de férias, era a sua mãe, acompanhada do marido e dos outros filhos. A família tinha alugado uma casa no Mosqueiro, onde nos fins de semana todos se reuniam. Numa conversa com sua mãe ela falou do assédio de um político de nome Zé Renato. Quando ouviu esse nome, empalideceu e logo na segunda-feira dirigiu-se ao local de trabalho do assediador, a quem logo inquiriu: – Você conhece Bárbara, do Bugio? – Sim, é a minha mais nova conquista. – Pois se prepare para ouvir… ela é sua filha!!!
JOANA era uma garota apaixonante que morava no Jardim Centenário, antiga Olaria, periferia de Aracaju. Linda, com tudo no lugar, era o xodó da garotada e dos marmanjos do Costão, o antigo Colégio Costa e Silva, hoje João Costa. Oriunda de uma família de classe média, seu pai era um verdadeiro durão. – Filho meu não estuda em escola particular. Tem que estudar em escola pública. Toda a minha vida – do primário ao curso superior – estudei em estabelecimentos oficiais. Logo, quem quiser estudar em escola privada que vá trabalhar para pagar! Eis que ela conseguiu passar no vestibular da Tiradentes! E agora, como iria custear seus estudos? Não teve outro jeito. Construiu um site e passou a anunciar o seu corpo. E que corpo!!! Os clientes não paravam de ligar. Alugou um flat na Coroa do Meio, onde recebia a vasta clientela. A família vivia intrigada com os seus horários, mas ela tinha sempre uma desculpa esfarrapada para justificar. Chegou a comprar um carro, seminovo, à vista. Depois de algum tempo deixou a profissão. É que quando foi atender a um cliente viu, pelo olho mágico, o traíra do seu pai.
FERRUGEM era um mecânico muito respeitado e querido num município do agreste sergipano. Consertava qualquer veículo, dos carburados aos injetados, e não leve como surpresa ele laborar nos elétricos. Tinha dois amigos inseparáveis, Canhoto, um vira-lata, e Ney Matogrosso, um papagaio. Ninguém sabe o porquê de o papagaio intrigar com esse nome, sempre resmungando com os clientes da oficina. Quando o atendimento era em domicílio, quem acompanhava Ferrugem – na sua moto armengada – era Canhoto. Isso gerava um ciúme danado de Ney Matogrosso, o primeiro a voar para o transporte, mas sempre repelido. Era perigoso levá-lo, explicava o seu dono, por causa do vento. Usava uns óculos fundo de garrafa e sempre olhava as pessoas por cima dele. Era melancólico, e como Alfredo, aquele vizinho da música de Vinícius de Moraes, ninguém lhe dava atenção, ninguém o queria, ninguém lhe abria as portas do coração. Ele só era importante na hora do conserto do carro. Passou dali, acabou! Como sempre, às 7h ele abria a oficina, de domingo a domingo, mas, naquela sexta-feira, a loja não foi aberta. 8, 9, 10 horas e nada. Às 14h da tarde, Chulé, um doidinho da cidade, resolveu entrar pelo fundo após pular um muro. Lá encontrou Ferrugem, Canhoto e Ney Matogrosso, todos mortos e espumando, numa hipersecreção crônica. O laudo disse que foi um veneno denominado chumbinho. Foi uma comoção na cidade. E o comentário era um só: ele morreu de solidão!
ZÉ BORRACHINHA era uma figura emblemática na década de 1950 em Sergipe. Fez carreira e chegou ao topo do funcionalismo público com um dos seus maiores vencimentos. Sempre com um lápis e uma borracha nas mãos, foi servidor do Tribunal Eleitoral e por mais de 20 anos esteve responsável pela confecção dos mapas de apuração nas eleições. Era respeitado por todos, e ai de quem colocasse em discussão o seu comportamento ético. Em uma das eleições, depois de mapear todos os votos conseguidos pelos candidatos a Deputado Estadual, recebeu a visita do líder udenista Leandro Maciel, então governador, que queria ver o resultado. Após observar o mapa, disse a Zé Borrachinha: – Apague esses votos de Honorato e Guilhermino e ponha aqui para o Dr. Genésio! – Mas, Governador, a poucos instantes Honorato e Guilhermino estiveram comigo e já sabem do número de votos que tiveram. – Obedeça, Zé, honre o seu nome! E após esse diálogo, Leandro saiu do recinto. Quando souberam do resultado, Honorato e Guilhermino, ambos formados em Direito, foram reclamar furibundos com Zé Borrachinha. Ele não se fez de rogado: – Foi o Dr. Leandro quem mandou mudar. O tempo passou e nada de reclamação. Honorato foi nomeado Juiz de Direito e Guilhermino Promotor Público.
ANTÔNIO LIMEIRA nasceu em Cachoerinha, Pernambuco. Estudou em Alagoas e lá ingressou na Petrobrás, onde se tornou líder sindical. Com o fechamento do escritório da empresa em Maceió, veio residir em Aracaju. Estudando Direito aqui em Sergipe, foi cassado pela ditadura por “estar envolvido com atividades subversivas”. Chegou a ser preso na Penitenciária do Bairro América. Terminou o curso e se tornou um dos grandes advogados de Sergipe. Algum tempo depois, submeteu-se a um concurso público para Juiz de Direito, passando em 4º lugar. Na época, a regra não era a nomeação pela ordem de classificação. Dentre os aprovados, o Tribunal de Justiça encaminhava uma lista de três nomes para que o Governador nomeasse um. Para cada nomeação ia uma lista tríplice. E Limeira, praticamente, estava em todas as listas, e sempre era relegado. Todos que passaram no concurso, independente da ordem de classificação, foram nomeados, exceto Limeira. Antes do concurso perder a validade, foi aconselhado a procurar um político campeão de votos e que há mais de 30 anos mandava na política de Sergipe. – Filho, o problema é seu passado subversivo, mas posso resolver com o governador. Agora, você tem que cumprir nossas ordens. Na hora em que a gente mandar prender, é para prender. Na hora de soltar alguém, é pra soltar. Nada de henhenhenhen, certo? Limeira ouviu calado e foi para casa. 15 dias depois recebeu um telefonema do político com quem dialogara, afirmando que sua nomeação iria sair. E ele respondeu: – Olhe, diga ao governador que eu não quero mais ser juiz. Descobri que não tenho vocação! E voltou à sua banca advocatícia onde ficou até morrer.
NELSON RODRIGUES (1912-1980), escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista e cronista de costumes e de futebol, é tido como o maior frasista brasileiro. Muitos críticos o acusam de ser machista, racista, misógino e fascista. Algumas de suas frases que hoje seriam execradas: – A adúltera é a mais pura porque está salva do desejo que apodrecia nela; – A beleza interessa nos primeiros quinze dias, e morre, em seguida, num insuportável tédio visual; – A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão; – A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira; – Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o psicanalista; – Invejo a burrice, porque é eterna; – Nem toda mulher gosta de apanhar. Só as normais; – O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda; – Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas; – Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém; – Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante; – Toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem; – Toda unanimidade é burra.
(Em 15 de fevereiro de 2020)
* É advogado.
1 Comments
Que belas e intrigantes crônicas da realidade caro confrade Clóvis Barbosa , um deleite passageiro escrito cirúrgicamente para encantar. abraço do Poeta Estanciano Joildo Dante.