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A cultura dos doces de tabuleiro

Por Antonio Samarone *

“Quem ao filho agrada, a boca do pai adoça.” Ouvi muito na infância.

Em minha volta as raízes, pensei, vou buscar os doces de minha infância. Ainda existem? Em caso positivo, são os mesmos, ou inventaram novas receitas. Fui saber se o paladar médio é o mesmo, se a preferência pelos doces antigos permanece.

Cada geração tem os seus doces!

Eu sei, a incidência da diabetes cresceu. Para os portadores, o doce passou a ser um veneno. As saladas obrigatórias são castigos insuportáveis.

Para não misturar, os doces são muitos, cuidei primeiro das cocadas. Isso mesmo, das cocadas de tabuleiro. A baba de moça (doce de coco mole) era doce de rico.

O açúcar da cana é uma invenção árabe. Os índios usavam o açúcar diretamente das frutas e do mel de abelha. Não conheciam o açúcar manufaturado. Quem trouxe a cana para o Brasil foi Martim Afonso de Souza.

Não sei se guardamos os antigos livros de receitas. Estou procurando o livro de cozinha da Infanta dona Maria, de Itabaiana. Dona Mãezinha possuía o livro “Doceiras do Brasil”, de Constança Olívia de Lima, que ensinou o povo a arte dos sorvetes feitos em casa.

Ainda se faz cocada puxa, como as de Dona Rosita? Dona Gemelice ainda é viva? Ficávamos nas calçadas do Beco Novo, nos começos das tardes, esperando os filhos de Gemelice (Terto e Fio de Deus), passarem com os seus tabuleiros.

Dona Gemelice fazia o bolo Souza Leão de Itabaiana, um manauê de puba, com a cobertura mole. A minha memória guardou o sabor. Quando penso, a boca enche d’água.

Tenho saudade das cocadas puxas feitas em tachos de cobre, vendidos pelo ciganos.

Cocada é doce de menino, eu sei, mas continuo com esse vício infantil. Não troco uma cocada bem-feita por nada. Cocada pura, sem mistura, só de coco, é a minha gulodice preferida. Por conta da diabetes, só como escondido.

Eu gosto dos doces de tabuleiros de rua. Quando cheguei em Aracaju, não dispensava as cocadas de Lídio (o vermelho).

Preciso confessar que também gosto do doce de leite com ovos, aquele de bolotas, e do doce de banana em rodelas, com calda.

Gostava do quebra queixo de Seu Oscar. Já as mudinhas, aquelas cocadas com pedacinhos de coco por cima, nunca gostei.

Seria injusto esquecer o doce de batata de dona Aurelina, a mãe de Zé Gorducho. O ponto, era um segredo maçônico.

Eu Itabaiana, os “conviteiros”, que intermediavam os namoros, eram chamados de “cocadas”.

O doce de coco era o preferido por Machado de Assis e Rachel de Queiroz. Estou bem acompanhado.

Quem inventou a cocada? Com certeza, não foram as freiras de São Cristóvão. Lá, elas inventaram a queijada, uma cocada metida a besta. Cocadas, cocadas mesmo, as queimadinhas de tabuleiro, com o gosto do coco, não sei quem inventou.

No momento, procuro uma cocada de raiz de imbuzeiro, que em minha infância se chamava de “tijolo”. Soube que vinham de Jeremoabo, em pequenos caixões. Encarreguei um amigo de Bebedouro (atual Coronel João Sá) de procurá-las.

Nunca mais vi os meninos com tabuleiros de cocadas pelas ruas. Ainda existem?

Acho que não.

O indústria alimentícia entupiu tudo de açúcar e banhas sintéticas, derivadas de petróleo. Os biscoitos recheados de supermercado e as balas industrializadas viciaram o paladar com o açúcar.

Desapareceu o gosto original das frutas nos doces. O açúcar causou dependência e o povo engordou. A indústria de alimentos criou a epidemia de obesidade.

As bodegas não vendem mais as cocadas das doceiras.

* É médico sanitarista e está secretário de Cultura de Itabaiana.

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1 Comments

  1. Marcone disse:

    Excelente texto, tema que mexe com a memória e a sensibilidade de muita gente. Uma leitura leve, saborosa. A crítica no final à indústria alimentícia é imprescindível.

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