Por Clóvis Barbosa *
A humanidade conseguiu esculhambar, durante todos esses séculos, com o termo Bruxo, do latim Pluscios, ou seja: plus = mais; cios = saber. Latinamente falando, a palavra significa pessoa que sabe muito. A fim de evitar maiores discussões a respeito do significado, fui direto à origem da palavra. Infelizmente, várias culturas por todos os continentes têm adulterado o seu conceito, sempre levando-o para o macabro, o obscuro, como alguém de personalidade ruim, trágica ou fúnebre. Nada disso. Ao contrário, o bruxo é um elemento de desmistificação de nós mesmos que muitos não fazem questão de explorar ou de saber. Para tanto, precisamos entender ou conhecer o Cosmo, o universo em seu todo, desde o microcosmo – o homem como sua expressão – ao macrocosmo – o universo como um todo orgânico em oposição ao homem – passando pelas estrelas e as partículas subatômicas. Cosmo, pois, é o conjunto disso tudo, caracterizado pela beleza, ordem e harmonia, no qual o homem está inserido como parte desse agrupamento global. O próprio Evangelho de São João preceitua que “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por Ele e nada do que tem sido feito, foi feito sem Ele. Nele estava a vida, e a Vida era a Luz dos homens”. (…) “…e o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Em outras palavras, sendo o som a matéria prima do universo, este poder foi conferido ao homem por Deus, e somente a ele. Vê-se, pois, que homem e Universo são da mesma essência e evoluem concomitantes. Nem sempre, lógico, a ignorância é o elemento que mais influi na incompreensão humana, desinserindo o homem da força que possui na sua relação com as Leis da Natureza.
Dizia Shakespeare uma verdade: Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha vossa vã filosofia. Logo, vem Santo Agostinho ratificar a tese da universalidade do homem – Deuses fomos e nos esquecemos disso – como a nos lembrar da desatenção com os assuntos transcendentes relacionados às nossas forças-energias cósmicas. Essa omissão, preguiça e ignorância forjam um tipo que passa pela vida vegetando, como um cadáver adiado, que faz da hipocrisia a razão de seu viver, sempre fingindo ter crenças, virtudes e sentimentos que não possui. O mais completo dos evangelhos é o de Mateus. Ele nos fala do povo que limpava o exterior da taça, mas deixava o interior sujo: Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais o copo e o prato por fora, mas por dentro estais cheio de roubo e cobiça. Fariseu cego! Limpa primeiro o copo por dentro, que também por fora ficará limpo. Eles são os sepulcros caiados, que por fora parecem belos e adornados, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e imundície. Ainda em Mateus, Jesus disse: Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e iniquidade (23:28). Ultimamente, a sociedade brasileira vem assistindo a uma onda de fake news com ataques morais e notícias desairosas, onde currículos e conceitos são estraçalhados, patrimônios indisponibilizados e famílias destruídas. O pior de tudo é que a esmagadora maioria desses delinquentes virtuais não olha para o próprio rabo, pois as suas práticas éticas são piores do que aquelas que estão sendo elencadas contra alguém ou instituição.
E quando é flagrado nas suas pilantragens, utiliza-se levianamente de explicações paleolíticas que se caracterizam pela ausência de pudor. Pois bem. Essa alcateia de bárbaros que vive zunindo em todo campo social – com ênfase nos segmentos econômicos e políticos – em momento algum tem qualquer compromisso com o avanço da sociedade e com o completo processo de transformação social que se exige. Na verdade, as esperanças de progresso moral e social – com uma equitativa distribuição dos bens e da riqueza produzida – liberdade individual e felicidade pública estão cada vez mais fora de alcance, fruto de uma política e de uma economia que gradativamente dominam e escravizam monstruosamente a maioria da população. Marx tinha razão quando disse “(…) Na mesma instância em que a humanidade domina a natureza, o homem parece escravizar-se a outros homens ou à sua própria infâmia”. Nesse mundo de Deus, a hipocrisia impera triunfante, levando fama de bons aos falsos moralistas, e vitimando com difamações e inveja as pessoas que possuem virtudes verdadeiras. Mas existe forma de enquadrar esses selvagens num processo civilizatório? É possível mostrar o quanto o homem é sujeito da história? A humanidade faliu? Em tempos de pandemia do coronavírus há um modo de estimular a reflexão sobre o que somos, o que fazemos, para onde vamos, quem nos move? Por incrível que pareça esta preocupação não é de agora. Contudo, continuamos no mesmo lugar: impotentes diante do absurdo do mundo e da barbárie cada vez mais injustificada. Tudo isso que vivenciamos tem uma só origem: a estupidez humana.
Darwin dizia que compartilhamos a nossa origem com o mais dos insignificantes seres do reino animal – o rato – e que uma das diferenças humanas em relação a ele é que precisamos enfrentar um inimigo muito poderoso, que está ao nosso lado e em todo lugar, sempre preparado, como uma cobra pronta para dar o bote: a estupidez. Albert Einstein dizia: Só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana, mas não estou seguro sobre a primeira. E o pior é que os ensinamentos estão aí à disposição de todos – na literatura e na história – mas, infelizmente, não aprendemos e teimamos em repetir os mesmos erros. As nossas vestes estão impregnadas da couraça da vaidade e da arrogância. Não assimilam os bons ensinamentos e optam quase sempre pela mediocridade. Esquecem-se de ouvir ou ouvem mal e incorporam maus sentimentos em seu cotidiano. Não sabem o que é a gratuidade, pois vivem sempre à espera de compensações e do seu egoísmo. Aquele que assim age é sempre desconfiado, violento, dedicado a defender-se do que possa ameaçar os seus privilégios. Vitimiza-se de tudo e de todos porque estes estão sempre procurando prejudicá-lo. Não sabe perdoar, não tem censo de autocrítica, é injusto e mesquinho. Penso que Nietsche tinha razão ao dizer que “Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice”. O sistema cósmico a que nos atemos no início desse ensaio está cada vez mais ameaçado por essa alcateia. A agressão à natureza em toda sua plenitude – oceano, ar, solo e sub-solo – está chegando a um ponto em que uma reação natural poderá advir no mais rápido espaço de tempo. O coronavírus é o maior exemplo dessa represália do universo.
O desmatamento feroz das nossas florestas, a poluição e urbanização selvagem têm tirado dos seus habitats milhares de vírus que vivem de células hospedeiras para se reproduzir. Nós, humanos, somos vítimas fatais nesse panorama. E por quê? Porque temos vagado nesse universo em lenta e penosa evolução. A pura ignorância com as Leis do Universo e essa desintegração com todo esse sistema tem nos levados a esse quadro dantesco de autodestruição. Mas, os bruxos estão aí para mostrar e alertar esses seres desprezíveis da necessidade de se viver em harmonia com a natureza. Não é à toa que grandes nomes da inteligência no mundo inteiro são chamados de bruxos e, por isso, muitas vezes perseguidos no decorrer da história. Machado de Assis, o nosso grande escritor, era chamado de O bruxo do Cosme Velho, a quem Carlos Drummond de Andrade dedicou o poema A um Bruxo, com amor. Na época da Inquisição, homens considerados intelectuais e cientistas que não rezavam na cartilha dos donos do poder católico foram queimados na fogueira. Joana d’Arc, heroína nacional da França, é o símbolo desse período e foi queimada em praça pública acusada de assassinato, heresia e de ter relações sexuais com o Diabo. Em verdade, a maior característica que norteia o bruxo é sua capacidade de entender o mundo. Claro, afinal ele está afinado com os acontecimentos. E não adianta duelar com ele. A história mostra que a natureza reage em seu favor toda vez que sofre uma injustiça. E lembre-se, se quer viver em harmonia com o cosmo, pegue firme na vassoura de sua vida e voe por esse mundo maravilhoso, que é a Terra. Estude e conecte-se, pois ela – a Terra – conosco ou sem nós, seguirá sempre adiante.
(Escrito em 25/04/2020)
* É advogado.