Nas principais manifestações religiosas católicas do povo sergipano ocorre um consumo de comidas típicas fortemente associadas à identidade cultural da população. Esta foi a conclusão a que chegou Sônia de Souza Mendonça Menezes, professora doutora da Universidade Federal de Sergipe. No artigo “Comida: identidade, tradição e cultura enraizada nas manifestações do catolicismo em Sergipe”, ela trata das relações imbricadas entre comidas e religiosidade populares, destacando as manifestações católicas da quaresma, romarias, festejos juninos e natalinos. Entre os pratos citados pela educadora está o saboroso arroz com galinha, muito consumido nas festas natalinas.
Por estarmos em dezembro, mês em que se festeja o Natal e a chegada do Ano Novo, fizemos um recorte do bem elaborado trabalho da professora doutora, para destacar e relação das comidas típicas com as comemorações do ciclo natalino. Sônia de Souza Mendonça Menezes apurou que as mudanças socioeconômicas e culturais interferem diretamente nas práticas religiosas, embora, em determinadas festividades, permaneça “o consumo de comidas tradicionais que são valorizadas e produzidas em espaços no interior das residências”.
No estudo, Sônia revela, ainda, que “até a década de 1970, as comemorações do Natal eram realizadas no espaço público. Nas praças principais das cidades, eram instaladas barracas com comidas típicas, jogos, organizados bares, parques de diversão para as crianças e até comércio de frutas da época. Homens, mulheres e crianças trajavam-se com a melhor roupa ou estreavam a roupa nova e desfilavam pelos logradouros: as praças transformavam-se em espaços de encontros entre parentes, amigos, visitantes, migrantes.
Natal, uma festa na praça
E segue a pesquisa: “Diferentemente do que acontece em outras regiões brasileiras, as festas não ocorriam no espaço recluso das residências. O burburinho nas cidades era grande, inclusive ao som de músicas natalinas. No momento da Missa do Galo, os cristãos deslocavam-se à igreja para participar da festa religiosa. Após a missa, era o momento do retorno, sobretudo para aqueles que residiam na zona rural ou em cidades circunvizinhas.
Qual a lembrança do Natal? Era comum adquirir bolos, confeitos elaborados com castanha do caju, inseridos dentro de pequenas cestas feitas com papel machê para as crianças. Os adultos adquiriam as bolachas de goma, o bom-bocado, as queijadas, cocadas baianas, como uma recordação da festa e esses quitutes eram consumidos durante toda a semana.
Para além desses quitutes adquiridos como lembrança do Natal, importante ressaltar a quantidade de barracas instaladas nas praças que comercializavam as comidas de festa: a galinha de capoeira, acompanhada pelo arroz, farofa e uma salada ou macarrão. Fazia parte da tradição natalina degustar com a família esses pratos típicos. Existiam aquelas cozinheiras famosas que administravam as barracas nas quais a demanda era acentuada.
Alterações na festa
A partir da década de 1980, ocorre uma ressignificação da festa natalina, resultante dos modelos das ceias familiares comuns em outras regiões, difundidas pelos meios de comunicação de massa, a violência em alguns centros urbanos como um fator impeditivo da participação do povo nas praças, provocando as alterações nessa festividade outrora popular.
Atualmente, as festas natalinas estão reclusas ao interior das residências; ainda são consumidas as comidas tradicionais citadas anteriormente, comercializadas no espaço público. Entretanto, observamos a inserção de alimentos produzidos em espaços distantes, alicerçados pela lógica do capital, fundamentados no uso do poder midiático e na valorização das embalagens.
De acordo com alguns adultos e idosos, essa festa tornou-se triste, monótona, sem parques de diversões, reclusa ao ambiente cotidiano. Outros, por sua vez, acreditam que isso fortaleceu os laços familiares, porém todos ressaltam as mudanças na alimentação com a inserção de produtos elaborados e sem tradição, como o panetone, o chester, entre outros, que mostram a força do capital através do meio técnico científico e da mídia”, revela a professora doutora Sônia de Souza Mendonça Menezes.
Em 2021, o ‘Arroz de Galinha’, do município de Lagarto, foi declarado como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado de Sergipe pela Assembleia Legislativa de Sergipe. O prato típico é composto pela mistura de arroz, galinha e vatapá mole. Autor do projeto, o deputado estadual Luciano Pimentel (PP), afirma que a Lei objetiva reconhecer a importância cultural do “Arroz de Galinha” para o circuito turístico de Sergipe. Ressalta que além da importância cultural ao longo do ano, o alimento típico do município de Lagarto possui uma ligação intrínseca com as festividades natalinas.
Prado apaixona carioca
Mais o que é esse tão falado arroz de galinha ou galinhas de capoeira com arroz? No blog Bora Vaijar, a carioca Vanessa Tavares – “brasileira da gema, apaixonada por viagem e fotografia” –, descreve, em poucas palavras a iguaria, adiantando só ser possível encontrá-la na cidade sergipana de Lagarto: “É a mistura de arroz, galinha e vatapá mole. Até hoje não descobri o motivo, mas o prato só é servido nos bares e restaurantes da cidade às sextas-feiras”, conta a viajante. O advogado lagartense José Dantas confirma a versão de Vanessa. Outro dia, inclusive, o famoso causídico trouxe de sua cidade, para servir os amigos em Aracaju, o saboroso arroz de galinha com vatapá mole. É uma delícia!
Por Destaquenoticias (Foto: redes sociais)