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Jackson de Figueiredo, legionário da igreja

Por Gilfrancisco*

 

Só vejo no mundo um ideal a altura de uma verdadeira consciência: servir à igreja, defende-la, espalhar cada vez mais o seu espírito, apontá-la como único refúgio da bondade e do amor, como única força contra a Força, com amparo único, realmente segura, à inteligência e à sabedoria.

                                    Jackson de Figueiredo (1891-1928)

                                           

Comecei a me interessar pela obra de Jackson de Figueiredo (1891-1928), amigo companheiro do curso de direito e de boêmia na Bahia de Pedro Kilkerry (1885-1917), casualmente em 1970, quando pesquisava juntamente com o poeta-editor Erthos Albino de Souza (1932-2000) os textos esparsos do poeta simbolista baiano. Bem como a organização de sua bibliografia, para inclusão no livro ReVisão de Kilkerry, Augusto de Campos (Fundo Estadual de Cultura-Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo. São Paulo, 290 p., dezembro, 1970. São Paulo, Editora Brasiliense, 2ª ed. revista e aumentada, com Bibliografia organizada por Erthos Albino de Sousa, 363 p, 1985). Entre a 1ª e 2ª edição, localizei vários documentos sobre o poeta Pedro Kilkerry, para enriquecimento desta última edição, que infelizmente não foram incluídos a tempo por encontrar em fase final de impressão: certidão de óbito expedida pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais; Certidão do Sepultamento expedida pela prestadora de serviços, Casa Adornativa e cópia da Certidão de óbito passada em 1917, a pedido de Gustavo Ramos de Cerqueira Lima, responsável pelo sepultamento do poeta. Finalmente em 2022, publiquei Pedro Kilkerry, Maldito entre malditos, Edições GFS, 197 páginas.

Poeta, crítico ensaísta e doutrinador, Jackson atuou intensamente no cenário do pensamento nacional com aquela violência desmarcada de um temperamento que nasceu para mandar, tendo sido, como observou Tristão de Athayde, o restaurador da alma brasileira. Fez sua profissão de fé espiritualista no cenário do pensamento nacional. Jackson de Figueiredo era um defensor exaltado da ordem, pelo respeito que sempre desejou criar a autoridade. Condenava com bastante calor o liberalismo, apontando-o como o gerador da desordem brasileira. O certo é que esse sergipano foi um polarizador de energias, um aglutinador de almas de elite, desejava formar em torno de si, essa aristocracia dos anjos encarnados que sofrem pelos jardins da terra. Jackson deixou numerosos discípulos e amigos e, nos próprios inimigos, a admiração e o respeito.

Primeiros Passos

Nasceu Jackson de Figueiredo Martins em 9 de outubro de 1891em Aracaju, filho de Regina Jorge de Figueiredo Martins (poeta talentosa) e Luiz de Figueiredo Martins, professor do Atheneu Sergipense, Colégio Tobias Barreto e da Escola Conselheiro Orlando, tinha oito irmãos. Luiz casou-se em 21 de abril de 1888, tiveram os seguintes filhos: Goslam e Ilmar não sobreviveram, Jackson, Zuleida, Elze, Rubens, Hudson, Anaide e Jacinto. O avô paterno Jacinto Martins de Almeida Figueiredo era Português do Porto. Jackson de Figueiredo começou a escrever aos nove anos. E realiza seus estudos no Colégio Americano, Atheneu Sergipense e no Liceu Alagoano, época em que publica o livro “Bater de asas”.

Apesar de aluno brilhante e popular, no Atheneu, Jackson criou inimizades: um grupo que o aplaudia e outro que não o apreciava do todo. As incompatibilidades na instituição de ensino chegaram a tal ponto que por prudência seu pai o envia para Alagoas, onde terminaria os preparatórios (1908-1909) e onde colabora no jornal do Liceu Alagoano e no Correio de Maceió. Mesmo após concluir o curso, goza de prestigio na imprensa alagoana, publicando no jornal Perseverança, de 30 de abril de 1910, o soneto Verdade, e sendo elogiado por Fernando Tavares na edição de 10 de novembro do mesmo ano no jornal Gutenberg, com um artigo sobre seu livro Zingara.

Em 25 de março de 1916, casa-se com Laura Graziela Alves, cunhada do filósofo Farias Brito (1862-1917) e torna-se proprietário de livraria católica. A partir de 1918 marca sua conversão, iniciou uma fase combativa em defesa da Fé, organizando de forma pioneira a intelectualidade católica leiga no Brasil. Jackson tinha a ideia de fazer renascer a fé católica tradicional no povo brasileiro. Foi um trabalho doloroso e progressivo, entrou na igreja com a vontade e o coração, abdicando conscientemente seu individualismo intelectual.

Estreia

O jovem poeta teve sua estreia em livro em 1908, graças ao jornalista, editor e avô paterno do recém falecido conselheiro do TCE, Carlos Pinna de Assis (1949-2023), Antônio Xavier de Assis (1870-1939), proprietário da Livraria Brazileira, onde foi publicado o livro de Jackson de Figueiredo, Bater de Asas (sonetos 31, páginas).

 

Gotas claras de orvalhos…

 

Gotas claras de orvalho, cintilantes,

Que luzis nestas pétalas de rosas

Dando beleza a elas tão formosas,

Sóis pequeninos, trêmulos, brilhantes,

 

Gotas puras d’alvor de diamantes

Que o Sol as faz secar, tão, tão mimosas,

Murchando já também as fulgurosas

Pétalas, de cetim tão radiantes.

 

Igual a vós oh! Gotas cristalinas

Que nos lembram sorrisos de Jesus,

São nossas ilusões, róseas, divinas…

Primeiro luzem como estrelas puras.

Depois se finam, e de noss’alma a luz

Empalidece ao Sol das amarguras.

 

(De Bater de asas, 1908)

 

Faculdade de Direito

De 1909 a 1913 estudou em Salvador, na antiga Faculdade Livre de Direito da Bahia, onde bacharelou-se – sem solenidade, com seus colegas e amigos Pedro Kilkerry (1885-1917) e Otaviano Saback. Um ano após chegada em Salvador, torna-se integrante da agremiação Nova Cruzada, que promovia tertúlia literária e cívica. Em 1912, Jackson envolve-se num incidente com a polícia baiana, no Teatro Politeama. Por motivo de saúde, Jackson retorna ao Sítio Erma, residência dos pais em Aracaju, para tratar-se da moléstia (origem nervosa) eczematosa que tanto sofrimento lhe trazia.

Os outros trinta dos trinta e três bacharéis de 1913, paraninfados pelo professor Ponciano de Oliveira, homenageado, cons. Ruy Barbosa, orador Mário Guimarães, orador da entrega do quadro Yves Guimarães, graduaram-se solenemente no já tradicional 8 de dezembro. A turma dispensou-se no ano seguinte, alguns radicando-se no interior, como Kilkerry, em Santo Antônio de Jesus (até 1916), ou Edgar Matta em Nazaré das Farinhas (até 1924), mas Jackson de Figueiredo tomou um dos vapores Ita do Norte em março para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até a sua morte tão prematura e trágica, em 4 de novembro de 1928, aos 37 anos apenas, por afogamento na praia da Tijuca, depois de escorregar num rochedo, onde pescava com o filho caçula Luís (de apenas oito anos) e um amigo que, impossibilitados de salvá-lo das ondas bravias e águas profundas, assistiam os últimos acenos de despedida de Jackson.

As Repúblicas

Era comum entre os estudantes que iniciavam a vida acadêmica na Bahia, se hospedarem nas “repúblicas”. O mesmo que pensão. Segundo Xavier de Oliveira, Jackson teria morado por dois anos em “república” estudantil e, nos últimos anos na Bahia, teria vivido em companhia de Edgar Sanches. Acolhido pela família deste, passou “três anos dormindo no mesmo quarto e sob o mesmo teto do Solar do Garcia”. Já Epaminondas Berbert de Castro, calouro em 1913, eminente político baiano, declara que conviveu na pensão de D. Rosa com Jackson e os estudantes de medicina, Armando Sampaio Tavares e Sabino Silva. Estas informações não conferem com a de Cléa de Figueiredo Fernandes no livro “Jackson de Figueiredo – uma trajetória apaixonada” (Rio, Forense Universitária, p. 98, 1989): Sanches hospedou Jackson no ano de 1913 até quase o término do curso na Faculdade, também nesse ano foi seu procurador.

Na velha, misteriosa e enigmática Bahia, Jackson acompanha com interesse a política baiana. Identificou-se com Salvador e urbanisticamente apreciou a originalidade da cidade-alta, cidade-baixa, ruas e ladeiras, casarios, o pelourinho, as ricas mansões, os edifícios públicos dos tempos coloniais, as igrejas e a numerosa população com sua heterogeneidade ética com predomínio do contingente negro.

Pedro Kilkerry

A amizade entre os neocruzados, possibilitou que estes tivessem acesso aos periódicos sergipanos, onde passaram a divulgar os seus trabalhos: Durval de Moraes (1882-1948), Arthur de Salles (1879-1952), Galdino de Castro, Xavier Marques (1861-1942), Álvaro Reis (1880-1932), Carlos Chiacchio (1884-1947), Pedro Kilkerry (1885-1917), dentre outros.

Em Salvador, Jackson  fez novas e grandes amizades, entre as quais a de Edgar Matta, que o levou várias vezes a Nazaré das Farinhas (cidade do Recôncavo Baiano); pela primeira vez em 1909, quando este o apresentou ao escritor Anísio Melhor (1885-1955) e dessa amizade surgiu o prefácio “O que tenho a dizer”, de Jackson, ao livro de estreia do novo amigo, “Os Meus Versos”, impresso pelo próprio Anísio, na tipografia do jornal O Regenerador, em 1911. Com o ficcionista Xavier Marques, que fora apresentado por Kilkerry, manteve uma longa correspondência, além de ter publicado o ensaio Xavier Marques (Rio de Janeiro, Tipografia da Revista dos Tribunais, 2. ed. 1916).

Outro amigo íntimo de Jackson de Figueiredo foi Edgar de Reggio Ribeiro Sanches (1892-1972), este muito hostilizado nos epigramas do poeta maldito Pinheiro Viegas (1865-1937).

Soldado da Igreja

Em outubro de 1938 o poeta, pensador católico sergipano e ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, José Amado Nascimento (1916-2017), em artigo “O soldado da Igreja”, publicado no número 9 do Boletim Vitalista, afirma que defender a igreja era um ato de coragem e Jackson de Figueiredo foi um defensor intransigente, um soldado da igreja:

Jackson vinha da infância com uma força indagadora assombrosa e uma bagagem de leituras formidável. Atravessou a adolescência angustiadamente, na inquietude “da dúvida que atormenta”. Mas, já em plena mocidade, desenganado do materialismo, do agnosticismo, do ceticismo que nada falaram de modo a contentar-lhe a respeito do problema do destino humano, Jackson, tendo enveredado pelo espiritualismo, veio, de progresso em progresso, abraçar a verdade católica.

 

Centro D. Vital

Associação brasileira de católicos leigos de caráter nacional sediada no Rio de Janeiro, foi criada em 12 de maio de 1922 sob a liderança de Jackson de Figueiredo (seu grande idealizador), primeiro presidente.

A fundação do Centro D. Vital é um acontecimento de grande alcance religioso e social para o Brasil. Pedindo a Nosso Senhor que abençoe os esforços do sr. Jackson de Figueiredo, o iniciador dessa grande obra, aprovamos os seus estatutos.

A todos os católicos principalmente aos que se interessam pela restauração espiritual dos nossos intelectuais, recomendamos o Centro D. Vital.

 Rio, 25 de maio de 1922 – Arcebispo Coadjutor – D. Sebastião.

 

O centro foi uma realização consoladora em todo o Brasil e entre alguns membros importantes da associação estavam Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção e Heráclito Sobral Pinto. Entre os seus princípios estatutários encontra-se a “comunhão e estrita observância da orientação doutrinária do magistério da igreja”.

Fundada em Aracaju em 1º de maio de 1932 por Rubens Figueiredo, irmão de Jackson, essa sociedade de caráter estritamente religioso cultural, como agência do Centro do Rio, tinha assistência religiosa do Pe. Avelar Brandão. Com sua biblioteca e publicação de um Boletim Vitalista, mantinha sessões semanais em que, primeiramente e muito piedosamente se reza, e depois se ouvem dissertações de caráter doutrinário e apologético. Está plenamente subordinado a autoridade Diocesana. Eis alguns membros: Volney Tavares, Cícero Sampaio, Abelardo Cardoso e outros moços, soldados da fé.

Quando Jackson de Figueiredo completou dez anos de morto, em 1938, o Centro D. Vital de Aracaju, através do Boletim Vitalista, órgão do Centro, Ano III, nº 9, novembro, oito páginas, o homenageou com esta publicação, onde colaboram amigos e intelectuais: Vicente Mesquita, José Amado Nascimento, Tristão da Cunha, Ronald de Carvalho, Afonso Pena Junior, J. Papaterra Limongi, Barreto Filho, Andrade Muricy, Padre Leonel Franca, Agripino Grieco, Plínio Barreto, Xavier Marques, Graça Aranha, Gondin Fonseca, F. Alves de Oliveira e Tasso da Silveira:

 

Faz dez anos que Jackson de Figueiredo morreu. Uma vida ardente, tão rica de sofrimento quão cheio de amor da sua mocidade heroica.

Uma vida de lutas espirituais em que se romperam as experiências de gerações marcadas pelo ceticismo e pela indiferença, rasgando as gerações seguintes as possibilidades de crer e de afirmar.

Uma consciência da mais pura brasilidade, iluminada pelos fervores mais altos do cristianismo.

 

Para a realização das comemorações, aprovadas e patrocinadas por S. Excia. o Sr. Bispo Diocesano, foram constituídas três comissões: Comissão de Honra, Comissão Executiva e Comissão de recepção.

Missa (dia 4) solene em sufrágio de sua alma, às 7 horas, com comunhão geral dos vitalistas e de vários colégios da capital, na igreja Catedral, celebrada pelo Exmº sr. Bispo de Garanhuns, D. Mário de Miranda Vilas-Boas, falando ao Evangelho o Cônego Avelar Brandão. Inauguração da praça “Jackson de Figueiredo” às 16 horas, ocasião em que falaram Sr. Godofredo Diniz, prefeito da capital, e o vitalista Abelardo Maurício Cardoso.

Revista A Ordem

Criada em 1921(um ano antes do Centro) por Jackson de Figueiredo, foi logo incorporada ao Centro D. Vital, como órgão de divulgação principal do Centro. Nos primeiros tempos foi marcante e decisiva a estreita interlocução e colaboração com o então Cardeal Sebastião Leme, Arcebispo do Rio de Janeiro, grande entusiasta da instituição. Após a morte de Jackson de Figueiredo em 1928, o Centro passou às mãos de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), alinhado ao pensamento “neotomista” contribuiu para expandir o CDV, nas décadas de 30, 40 e 50: Recife, São Paulo, Salvador, Aracaju, São João Del Rey, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Ouro Preto, Juiz de Fora, Uberaba, Campos, São Luiz do Maranhão, Pelotas, Florianópolis, Manaus, Diamantina, Itajubá e outras.

É possível encontrar qualquer um dos números da Revista A Ordem, na Biblioteca Pública Epifânio Dória, em Aracaju.

Retrato

                 Não fazia economia da alma. A que ele considerava o dever, a verdade, a boa causa, dava-se com frenesi, sem olhar ao derredor, os princípios ou os desvios perigosos em que a ação muito apoiada, não pode atraiçoar.

                Em todas as pugnas, as mais impessoais, sustentando doutrina, dogma ou oposição havíamos de vê-lo de peito descoberto e arfante, com a face iluminada pela irradiação da luz interior: uma consciência sempre alerta e inquebrantável.

                                                 Xavier Marques (1861-1942), escritor.

 

                Sua vida representa par todos nós uma nobre experiência terrestre que, a rigor aproveitará mais a nós outros do que aproveitou a ele próprio. Passando por certas aventuras perigosas sem se haver sujado nelas e movido sempre pela Musa do Descontentamento, a mais inspiradora de todas, seus sobressaltos e arrancadas importam para nós em conselhos de serenidade cristã.

                                               Agripino Grieco (1888-1973), escritor

 

               Como os grandes combatentes de sua classe Jackson de Figueiredo possuía a suprema alegria de admirar. Este prodígio de emoções jamais teve a mesquinharia de negar o testemunho de sua admiração aos escritores e artistas de que estava separado pelas ideias. Entendia-se com eles em uma inigualável zona de sensibilidade estética.

                                               Graça Aranha (1868-1931), escritor

 

                O que me impressionou talvez mais no caráter de Jackson de Figueiredo (seria por motivos pessoais ou por causa do contraste aparente) foi a sua ternura, uma ternura sem enternecimento, reprimida e transformada, mas que lhe fugia muita vez pelos olhos claros um pouco espantada, um pouco ansiosa, como uma contravenção às suas normas de serenidade interior. Seu ouro forte traço ou a altiva honestidade do pensamento crítico. Este homem de convicções extremas e de afirmações peremptórias, nunca hesitou em reconhecer o valor onde o encontrava. E tantas vezes era no campo mais o porto ao das suas afirmações e convicções.

                                             Tristão da Cunha (1890-1974) escritor

 

                Desejou sempre, e com ânimo seguro, nesse período triste de infinita plasticidade moral e mental, os portos difíceis e atrevidos: foi amigo exemplar, entre distraídos; dogmático, entre pragmatistas, brasileiros, entre metecas. Pela riqueza de sua herança, Jackson de Figueiredo estará sempre entre os mais vivos de todos nós.

                                              Ronald de Carvalho (1893-1935), escritor

 

* Gilfrancisco é jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS

gilfrancisco.santos@gmail.com

 

 

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