Gilfrancisco*
Eu tive o privilégio de ser seu colega na primeira administração de João Alves, como governador de Sergipe, onde eu era secretário de recursos hídricos e ele secretário de Justiça. Foi deputado, conselheiro do TCE e o fato é que ele sempre honrou os cargos públicos que exerceu. Era um político ideologicamente claro, era tido como esquerda, lutou pela redemocratização do país e hoje perdemos o nosso colega, conhecido como Tertu. Ele deixa o seu legado, onde sua filha o substituiu há muito tempo como vereadora, deputada e hoje conselheira do TCE. O fato é que Sergipe se despede de um político que sempre fez o seu papel com muita dignidade.
Advogado militante, Juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, Classe Jurídica (1962-1963), professor da Escola Técnica Federal de Sergipe e da Escola Técnica de Comércio de Sergipe (1964), presidente do Diretório Estadual do MDB, deputado federal na Legislatura de 1979-1983, secretário de Assuntos Políticos, secretário de Estado da Justiça, Trabalho e Ação Social (1985). Tertuliano Azevedo foi nomeado como conselheiro de Tribunal de Contos do Estado de Sergipe, no governo de João Alves Filho, onde assumiu a Vice-Presidência (1987-1988, 1989-1990), Presidência (1991-1992), Corregedoria Geral (1997-1998), Vice-Presidência (1999-2000), sendo o 13º agraciado com o Colar do Mérito Gumersindo Bessa, concedida pelo TCE-SE. Aposentado desde o ano de 2000, Tertuliano Azevedo faleceu no Hospital Primavera às 4h45 do dia 7 de março de 2015, aos 84 anos, vítima de insuficiência renal, sendo seu corpo velado e sepultado no cemitério Colina da Saudade, deixando as “seis Marias”, Maria Bernadete Fontes Azevedo, viúva, e as filhas Sônia Maria, Selma Maria, Silvana Maria, Susana Maria e Simone Maria.
Filho de Anísio Azevedo e Jocabed Cardoso Azevedo, proprietários rurais do município de Nossa Senhora das Dores, Tertuliano Azevedo nasceu a 17 de setembro de 1930, no município de Neópolis (SE). Após desentendimentos entre familiares, seu pai vai para Neópolis, grande centro arrecadador, pela existência de várias fábricas de tecidos, onde passa a exercer o cargo de administrador de Mesas de Rendas.
Seus primeiros estudos foram realizados em Penedo (AL), num colégio de freira, anos depois, prosseguindo seus estudos, veio morar em Aracaju, como aluno interno no Colégio Tobias Barreto, dirigido pelo professor José Alencar Cardoso, também conhecido como professor Zezinho, primo carnal de sua mãe. Apesar do colégio adotar um regime militarizado, foi sua passagem por esta instituição de ensino, afirma Tertuliano, onde nasceu o despertar de noções da vida social e da vida política. Com a vinda da família para Aracaju, deixou o Tobias Barreto e ingressa no Colégio Ateneu Sergipense:
Fui aluno de Artur Fortes, que lecionava História, Abdias Bezerra, José Augusto da Rocha Lima, José Olino, Ofenísia Freire, Manoel Cabral Machado, Maria Thétis e Costa Pinto.
Nesse estabelecimento, estudando o curso ginasial, começou a participar ativamente dos movimentos estudantis, uma participação que afetou a vida escolar. Na época era editado pelo Grêmio Clodomir Silva o jornal estudantil A Voz do Estudante, que através de suas páginas atacou o professor Franco Freire, motivando a Congregação a expulsá-lo do Ateneu. O artigo colocou em dúvida a competência do professor Franco Freire, por ter reprovado 42 numa turma de 45 alunos.
Convidado pelo irmão José Lima de Azevedo, que trabalhava numa fábrica de tecidos de propriedade de um primo do pai, aos 16 anos resolve viajar para o Rio de Janeiro, onde trabalha como office-boy, iniciando-se no mercado profissional. Tertuliano morava numa pensão, mas aos domingos almoçava no Andaraí, na residência do deputado federal sergipano Graccho Cardoso (1874-1950). Assim, apadrinhado pelo deputado, voltou a Aracaju ciente que trabalharia no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários – IAPC, que estava sendo criado em Sergipe. Seus primos conseguiram, mas Tertuliano nada conseguira. Sem nenhuma perspectiva naquele momento, matriculou-se no curso noturno do Colégio Tobias Barreto e, finalmente, concluiu o ginásio e retornou para o Ateneu no turno da tarde, onde estudou o clássico. Estava ciente da vocação para o curso de Direito e à noite fazia o curso Técnico em Contabilidade, na Escola Técnica de Comércio de Sergipe.
Ensaio Geral
Apesar da sua existência desde os anos trinta, o Centro Estudantil Sergipano sempre teve dificuldades para registrar a entidade. Esta organização eminentemente social e cultural, fundada em 27 de novembro de 1945, sendo eleita a sua primeira Comissão diretora: José Lima de Azevedo, José Figueiredo e Núbia Marques, todos bastantes conhecidos no meio estudantil sergipano. O Centro tinha como proposta, realizar intercâmbio cultural com outras cidades; criação de uma Biblioteca, que na época contava com um acervo de 400 títulos; criação de um setor esportivo; cartões estudantis para entrada com abatimento aos cinemas de Aracaju; e lançamento do Jornal Tribuna Estudantil.
O número 1 da Tribuna Estudantil, julho de 1946, órgão oficial do Centro Estudantil Sergipano, tinha direção de Tertuliano Azevedo e era secretariado por Núbia Marques. O editorial de estreia afirma que o jornal seria a trincheira do estudante independente e livre do Estado de Sergipe. Vejamos um trecho:
Depois dos brilhantes triunfos que tem conseguido o Centro Estudantil Sergipano eis que surge a Tribuna Estudantil, multiplicando assim as vozes de entusiasmo de união e de coesão dos estudantes em torno do nosso Centro.
Mocidade vibrante, entusiasta plena de ideais nobres e de crença no futuro, chegou o momento de nos arregimentarmos, em defesa dos nossos interesses comuns, dos nossos princípios sociais e de nossas reivindicações.
Nesta hora repleta de incerteza, desequilíbrio e confusão que atravessa o Brasil e o mundo é mister que cada um de nós procure colocar uma base segura e verdadeira sob as nossas nobres aspirações e em solidariedade intensa unirmo-nos em defesa mútua.
USES
Tertuliano Azevedo esteve sempre na vanguarda dos movimentos sociais e populares. Em 1950 fundou e dirigiu a União Sergipana dos Estudantes Secundaristas – USES, entidade que representa todos os estudantes de nível Fundamental, Médio, Pré-Vestibular, Supletivo e Técnico das redes públicas e privadas no Estado de Sergipe. Organiza e acompanha os Grêmios Estudantis no estado, participou do Congresso Nacional dos Estudantes Universitário realizado na cidade de Goiânia, sendo o responsável pela abertura dos trabalhos, cria o jornal Unidade Estudantil, dirigido por Luiz Carlos Fontes de Alencar. No número 2, agosto de 1951, a direção da USES, presta uma singela homenagem a Tertuliano Azevedo, pelo seu grande emprenho na luta estudantil, dentro e fora do estado. Vejamos um trecho:
Eis – um moço, um idealista e um batalhador da classe estudantil de nossa querida terra. Ele é um dos fundadores da nossa atual entidade (USES), um dos mais legítimos lideres estudantil, deixando, nos lugares por que passou, ocupando cargos em nossos grêmios e em outras entidades, inclusive Presidente da União Sergipana dos Estudantes Secundaristas, até bem pouco tempo, marcos brilhantes de sua elevada capacidade de trabalho, senso de responsabilidade e completo esmero pela causa estudantil de Sergipe Del Rei.
Política Partidária
Em 1963 encontra-se como Inspetor do Trabalho, lotado na Delegacia Regional do Trabalho (SE), à disposição do Instituto Nacional de Previdência Social. Um ano após, em 15 de abril, foi preso no Quartel do 28º BC, indiciado em Inquérito Policial Militar, por atividades subversivas, e posto em liberdade em 5 de junho do mesmo ano. Segundo ficha policial, como Delegado do Trabalho em Sergipe, cooperou para agitação no meio trabalhista e no dia do golpe militar de 31 de março comandou uma massa humana com protesto contra a “revolução”. Juntamente como vários comunistas, Agonalto Pacheco, Professor Massilon, Manuel Vicente, Ariosvaldo Figueiredo, Orlando Dantas e um grande número de trabalhadores rurais vindo de outros municípios, pressionaram Manuel Vieira Sacramento, prefeito de Divina Pastora, a doar a Fazenda “Forges”.
O Golpe
No pós-64, período obscuro não somente em terras sergipanas, mas em todo o país, onde várias pessoas foram presas, torturadas, exiladas e mortas, Tertuliano participou ativamente de organizações de esquerda que lutavam por liberdade e democracia, mas nunca pertencera ao Partido Comunista. Em 1965, foi preso pela terceira vez e jogado nos cárceres do 28º BC por dez dias, sob alegações injustificáveis. Após sair da prisão, Tertuliano foi morar com a família no Rio de Janeiro, onde permanece até 1970. Retornando a Sergipe, participa ativamente da vida política e torna-se presidente estadual do MDB. Durante sua vida, assumiu vários cargos públicos, principalmente na administração do governador João Alves Filho.
No Rio de Janeiro, Tertuliano Azevedo representou um papel de relevante importância no episódio do afastamento do Inspetor do Trabalho, José Sobral da Silveira, do cargo de delegado regional do Trabalho, e com a posse do seu candidato, Euler Ribeiro Bessa, pleiteou o seu aproveitamento no cargo de assessor jurídico da DRT. Em 11 de março de 1968 regressou ao Rio de Janeiro.
Presidente do MDB
Em Sergipe seu nome é cogitado para Presidência do MDB, sendo candidato da preferência do deputado federal José Carlos Teixeira e do senador Gilvan Rocha, assim como conta com o apoio da Ala Jovem.
No dia 20 de outubro de 1977, em palestra realizada pelo setor jovem do MDB, de Sergipe, sobre a Constituinte, palestra essa realizada pelo presidente do Diretório Estadual do MDB em Sergipe, Tertuliano Azevedo, após fazer uma análise sobre as Constituições Brasileiras, fez severas críticas à “revolução de 64”, ao regime e ao governo da época. No decorrer de sua palestra, Tertuliano afirmou que o governo quer é fazer sua Constituição e incorporar uma série de arbítrios, logo depois afirmou que a tese defendida pelo MDB para a Nova Constituição é a anistia para todos aqueles que foram marginalizados desde 1964, sem isso não adianta falar em Assembleia Constituinte; O MDB quer é eleições diretas, com acesso à televisão e rádio, com toda liberdade e sem censura. E que todos do MDB, estudantes, religiosos e empresários, devem fazer pressão, não ter medo, se não houver pressão vamos cair em uma ditadura das mais violentas.
Ideais Socialistas
Terminada a explanação por parte do palestrante, o deputado Jackson Barreto Lima lhe fez a seguinte pergunta: “Com a vinda de uma nova Constituinte, ele (Tertuliano), defenderia a tese de haver pluripartidarismo?” – Devem existir todas as facções partidárias, inclusive o Partido Comunista, respondeu Tertuliano Azevedo.
Jovem de atividades definidas, Tertuliano Azevedo desde cedo empunhou a bandeira de luta pelas reivindicações populares, revelando-se um dos intransigentes defensores das reivindicações da classe estudantil, de que foi um denotado e prestigioso líder. Tendo ingressado em 1947 no Partido Socialista Brasileiro e presidido o Grupo Estudantil Castro Alves, foi ainda uma das figuras mais combativas em vários momentos da política brasileira, teve papel de destaque num dos períodos mais importantes da nossa história: Ditadura do Estado Novo, a luta contra o imperialismo norte-americano, Campanha do Petróleo, a luta contra o fascismo, a participação no processo de redemocratização do país (1945), sobretudo combatendo a ditadura Militar, a luta pela anistia e os momentos decisivos da Nova República. [1]
[1] Do livro Velhos Camaradas Sergipanos, Vol. 2 (inédito).
*Gilfrancisco é jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS gilfrancisco.santos@gmail.com