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Caranguejo-uça, o rei dos mangues

Toda uma cadeia alimentar depende da atividade do caranguejo-uçá

Moradores permanentes desse ambiente inóspito e pouco oxigenado, os caranguejos são grandes contribuintes na criação de condições de vida para a flora e a fauna do mangue. Quando os caranguejos fazem suas tocas, revolvem o solo mais profundo, oxigenando e distribuindo nutrientes, que depois serão levados para o mar com as cheias e vazantes de maré.

O caranguejo-­uçá tem um papel fundamental na manutenção do equilíbrio do mangue. Alimentando-­se principalmente de folhas velhas e amareladas que caem das árvores do mangue, ele devolve para o ambiente matéria orgânica rica em nutrientes. E não é apenas consumindo as folhas que o uçá colabora no enriquecimento do mangue, mas também fazendo um estoque de folhas nas galerias. Assim, a matéria orgânica fica retida no manguezal e não se perde quando a maré fica vazante e as águas começam a baixar.

O cantador José Lúcio diz que o caranguejo é a sua fonte de renda (Foto: Joel Luiz)

A diminuição do número de caranguejos-­uçá pode tornar inviável a vida de outras espécies da fauna do mangue. É o caso do caranguejo­-violinista, que se alimenta dos restos de matéria orgânica da alimentação do uçá. Toda uma cadeia alimentar depende da atividade destes crustáceos, e a degradação dos mangues e extinção dos caranguejos significa destruição desse ciclo, em que a atividade da pesca será a primeira a ser afetada.

O maior produtor

Em todo o Brasil destacam­-se na produção de caranguejos todo o estado de Sergipe; a região do Salgado, no Pará; o delta do Parnaíba, entre Maranhão e Piauí; as baías de Guanabara e de Sepetiba, no Rio de Janeiro; e o manguezal de Iguape e Cananéia, no litoral sul do estado de São Paulo. Destes estados, Sergipe é o maior produtor e o que mais consome o caranguejo­-uçá, Ucidessp (espécie mais comercial).

Em todas as regiões de mangue existem pessoas que vivem da cata do caranguejo, para vender a bares e restaurantes do litoral ou a atravessadores, que comercializam o produto nos grandes centros. São os chamados catadores de caranguejo, que entram no mangue na vazante (maré está baixando), quando as tocas ficam descobertas. Segundo Wagner Robson, que há 20 anos trabalha capturando caranguejos, os catadores passam de quatro a seis horas num imenso mar de lama, atrás desse crustáceo. Não ficam mais tempo devido ao cansaço que a atividade impõe e pelo regime de marés.

Vestidos com roupas velhas, os catadores entram no mangue, que quase sempre é cortado por pequenos canais, em uma pequena canoa a remo. Para uma pessoa que nunca viu um manguezal, à primeira vista ele parece um labirinto, com canais e raízes de árvores típicas de mangue, com raízes ­escora e pneumatóforos adaptados à oscilação da maré. Neste ambiente, só mesmo quem o conhece bem sabe como entrar e sair sem ter algum tipo de problema.

Depois de remar, é hora de ir atrás dos caranguejos enterrados na lama. Durante a “cata”, enlameado, o catador tem de enfrentar um outro desafio, vencer as nuvens de mosquitos-­pólvora (maruins), pernilongos, borrachudos e a dolorida mutuca, insetos típicos destes ambientes. O catador tenta proteger-­se desses insetos passando no corpo uma mistura de óleo e querosene, que exala um terrível mau cheiro. Além disso, ele deve ter o máximo de cuidado com as raízes, onde se incrustam ostras, que, com freqüência, ferem suas mãos, braços e pernas.

O caranguejo é um tira-gosto muito apreciado por sergipanos e turistas

A rotina dos catadores é semelhante à descrita anteriormente. Durante a safra, que vai de dezembro a março, trabalham todos os dias da semana, retirando em torno de 20 dúzias de caranguejos por dia. Fora da safra, a captura fica em torno de cinco a seis dúzias, apenas. A dúzia, geralmente, é vendida por 5 reais, mas esse valor pode oscilar de acordo com o comércio.

Produção menor

Segundo o catador Wagner Klinke, há alguns anos começou a diminuição da captura, e dentre os fatores que ele aponta como causa incluem­-se: captura excessiva, uso da redinha e comercialização da pata. Esta última prática é uma das mais deprimentes de se ver na natureza. O catador arranca a pata (quela, garra, ou pinça) do caranguejo e o deixa no mangue, vivo sem seus membros, para morrer. Esta prática também é proibida por lei, mas devido a uma fiscalização pouco efetiva, infelizmente, tornou-­se comum em locais de cata de caranguejo.

Em todo o litoral brasileiro, as populações tradicionais de catadores vivem quase que exclusivamente dessa atividade de cata. São pessoas que dependem do meio ambiente para a sua sobrevivência e que, por isso mesmo, com ele interagem, respeitando seus ciclos naturais. Conhecem tão bem os caranguejos, que sabem diferenciá-­los por espécie, idade e sexo. Mas há também os catadores esporádicos, ou melhor, predadores esporádicos, vindos de outras profissões, que se dedicam à cata na época da andada, quando se realiza o grande passeio do acasalamento.

A andada, também chamada carnaval, sanata ou ata, dependendo da região, ocorre entre dezembro e fevereiro, época em que as chuvas provocam um choque salino no manguezal. Os caranguejos, atordoados, saem de suas tocas e se põem a vagar em todas as direções. É o tempo do “cio”, quando os pequenos crustáceos perdem a proteção e se deixam conduzir apenas pelo instinto da reprodução. Uma andada dura três a quatro dias, conforme a espécie e a região, e os catadores tradicionais nunca recolhem os caranguejos vagantes.

Por Edison Barbieri e Jocemar Tomasino Mendonça (Foto:PMC)

 

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