Come-se bem nos mercados centrais de Aracaju
8 de julho de 2024
Gasolina e gás de cozinha ficam mais caros
8 de julho de 2024
Exibir tudo

Versões contestadas

Ibarê Dantas*

Neste mês de junho completa 50 anos o lançamento do meu livro O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930 (Petrópolis/RJ, Editora Vozes, 1974).

A publicação provocou numerosas resenhas, algumas com divergências pontuais de interpretação, algo que avalio como natural. Pois, todo tema comporta novas abordagens discordantes ou não.

Em 2010 tomei conhecimento da dissertação de Andreza Santos Cruz Maynard: A CASERNA EM POLVOROSA: A Revolta de 1924 em Sergipe, defendida na UFPE, em 2008, que apresentava afirmações erradas. Considerei um equívoco ocasional e exercitei a tolerância.

Agora, no centenário da Revolta de 1924, ao reler o texto e saber que continuava difundindo falsidades junto aos alunos sobre meus escritos e minha postura diante do domínio militar, decidi mostrar algumas afirmações problemáticas emitidas por Andreza Maynard a respeito do meu livro O Tenentismo em Sergipe:

              “A obra foi publicada com o auxílio do governo ´ocasionalmente`, como diz o autor, em 1974, cinqüenta anos depois da revolta de 13 de julho. E ´coincidentemente` Sergipe era governado sob a tutela militar.” (p. 12).

Resposta: Não é verdade que a edição do livro em 1974 recebeu auxílio de governo, de órgão público ou privado. À época, eu era funcionário do Banco do Brasil sem qualquer vinculação com outra instituição e assumi uma parte da edição com meu salário e sem qualquer patrocínio. A negociação com Mário Pontes do escritório da Editora Vozes à Rua México (RJ) foi rápida e objetiva. Pouco depois assinei o contrato da edição que previa: “O autor adquire 500 exemplares mediante o pagamento de CR$ 10.000,00 em três prestações.”

A afirmação de Andreza além de falsa é maldosa, porque sugere minha ligação com os militares durante a Tutela Militar.

Obs. Disponho de cópia do contrato, do recibo e da fatura.

Para os leitores que não acompanham minhas produções, informo que O Tenentismo em Sergipe foi divulgado em três edições. A primeira com minha contribuição financeira pela Editora Vozes, 1974. A segunda, patrocinada pela Funcaju, a convite da presidência de Ivan Valença, na gestão do prefeito João Augusto Gama da Silva, pela J. Andrade, 1999. A terceira, em atenção ao convite da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEDUC) no bojo de um projeto que incluiu a publicação de mais de cem obras de autores sergipanos em 2022.

Além do que divulgou em sua dissertação, Andreza, como profissional do magistério, orientou o trabalho A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza Maynard, do acadêmico Cerivaldo Pereira Filho, do curso de Pós-Graduação em Ensino de História da Faculdade São Luís de França, Aracaju, em 2012.

Em seu texto, o orientando, entre outros enganos, escreveu:

        “vivíamos ainda sob a coação da ditadura civil-militar naquele longínquo 1974 […] escrever nestas circunstâncias significava não só buscar o melindre que satisfizesse o âmago de tal regime sem ferir os brios ideológicos e mantenedores do sistema […]. Principalmente, quando essa produção fosse financiada com recursos estatais, como fora o caso de ‘O Tenentismo em Sergipe’ de Ibarê Dantas.” (p. 3-4)

Em minha contribuição à historiografia sergipana ao longo dos cinquenta anos, todos os meus treze livros mereceram comentários com elogios e críticas respeitosas, mas uma invenção dessa natureza jamais havia acontecido.

Ademais, há outras afirmações questionáveis na citada dissertação da professora, sem a gravidade da anterior, que expressam alguma impropriedade ou imprecisão.

Exemplos:

  1. Para Andreza Maynard minha posição vincula-se à corrente que vê o tenentismo como expressão das classes médias, na linha de Virgílio Santa Rosa, N. W. Sodré, Jaguaribe, Carone, entre outros.

Resposta: Não sei de onde tirou essa falsa conclusão. Não seria grande demérito se assim o fosse. Mas minha posição está explicita nas conclusões: “Não se pode dizer que o tenentismo representava específicos interesses dos estratos médios urbanos.” (1. ed., p. 229; 2. ed., p. 264 e 3. ed., p. 217).

Essa interpretação deturpada do meu texto levou-a a dizer que tratei as lideranças do movimento como “simples fantoches”. O meu texto analisa o movimento desde as origens, apresenta dados biográficos dos personagens e acompanha suas ações antes, durante e depois das duas revoltas.

  1. Andreza misturou a causa da Revolta com a receptividade da população e critica o espaço que dei aos precedentes (p. 12).

Resposta: Minha posição é clara: a origem da Revolta foi a indisposição contra o presidente Bernardes. No caso de 1924, combina com a solidariedade ao levante de São Paulo.

  1. Andreza Maynard considerou que dei espaço demais aos precedentes e consequências. Então, como forma de superação ela limitou o marco temporal de 13.07.1924 a 02.08.1924 (ver p. 10), seguindo Ginzburg.

Ocorre que a professora não observou que meu objeto de estudo foi o Tenentismo em Sergipe das origens até 1930. Aliás, empenhei-me muito em compreender o ambiente da sociedade sergipana nos anos 20. A imprensa, as manifestações divergentes e as origens do tenentismo no plano nacional e local. E esse lastro me beneficiou muito. Ao ponto de 50 anos depois não ter arrependimento do que escrevi. Ao fim dos precedentes simplesmente conclui: Há indicações que “alguns segmentos da população estavam predispostos para mudanças.” (p. 80).

  1. Dentro do seu objeto de estudo, Andreza revelou que o enfoque do seu trabalho é preencher a lacuna: “qual o envolvimento dos militares com a sociedade sergipana” (p.22) como se nada existisse sobre o assunto.

Resposta: Eis alguma contribuição no meu livro.

Mostrei a relação dos militares com a imprensa (p. 75-76, 2. ed).

Adiante escrevi: “Nesta época, inícios da década de 1920, o Quartel do 28º BC estava situado na zona central da cidade. Os militares, especialmente os oficiais, eram bastante integrados no ambiente das ruas, participando das conversas de esquina e vivendo os problemas e as aspirações dos estratos médios. Nesse inter-relacionamento com os civis, as aproximações iam se amiudando conforme as identificações de cada grupo e as tendências, inclinações de seus elementos.” (p. 99 da 2. ed., a que Andreza Maynard consultou).

Noticiei ainda a presença de oficiais nas campanhas cívicas, entre as quais a favor do Voto Secreto, na qual Maynard, Soarino e Manoel Xavier de Oliveira, participaram da diretoria. (p. 102, 2. ed.)

O que Andreza Maynard mostrou de novidade? Não percebi. Seria ao tratar de Aracaju cidade moderna, no capítulo em que citando Baudelaire, Sevcenko, Walter Benjamin e outros teóricos da modernidade, falou de propaganda de remédios, bondes, ataque de epilepsia, condições de higiene, concurso de beleza e tantos outros? Onde estavam os militares nesses acontecimentos?

Contudo, essas considerações não me impedem de reconhecer que a dissertação tem méritos. Eis alguns exemplos.

No primeiro capítulo:

a) Ampliou as informações sobre o 28º BC como instituição. Inspirada em uma pesquisa de nível nacional, que José Murilo de Carvalho publicou, a autora ofereceu dados sobre recrutamento, fardamento, alimentação, disciplina, entre outros aspectos.

b) Apresentou pequenas biografias dos líderes, quase tudo já divulgado, mas indispensável.

c) No plano da revolta trouxe revelações interessantes, complementando minha narrativa.

No segundo capítulo, sobre os desdobramentos no cotidiano da cidade, baseada em matérias da imprensa, não deixou de ampliar o conjunto dos fatos já divulgados. O mesmo digo quando trata do êxodo para o interior e da insurreição em alguns municípios.

No terceiro capítulo, também ampliou informações em detalhes, mas sem novidades sobre a compreensão do quadro geral.

Em suma, a dissertação enriqueceu a narrativa sobre a Revolta de 1924 em Sergipe. Defendida em 2008, em pleno século 21, mais de três décadas depois da primeira publicação existente, O Tenentismo em Sergipe, Andreza Maynard consultou documentos inacessíveis no início dos anos 70, tais como os produzidos pelo 28º BC, além dos numerosos livros editados em décadas posteriores.

Andreza elencou uma grande bibliografia com obras diversificadas, inclusive teóricos da guerra, tais como Clausewitz e Sun Tzu. Todavia, deixou de fora a síntese mais importante da história do tenentismo no âmbito nacional, o livro de José Augusto Drummond. O Movimento Tenentista: A Intervenção Política dos Oficiais Jovens (1922-1935), Graal, 1986. Um clássico amplamente divulgado que analisou as revoltas e a relação dos militares com a política. José Murilo de Carvalho tratou da instituição, do ativismo político, mas não estudou as revoltas como fez Drummond.

No aspecto de dados informativos, o trabalho da professora Andreza Maynard agregou mais informações ao estudo do tema. Entretanto, comprometeu bastante sua dissertação a partir da revisão da literatura existente. No afã de inflar a importância de seu texto, leu sem atenção o que escrevi, deturpou minhas posições, inventou estórias improcedentes e divulgou-as sem observar a veracidade dos fatos, um critério básico de todo historiador responsável. Por fim, ainda orientou pelo menos um aluno, induzindo-o a reiterar narrativas falsas e maldosas. Lamentável.

 

REFERÊNCIAS

CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. São Paulo: Todavia, 2021.

DANTAS, José Ibarê Costa.. O Tenentismo em Sergipe (Da Revolta de 1924 à Revolução de 1930). Petrópolis/RJ, Editora Vozes, 1974, 252 p. 1ª Edição; Aracaju/SE, J. Andrade/FUNCAJU, 1999, 295 p. 2ª Edição; Aracaju/SE, SEDUC, 2022, 247 p. 3ª Edição.

DRUMMOND, José Augusto. A Intervenção Política dos Oficiais Jovens. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

MAYNARD, Andreza Santos Cruz: A CASERNA EM POLVOROSA: A Revolta de 1924 em Sergipe. Recife, em 2008. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para obtenção do grau de Mestre em História. Orientador Profa. Dra. Sílvia Cortez Silva.

PEREIRA FILHO, Cerivaldo. A Revolta Tenentista em Aracaju: as Visões de Ibarê Dantas e Andreza Maynard. Trabalho apresentado pelo acadêmico Cerivaldo Pereira Filho ao curso de Pós-Graduação em Ensino de História como requisito para obtenção do título de Especialista em Ensino de História, pela Faculdade São Luís de França, sob a orientação da Profª. Msc. Andreza Santos Cruz Maynard. Aracaju, outubro de 2012.

*Cientista político, professor aposentado da UFS.

Foto: Eugenio Barreto/SEDUC

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *