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Da Revolta de 1924 à Revolução de 1930

Por Ibarê Dantas *

Este artigo pretende lembrar a Revolta de 1924 em Sergipe, de forma sumária, no ensejo do seu centenário. Tomo por base principal o texto do meu livro, O Tenentismo em Sergipe (Da Revolta de 1924 à Revolução de 1930. Petrópolis/RJ: Vozes, 1974), lançado há 50 anos e que contou com duas reedições. A fim de facilitar a compreensão do significado do movimento, tratamos precedentes e da continuidade do tenentismo até 1930.

A Revolta

Entre a noite de 12 de julho de 1924 e a madrugada seguinte, um capitão e três tenentes controlaram a direção do 28º BC e dividiram a tropa em três companhias. Uma ficou no Quartel do Exército, outra tomou a direção do Palácio do Governo e a terceira seguiu até a Av. Rio Branco para atacar o Quartel da Polícia, sem dúvida o maior obstáculo. Ainda era madrugada quando as resistências do Quartel e do Palácio capitularam, resultando em duas mortes. A população de Aracaju, estimada em pouco mais de 40 mil habitantes, despertou assustada. Era o início da primeira revolta tenentista em Sergipe.

Os militares formaram uma Junta Governativa com quatro oficiais: capitão Eurípedes Esteves de Lima; primeiro-tenente Augusto Maynard Gomes; primeiro-tenente João Soarino de Melo; e segundo-tenente Manuel Messias de Mendonça.

Formada a Junta, lançaram uma “Proclamação ao Povo Sergipano” explicando as motivações e os objetivos da Revolta. O governador, que já havia prometido enviar tropas para ajudar a debelar a rebelião de São Paulo, foi preso com dois secretários.

Agora em julho completa 50 anos do lançamento do livro O Tenentismo em Sergipe: da Revolta de 1924 à Revolução de 1930

O Telégrafo, a Telefônica, as Estações da Companhia Ferroviária e da Energia Elétrica tiveram suas atividades controladas. A Junta efetuou saques de numerário em duas repartições públicas.

Os rebeldes comunicaram a mudança de governo às autoridades municipais e colheram algumas manifestações formais. Mas houve gestos de solidariedade aos tenentes em Campo do Brito, Itabaianinha, Carira e, sobretudo, em Rosário, onde foi organizada uma companhia com cerca de 80 voluntários.

A grande preocupação dos revoltosos era a defesa. Mandaram apagar o farol, retirar a boia e criaram trincheiras na areia da Praia Formosa.

Contudo, o domínio dos tenentes durou pouco. Forças legalistas, com batalhões do 20º BC (AL), 21º BC (PE) e 22º BC (PB), provenientes da Bahia, desembarcaram próximo à cidade de Estância, sob o comando do general Marçal Nonato de Faria. Ao se aproximarem de Itaporanga fizeram as primeiras prisões e os revoltosos se dispersaram sem confronto.

Avaliando de forma idealista o governo tenentista em Sergipe, ouvi o dr. Jorge de Oliveira Neto, autor do livro Deus é Verde, dizer: “Fomos livres 21 dias separados do mundo.”

Uma pergunta se impõe: O que teria causado a Revolta?

Alguns precedentes

  1. Na segunda década da Primeira República, o pacto do presidente Campos Sales (1898-1902) com os governadores gerou um sistema oligárquico que dificultava a democratização.
  2. O presidente Hermes da Fonseca (1910-1914) tentou mudar o quadro, estimulando grupos de oposição com a presença de militares em alguns estados, mas encontrou dificuldades nas unidades mais fortes.
  3. O Exército era uma instituição atrasada, razão por que antes da I Guerra Mundial (1914-1918) alguns militares foram à Alemanha para se atualizar. Em 1920 vieram ao Brasil instrutores da Missão Francesa, contribuindo para reformar a instituição. Uma orientação comum dos alemães e franceses era no sentido da manutenção dos oficiais do Exército como profissionais sem ativismo político.
  4. Em 1915 uma revolta dos sargentos alcançou grande repercussão no Exército e no parlamento. Em 1917 aconteceu a greve operária que paralisou São Paulo por uma semana. Era forte indicação da premência da regulamentação do trabalho que a Constituição de 1891 não previa. As críticas ao sistema político se acentuaram. Os livros de Alberto Torres sobre Organização Nacional e o Problema Nacional Brasileiro (1914) viraram matrizes das tendências autoritárias.

Foi neste contexto de críticas ao sistema liberal-oligárquico que transcorreu a campanha eleitoral para presidente da República de 1919-20. A partir da divulgação de duas cartas falsas atribuídas ao candidato governista, criticando militares a quem chamavam de canalhas, os debates se exacerbaram. O postulante à Presidência negou e os falsários confessaram a autoria. Mas o ambiente estava tão conturbado que muitos não acreditaram. Queriam vingança. Certo general chegou mesmo a afirmar: “Se Bernardes for Presidente da República será preciso dissolver o Exército.”

Quando forças federais entraram em conflito com policiais locais de Pernambuco, o ex-presidente Hermes da Fonseca reclamou, o presidente Epitácio Pessoa mandou prendê-lo e fechou o Clube Militar. Foi o estopim.

Um grupo de jovens tenentes da Escola Militar de Realengo reagiu em 05.07.1922 com uma rebelião improvisada. Ancorados no Forte de Copacabana, desferiram tiros de canhão nos prédios do Ministério da Guerra e do Palácio do Catete. Resultado: 16 soldados mortos e dois tenentes feridos. O episódio ficou conhecido como os 18 do Forte, embora os participantes fossem apenas 10 ou 11. Restaram sentimentos de revanche entre os jovens oficiais.

Artur Bernardes, odiado por militares, tomou posse em 15.11.1922 e governou em estado de sítio. As prisões e os processos contra os rebeldes alimentaram os ânimos para nova Revolta que, em 05.07.1924, ocorreu em São Paulo, resultando em mais de 500 mortes, a maioria de civis.

Aderiram ao levante paulista as corporações de Bela Vista (MT), Óbidos e Belém (PA), Manaus (AM) e Santo Ângelo (RS). Algumas tiveram duração efêmera, outras resistiram por vários dias. A de São Paulo deixou a capital 22 dias depois com destino ao Sul, até se encontrar com os gaúchos e formar a Coluna Prestes.

Em Sergipe, após 21 dias de expectativas, vieram as prisões.

No dia quatro de agosto, Graccho Cardoso, que teve sua administração operosa interrompida, foi reempossado e baixou decreto considerando nulos todos os atos praticados pela Junta Governativa. Em dificuldades financeiras para pagar o funcionalismo, em face dos saques efetuados pelos rebeldes, contraiu empréstimo ao empresário Francino Mello.

Estabeleceu-se o estado de sítio no país. Três dos quatro membros da Junta Governativa foram presos, assim como os militares de baixa patente. Mas Maynard escondeu-se numa fazenda e desapareceu. Enquanto isso, falecia na prisão o bacharel Zaqueu Brandão, que se destacou na campanha por voluntários em Rosário, provocando comoção.

Atuaram no processo dois procuradores. O primeiro, Oscar Viana, denunciou 606 pessoas. Diante dos descontentamentos, foi substituído por Plínio de Freitas Travassos, que citou apenas 252, dos quais cinco cabeças: o general José Calazans e os quatro oficiais que compuseram a Junta. Os demais foram considerados coautores. O despacho de pronúncia do magistrado dr. Paulo Martins Fontes reduziu ainda mais o número dos acusados. Seguiu-se o alvará de soltura, pondo em liberdade os militares de baixa patente. Dos pronunciados, a maioria se encontrava desaparecida. Em fevereiro de 1925, uma notícia provocou muitas especulações: Maynard fora preso em São Paulo. Sua chegada a Aracaju foi vista com preocupação por uns e esperança por outros.

Dois recursos ao Supremo Tribunal Federal retardariam o momento de promulgar as sentenças.

Continuidade do Movimento Tenentista

Antes de o STF promulgar as sentenças dos revoltosos de 1924, em Sergipe aconteceu nova tentativa de rebelião. Diante da notícia de que a Coluna Prestes passava próximo de Sergipe, Maynard articulou uma nova aventura. O sargento Temístocles Leal entrou em sua cela e no abraço entregou-lhe uma arma. Ao tentar render a guarda, houve troca de tiros que repercutiu no Quartel da Polícia.

 Quando, por volta de 5h30 da manhã de 19.01.1926, Maynard, a cavalo, animava o ataque, recebeu um tiro que feriu seu pé e matou o seu animal. Fora do combate, o principal líder da nova revolta foi preso e operado. As forças legalistas, percebendo as dificuldades dos adversários, ampliaram a ofensiva e venceram. O tiroteio prosseguiu até 9h30. Atrás ficavam 11 mortos, envolvendo civis, policiais estaduais e do Exército, além de 23 feridos.

Recolhidos às prisões, os quatro participantes da primeira Junta Governativa e mais cerca de 100 militares (sargentos, cabos e soldados), na madrugada de 21.02.1926, foram conduzidos em porão de navio à Ilha de Trindade. Era uma área “situada a oitocentas milhas da costa brasileira”, próxima ao paralelo 20, que passa pelo Espírito Santo. O local foi descrito como desprovido de vegetação, com solo coberto de pedras. O grande problema dos desterrados foi a saúde. Vários oficiais e soldados adoeceram. Era a beribéri que se alastrava. Entre os sergipanos, dois faleceram.

Enquanto isso, houve sucessão no Executivo. Em Sergipe, Maurício Graccho Cardoso passou o governo a Ciro Franklin de Azevedo, cuja gestão teve curta duração (24.10.1926 a 16.01.1927). Com seu falecimento, assumiu o deputado usineiro Manoel Correa Dantas (05.03.1927 a 16.10.1930).

No âmbito nacional, saiu Artur Bernardes, e Washington Luiz o substituiu em 15.11.1926. O estado de sítio foi revogado e os degredados transferidos para o Rio de Janeiro, onde vários deles foram hospitalizados. Os soldados ganharam a liberdade, enquanto cabos e sargentos somente regressaram ao seu estado em inícios do ano seguinte. Quanto aos quatro oficiais participantes da Junta, voltaram para Sergipe em setembro de 1927 e foram recebidos por parte da população como heróis. Submetidos a júri popular, foram condenados a 10 anos. Com o recurso ao STF, a sentença baixou para dois anos. Em agosto de 1929, novo júri reduziu para um ano e quatro meses. Restava aguardar o resultado do novo recurso ao STF.

Enquanto isso, a Coluna Prestes, que significava a continuidade do movimento tenentista, chegou a contar com mais de mil combatentes e percorreu vários estados ameaçada pelas forças legalistas. Parte ficou pelo caminho, numerosos se exilaram na Bolívia e o pequeno grupo restante ingressou no Paraguai em março de 1927.

No período de 1927 a 1929, os tenentes revoltosos estiveram exilados ou presos e processados ou ainda isolados. Todavia, em Sergipe, vários civis e ex-militares que haviam participado das revoltas foram incorporados à administração do governo de Manoel Dantas, da qual participava Leandro Maciel, primo de Maynard e político com elevado prestígio.

Em 1929 o quadro nacional mudou. Na indicação do candidato situacionista à presidência, o nome de Júlio Prestes, apresentado pelos oligarcas de São Paulo, não foi aceito pelos políticos gaúchos, mineiros e paraibanos. Os dissidentes criaram a Aliança Liberal para respaldar a candidatura de Getúlio Vargas como titular e João Pessoa como vice.

Por esse tempo, os contatos dos líderes tenentistas com os oposicionistas prosperaram. O voto secreto, a revisão da legislação coercitiva e a questão social serviam de propostas aos postulantes da Aliança Liberal.

Apesar desses apoios e das propostas, a chapa oposicionista a presidente e vice foi fragorosamente derrotada. Em Sergipe, o candidato a presidente do estado da Aliança Liberal, o professor Artur Fortes, também teve pequena votação. Ao despedir-se dos seus leitores em O Liberal, escreveu: “O movimento que se anuncia é ação”. Eram as conspirações que já se desenvolviam país afora, onde a Revolução era vista como única solução para o Brasil.

Luiz Carlos Prestes, líder dos revoltosos, em processo de conversão ao marxismo, em maio de 1930, declinou da liderança e foi substituído na chefia do movimento pelo tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956). Alagoano ambicioso, foi aluno da Escola Preparatória do Realengo (RJ), da Escola de Guerra de Porto Alegre (RS) e da Missão Francesa. Integrando as forças legais, combateu a Revolta de 1924 em São Paulo e a Coluna Prestes em 1926-27. Ao passar para o comando dos revolucionários em 1930, ampliou as articulações, agregando políticos dissidentes e oficiais descontentes.

O assassinato de João Pessoa, ex-candidato da Aliança Liberal a vice-presidente, em Recife em 26.07.1930, indignou a nação. O corpo da vítima foi conduzido de trem para o Rio de Janeiro. O crime, seguido por manifestações, inflamou a sociedade. As conspirações se aceleraram. A alternativa pacífica minguou.

Em três de outubro foi desencadeada a mobilização armada no Rio Grande do Sul e Minas Gerais. No Nordeste, o levante começou no dia seguinte em Recife sob a coordenação de Juarez Távora. A cúpula militar, pressionada pelo movimento civil-militar, sob o comando de Góis Monteiro, depôs o presidente Washington Luiz em 24.10.1930. Formou-se uma Junta Militar que cedeu o Executivo para Getúlio Vargas em 03.11.1930. Os tenentes rebeldes foram reincorporados ao Exército e ganharam influência na administração pública.

 Em Sergipe, após alguns Executivos substitutos de curta duração, assumiu Augusto Maynard Gomes em 16.11.1930 como governador provisório e, em 19.12.1930, como interventor do estado.

No plano nacional coube a Getúlio Vargas, novo presidente da República, a difícil tarefa de administrar as pressões de vários grupos influentes, civis e militares, cada qual com projeto próprio e ambições de predominar.

Epílogo

O Exército brasileiro, interessado em atualizar sua estrutura com as práticas em voga na Europa, recebeu orientação do profissionalismo alemão e da Missão Militar Francesa. Uma recomendação básica dos instrutores foi a de priorizar a preparação para a defesa externa e evitar atuação na política interna.

Não obstante essa instrução, jovens oficiais, a partir da década de 1920, sensibilizaram-se com os debates públicos, infringiram os princípios da hierarquia e, com sacrifícios e riscos pessoais, se engajaram em revoltas contra os governos da República inseridos num sistema oligárquico.

O movimento perdurou, ampliou-se, juntou-se em 1930 a influentes grupos civis e terminou vitorioso. Coube ao novo governo federal a difícil tarefa de subordinar os tenentes considerados revolucionários à hierarquia legalista de comando centralizado.

Restou a controvérsia das duas faces do tenentismo. De um lado, a contribuição para as reformas de âmbito nacional. Do outro, sua tendência intervencionista no processo político democratizante, provocando efeitos imponderáveis.

Fontes

CARDOSO, Maurício Graccho. “Aos sergipanos”. Diário Oficial do Estado de Sergipe, 17.08.1924.

CARONE, Edgard. A República Velha (Evolução Política). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.

CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. São Paulo: Todavia, 2021.

Correio de Aracaju, 11.11.1926 e 20.01.1927.

DRUMMOND, José Augusto. A Intervenção Política dos Oficiais Jovens. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

IBGE. Censo de Sergipe, 1920. Quadros Estatísticos de Sergipe, Imprensa Oficial, Aracaju, 1938.

O Liberal, 07.05.1930.

RELATÓRIO apresentado ao Exmo. Sr. Marechal Ministro da Guerra, pelo general Marçal Nonato de Faria, in Diário Oficial do Estado de Sergipe, 16.10.1924.

ROCHA, Antonio de Oliveira. Aracaju Rediviva. Rio de Janeiro: Ed. Olímpica, 1963 (?).

SILVA, J. A. Ferreira da. Razões do Recurso do Despacho de Pronúncia. Aracaju: Typ. Labor, 1925.

SODRÉ, Nelson Werneck. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

TRAVASSOS, Plínio de Freitas. “Razões do Recurso”. In: O Movimento Subversivo em Sergipe. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926.

* É cientista político e professor aposentado da Universidade Federal de Sergipe.

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1 Comments

  1. José Vieira da Cruz disse:

    Vale a leitura

    No artigo abaixo, o historiador e cientista político Ibarê Dantas, apresenta de forma direta, objetiva e sucinta, os acontecimentos desencadeados pela Revolução Tenentista de 1924 em Sergipe, também conhecida por Revolta da Praia 13 de Julho.
    Em torno desse acontecimento, 50 anos depois, em 1972, o então jovem pesquisador publicou uma das obras de referência sobre o assunto “O Tenentismo em Sergipe” – cujo alcance e repercussão nacional é digno de nota, aplausos e reconhecimento.
    Neste sentido, a publicação deste artigo por o ocasião do centenário da mencionada Revolta, além do mérito, autoridade e legitimidade do autor, é a resposta mais qualificada aos críticos desta obra e do legado incontornável que Dantas oferece a historiografia brasileira.

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