Por Antonio Samarone *
Em 24 de maio de 1858, o Presidente da Província de Sergipe decidiu estabelecer na capital, um hospital de caridade, de nome “Hospital Nossa Senhora da Conceição” (o atual “Santa Isabel”).
Em 26 de maio de 1858, foi encomendado ao Major Engenheiro Sebastião José Bazilio Pyrrilio, a confecção da planta e o orçamento da obra.
Em 20 de julho de 1858, o Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio foi nomeado médico do futuro hospital — o hospital só funcionará a partir de 1862.
O Hospital “Nossa Senhora da Conceição” (atual Santa Isabel), começou a funcionar na rua Aurora (atual Rua da Frente), em 16 de fevereiro de 1862, no governo do Presidente Joaquim Jacinto Mendonça.
O hospital era visto como uma instituição que revelava o espírito de caridade dos homens e o seu estado civilizatório.
O Presidente Joaquim Jacinto de Mendonça nomeou para dirigir o hospital “uma comissão composta de sete cidadãos prestantes e zelosos, cuja dedicação e caridade são proverbiais” , assim constituída: Presidente, Dr. Joaquim José de Oliveira; Secretário, Tenente Coronel Manoel Diniz Vilas-Boas; Tesoureiro, Major João Manoel de Souza Pinto, e mais, o Tenente Coronel Antonio Carneiro de Menezes, o Capitão Antonio Rodrigues das Cotias, o Capitão José Pinto da Cruz e o Alferes Antonio José Pereira Guimarães. Foi essa a primeira diretoria do atual Hospital “Santa Isabel”.
Em seu primeiro ano de funcionamento, o Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição atendeu 442 pacientes, sendo as enfermidades sifilíticas, as afecções do peito e as sezões traumáticas, as moléstias mais frequentes.
O Hospital contava com três enfermarias: São Roque, Santa Isabel e São Sebastião (militar), e possuía em torno de 60 leitos. O médico do Hospital, Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio, que também exercia as funções de cirurgião, cedeu 5 meses dos seus vencimentos para ajudar o funcionamento do hospital.
“Os doentes evitavam-no. Só mesmo os miseráveis e os desgraçados sem teto e à beira do túmulo, procuram-na para, em cima do leito, penetrar na noite insondável da morte.”
O hospital era o lugar de quem não tinha onde cair morto.
Corria o “boato” de que aos doentes, em situação mais grave, era ministrado o chá-da-meia-noite, uma porção venenosa que apressava o fim da vida daquela alma sofredora.
Não existiram grandes alterações nesse quadro, até o início do Período Republicano.
Junto a cada cama existiam sempre uma escarradeira, uma pequena mesa de gaveta para uso e refeições dos doentes, caixas de retrete contendo cubos de louça para suas “precisões”, quando por seu estado de gravidade não puderem se dirigir para a latrina da enfermaria.
No centro da enfermaria existia um lampião, que se conservava aceso todas as noites, das seis da tarde às seis da manhã. A cada quinze dias as enfermarias deveriam ser desinfectadas com uma mistura de licor de Labarraque, preparações cloretadas e água.
Dr. Juliano Simões, num depoimento publicado pelo jornal da Sociedade Médica (julho 1986), descreve a situação do hospital por volta do início do século XX, nos seguintes termos:
“Sabemos, nós médicos mais antigos em Aracaju, que há muito tempo o Dr. Pimentel Franco quando ia passar visita a seus doentes, do serviço de mulheres, ao entrar na enfermaria levava ao seu lado um servente com um fogareiro aceso queimando incenso ou alcatrão, para poder suportar o mau cheiro do ambiente.”
“Eu mesmo alcancei na enfermaria dos homens, o famigerado “pilão sem boca” (não sei por que lhe deram esse nome), local por trás de um tabique de madeira, onde doentes ulcerados ou desenganados, estendidos comumente em esteiras, arrastavam-se pelo chão até o canto, onde retiravam de um pote de barro, com um só caneco, a água para beber.”
No início do século XX, a situação do hospital de caridade de Aracaju (atual Santa Isabel) continuava precária. Já no Governo de Oliveira Valadão (1896), foi tomada a decisão de construir-se um novo prédio para a transferência do citado hospital das acanhadas instalações localizadas na rua Aurora, para a sede atual, no bairro Santo Antonio.
O hospital da rua Aurora possuia aproximadamente 60 leitos.
Quanto ao funcionamento, em agosto de 1895, passaram pelo hospital cerca de 79 pacientes, dos quais 29 receberam alta e 8 faleceram. As causas dos óbitos foram: 2 tuberculose pulmonar, 2 leucemia, 1 gastroenterite, 1 pneumonia, 1 catarro pulmonar e o último de ascite.
“O antigo hospital de caridade achava-se encravado no centro do Aracaju, entre casas, e era demasiadamente pequeno, dispondo apenas de duas salas, uma para homens e outra para mulheres, onde se encontram promiscuamente os enfermos de todas as espécies de moléstias internas e externas.
Afora as referidas salas, que mal recebiam luz por duas de suas faces. Existia um compartimento alongado, destinado à enfermaria de polícia, comunicando diretamente com a latrina do edifício, que é antes uma fossa imunda e pestilenta, a derramar de contínuo por todo o prédio e particularmente na enfermaria mencionada, os pútridos vapores que exala, de um cheiro intolerável e nauseabundo.”
O governador Olympio Campos (1900) transferiu o hospital de caridade para um prédio novo, no Bairro Santo Antonio, onde funciona até hoje. Para instalação do velho hospital na nova casa, foi comprado todo o instrumental cirúrgico na Europa e organizada uma pequena farmácia.
A cirurgia se encontrava em estágio incipiente em Sergipe, como está evidente no quadro de ocorrências do hospital. Entre julho de 1901 e julho de 1902 foram realizadas apenas 16 cirurgias no Hospital Santa Isabel: uma amputação de braço, uma de perna e uma de coxa; três fimoses, duas parafimoses, uma dilatação de uretra, uma paracentese e cinco abcessos.
A assistência hospitalar em Sergipe, até 1926, com a inauguração do Hospital de Cirurgia, era a ante-sala da morte.
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.