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O maconhismo em Itabaiana

Por Antônio Samarone *

Como legalizar a maconha virou moda no mundo civilizado, e até a Marlboro já está pensando em produzir o cigarro do demônio, eu resolvi contar o que sei, por ouvi dizer, sobre a Cannabis sativa em Itabaiana.

Os benefícios medicinais da maconha são incontestáveis. A medicina não me deixa mentir: os canabinoides estão liberados para os ricos.

Hoje, o Dr. Pedro da Costa Melo Neto, neto de Pedro Brilhante, filho de Marlene, a irmã de Arturzinho, é uma autoridade médica no Brasil, no uso da Cannabis sativa medicinal. Aliás, ela sempre foi medicinal. Observem os autores desse livro de medicina, na foto.

Tendo como motivação, que os dois primeiros trabalhos sobre a maconha no Brasil, foram escritos por médicos sergipanos: “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício”, trabalho de Rodrigues Dória, apresentado em 27/12/1915, no II Congresso Científico Pan-americano, em Washington; e o “Aspectos do maconhismo em Sergipe”, escrito por Garcia Moreno, em 1949.

As sumidades floridas do fumo d’Angola são usadas em Itabaiana desde os tempos imemoriais. A Cannabis sativa – maconha, cânhamo, pito do pango, liamba, diamba, riamba, marijuana, rafi, fininho, baseado, mourão, erva maldita, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea, maricas e ópio de pobre, já foi de largo uso em Sergipe.

Apressadamente, se contava que a maconha em Itabaiana foi trazida por dois jogadores de futebol, vindo do Rio de Janeiro; outros, mais antigos, achavam que foram os filhos de um de mandachuva do Beco Novo, quem trouxe a novidade. Eu procurei saber, e a prática vem de muito longe.

Eu conheci em Itabaiana Hosono, um mameluco, pele bronzeada e cabelos lisos, que morava às margens leste do Açude Velho. Um senhor paneleiro, pai de santo, dono de um terreiro de “candomblé de caboclo”, onde os rituais da jurema eram realizados. Foi lá que eu soube da maconha.

Na Itabaiana daquele tempo, Hosono era considerado um macumbeiro. Na verdade, era mais um pajé!

Nas festas de São Cosme e Damião, a molecada do Beco Novo descia pela estrada do Batula, passava-se por um cemitério de anjos, para se chegar ao terreiro de Hosono; andando-se mais um pouco, em direção ao lagamar, chegava-se ao terreiro de João de Filipinho. No pé da serra, ficava o terreiro de Cidália. Era o nosso vale do amanhecer.

A reduzida “classe média”, os brancos bem-nascidos da Rua do Sol, iam escondidos. A casa de João de Filipinho só andava cheia. Se existiam outros terreiros em Itabaiana na década de 1960, eu não lembro.

Hosono era uma figura espiritualmente forte, enigmática, misteriosa, que causava medo e assombração a meninada. Eu me pelava. Não tinha coragem de ir sozinho aos terreiros. Só ia em grupo, dias de festas, e eu ficava de fora, longe… A minha turma do Beco Novo era destemida: liderada por Val de Euclides Barraca.

Hosono, era irmão de Perrecheu, e casado com Dona Rosa (Mãe de Santo). Tiveram três filhos: Milicoia, Celsa e Pedro Cego.

Ouvi dizer que nos terreiros usava-se o pito de pango, ritualisticamente, em dias especiais e raros. Uma tradição deixada pelos escravos. Basicamente as inflorescências femininas.

A colheita se fazia na maturidade da planta. As inflorescências femininas, com algumas folhas e a palha eram dessecadas à sombra, expostas a correntes de ar. Depois de algumas noites, de preferência com lua cheia, a liamba ficava ao relento para receber o sereno da madruga, para ficarem curtidas ou sofrerem fermentação. Ao final, estavam prontas para o uso.

A maconha era bebida ou fumada, coletivamente, num grande cachimbo de fornilho de barro enegrecido, com a fumaça da jurema verde. Fumava-se e cantavam-se loas.

O cabo ou haste do cachimbo era um canudo de pita, caule fistuloso de uma planta chamada canudeiro (Carpotroche brasiliensis Endl); enfeitado com anéis e riscos feitos com a pirogravura. Os mais avexados, faziam o baseado com palha seca de milho.

Se dizia no Beco Novo que Hosono possuía um “marica de cabaça”, todo enfeitado, mas eu nunca vi.

Na feira de Itabaiana, na banca de Dona Anita, onde se vendia de tudo, de anil a mucunã; podia-se encontrar esses canudos de cachimbo, de todos os tamanhos e acabamentos. Era tido como um comércio de gente muito pobre.

João Francisco, meu tio, repetia um aforismo: “Eu prefiro vender canudo de cachimbo na feira, que ser empregado de alguém”. Esse era o espírito empreendedor dos itabaianenses, muito antes do neoliberalismo.

* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.

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